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Grupo de Estudos em Filosofia da Mente Animal |1 Carta de Fundação do GEMA (Grupo de Estudos em Filosofia da Mente Animal) Os debates filosóficos sobre a mente animal foram tradicionalmente considerados marginais. Muitos filósofos tratavam como algo menor a questão sobre se animais não-humanos possuíam alguma forma de mentalidade tal como cognição, afetividade, percepção e consciência.1 Por exemplo, René Descartes abordou alguns dos problemas sobre a mente animal majoritariamente através de correspondência privada, o que pode sugerir a diminuta importância que o filósofo conferia ao tópico.2 Embora o estado de coisas passe a mudar no final do século XX, é a partir dos anos 2000 que as pesquisas sobre a mentalidade animal alcançam um status central na filosofia da mente ao redor do mundo.3 A Animal Sentience, uma importante revista inteiramente dedicada aos temas da consciência e cognição animal, é criada em 2016. Em 2021 é publicado por uma equipe interdisciplinar liderada pelo filósofo Jonathan Birch o robusto relatório sistematizando evidências que apontam para a possibilidade de consciência entre os moluscos cefalópodes e os crustáceos decápodes.4 Esse trabalho desempenhou um papel crucial para a decisão do governo britânico de incluir 1 Existiram algumas exceções. Cf., por exemplo, de Condillac, E. B.; Le Roy, C.-G. (2022). A Inteligência dos Animais. Trad: Galvão, D.; Silva, L. F. N. São Paulo: Editora UNESP. Claro, o tema da mente animal sempre esteve presente na história da filosofia, porém geralmente recebendo um tratamento periférico. 2 Cf. Descartes, R. (1991). To the Marquess of Newcastle, 23, November 1646. In: Cottingham, J. et al (Orgs). The Philosophical Writings of Descartes: Volume III The Correspondence. Cambridge: Cambridge University Press. ____. (1991). To More, 5, February 1649. In: Cottingham, J. et al (Orgs). The Philosophical Writings of Descartes: Volume III The Correspondence. Cambridge: Cambridge University Press. 3 Como alguns dos trabalhos relevantes para a área no final do século XX, cf. Allen, C.; Bekoff, M. (1997). Species of Mind: The Philosophy and Biology of Cognitive Ethology. Cambridge, MA: MIT Press. Dennett, D. C. (1996). Kinds of Minds: Toward an Understanding of Consciousness. New York: Basic Books. Searle, J. R. (1994). Animal Minds. Midwest Studies in Philosophy, 19(1): 206-219. 4 Birch, J.; Burn, C.; Schnell, A.; Browning, H.; Crump, A. (2021). Review of the Evidence of Sentience in Cephalopod Molluscs and Decapod Crustaceans. London. (London School of Economics and Political Science, relatório, p. 107) Grupo de Estudos em Filosofia da Mente Animal |2 esses organismos dentro da lei sobre o bem-estar animal.5 Já no ano de 2022 foi fundado o grupo internacional de pesquisa PAMBA (The Philosophy of Animal Minds and Behavior Association). Em uma visão mais ampla, em 2012 é assinada por diversos pesquisadores, dentre eles o célebre físico Stephen Hawking, a chamada “Declaração de Cambridge sobre a Consciência”, que considera a consciência um traço compartilhado entre diversos seres vivos do nosso planeta.6 Em 2024 foi assinada por diversos especialistas na área a “Declaração de Nova Iorque sobre a Consciência Animal”. Ela sugere que dado o estado atual das pesquisas, as evidências apontam que mamíferos e aves são seres conscientes e possivelmente muitos outros vertebrados e invertebrados também os são.7 Por fim, uma série de artigos, livros e revistas com edições especiais dedicadas ao tema da mente animal foram recentemente lançadas.8 Em contraste com a enorme profusão de trabalhos no exterior, infelizmente o Brasil apresenta uma carência de pesquisas concentradas no tema. De que temos ciência, nenhum evento acadêmico inteiramente dedicado ao debate contemporâneo em filosofia da mente animal foi recentemente organizado. Poucos trabalhos escritos em português, ou mesmo em inglês, foram publicados por pesquisadores brasileiros.9 5 6 Cf. https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2022/22/enacted Cf. Low, P. et al. (2012). The Cambridge Declaration of Consciousness. In: https://fcmconference.org/img/CambridgeDeclarationOnConsciousness.pdf 7 Cf. Andrews, K.; Birch, J.; Sebo, J.; Sims, T. (2024). Background to the New York Declaration on Animal Consciousness. In: www.nydeclaration.com 8 São alguns dos principais exemplos de livros: Andrews, K. (2020). The Animal Minds: An Introduction to the Philosophy of Animal Cognition. 2nd ed. New York: Routledge. Birch, J. (2024). The Edge of Sentience: Risk and Precaution in Humans, Other Animals, and AI. New York: Oxford University Press. Godfrey-Smith, P. (2016). Other Minds: The Octopus, the Sea, and the Deep Origins of Consciousness. New York: Farrar, Straus and Giroux. Tye, M. (2016). Tense Bees and Shell-Shocked Crabs: Are Animals Conscious? Oxford: Oxford University Press. Exemplos importantes de artigos são: Allen, C. (2013). Fish Cognition and Consciousness. Journal of Agricultural and Environmental Ethics, 26(1): 25-36. Birch, J. (2022). The Search for Invertebrate Consciousness. Noûs, 56(1): 133-153. O volume 48, n. 1 da revista Philosophical Topics tratou exclusivamente sobre a atribuição de consciência aos outros seres. 9 São algumas das exceções: Barcellos, V. M. (2022). Como Atribuir Consciência aos Animais. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 186. Fonseca, A. L. V. (2023). É a Colônia de Formigas um Organismo Consciente? Griot, 23(1): 70-86. Jatobá, J. E. (2021). Consciência Animal: Aspectos Neurológicos, Grupo de Estudos em Filosofia da Mente Animal |3 Poucos especialistas na área foram formados. Poucas disciplinas focadas na filosofia da mente animal foram ministradas na graduação e na pós-graduação. Tendo em vista essa insuficiência intelectual, decidimos fundar o GEMA (Grupo de Estudos em Filosofia da Mente Animal), um grupo completamente voltado à pesquisa sobre as diversas dimensões da mentalidade animal. O GEMA é um grupo de pesquisas dedicado à investigação filosófica de todos os aspectos que envolvem a economia da mente animal, tais como: cognição, afetividade, percepção e consciência. O grupo busca não apenas se envolver nos debates teóricos sobre a mente animal, mas também se inserir na pesquisa empírica sobre assunto, dado o caráter transdisciplinar da área. Ademais o grupo almeja contribuir com trabalhos originais dentro do debate filosófico-científico contemporâneo. Como forma de remediar o problema aqui apresentado, eis algumas de nossas propostas: a) a organização periódica de eventos com convidados brasileiros e estrangeiros; b) a manutenção de grupo(s) de estudo(s) com discussão crítica de textos pertinentes à área; c) a contribuição com o treinamento de pesquisadores juniores – iniciação científica, mestrado e doutorado –; d) a formação de um núcleo de integração entre pesquisadores seniores – doutores, pesquisadores de pós-doutorado e professores doutores – e pesquisadores juniores; e) a integração entre filósofos e cientistas que trabalham com a mente animal; f) a busca da participação de filósofos em experimentos científicos que envolvam a mente animal, dado o caráter interdisciplinar inerente que a filosofia da mente animal possui; g) a produção de trabalhos – artigos, livros, resenhas, capítulos de livro, traduções – científicos sobre o assunto; Morfológicos e Evolucionários. Rer. Simbio-Logias, 13(19): 131-149. de Souza Filho, S. F. (2022). A Dual Proposal of Minimal Conditions for Intentionality. Synthese, 200. Grupo de Estudos em Filosofia da Mente Animal |4 h) a divulgação para o público geral dos debates que cercam a filosofia da mente animal. Com isso, buscamos suprimir em alguma medida a deficiência que a academia filosófica brasileira padece na área. Além de seu valor intrínseco, a filosofia da mente animal detém forte relevância prática, dado o impacto imediato que ela pode gerar nas políticas públicas sobre o bem-estar dos animais e na sociedade. Deste modo, consideramos de suma importância a criação de um ambiente fértil de pesquisa sobre o tema. O GEMA pretende, portanto, se estabelecer como um dos semeadores desse ambiente, gerando frutos que possam ser colhidos tanto para os pesquisadores, como para a sociedade e os próprios animais. Marco Aurélio Sousa Alves (Professor Adjunto Filosofia UFSJ) Roberto Horácio de Sá Pereira (Professor Titular Filosofia UFRJ) Rodrigo Azevedo dos Santos Gouvea (Professor Adjunto Filosofia UFRJ) Sérgio Farias de Souza Filho (Professor Adjunto Filosofia UFRPE) Valdir Luna da Silva (Professor Titular Neurofisiologia UFPE) Victor Machado Barcellos (Doutorando Filosofia PPGF-UFRJ) 02/08/2024 Rio de Janeiro, Recife e São João del-Rei