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Guilherme Cordeiro da Graça de Oliveira Juliana Milanez Rodrigo Volcan Almeida Tatiana Seixas Machado Carpenter Viviane Gomes Teixeira (Organizadores) ENSINO DE QUÍMICA EM REVISTA VOLUME 6 PROPOSTAS PARA O ENFRENTAMENTO DE DESIGUALDADES SOCIAIS Esta obra contou com o apoio para sua publicação da Decania do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza da UFRJ (CCMN-UFRJ) Instituto de Química da UFRJ 2023 Autores Adriana Baptista de Souza Amanda Ramos de Mattos Thomé Antonio Carlos de Oliveira Guerra Angela Sanches Rocha Carla Márcia Alvarenga da Silva Célia Regina Sousa da Silva Fernanda Arruda Nogueira Gomes da Silva Flávio Matheus Rosa Joaquim Fernando Mendes da Silva Joyce Braga Camargo Lohrene de Lima da Silva Priscila Tamiasso-Martinhon Rodrigo Volcan Almeida Valeria Fernandes Nunes Viviane Gomes Teixeira ENSINO DE QUÍMICA EM REVISTA Volume 6: Propostas para o Enfrentamento de Desigualdades Sociais 1ª Edição ISBN 978-85-5722-817-7 Organizadores Guilherme Cordeiro da Graça de Oliveira Juliana Milanez RodrigoVolcan Almeida Tatiana Seixas Machado Carpenter Viviane Gomes Teixeira Rio de Janeiro IQ – UFRJ 2023 CAPA Luísa Aparecida da Silva Rangel de Souza Contato: luh.rangel11@gmail.com Instagram: @luh.rangel Comitê Científico-Editorial Aires da Conceição Silva (IBC) Alessandra Nicodemos Oliveira Silva (UFRJ) Alexandre da Silva Antunes (CPII) Angela Sanches Rocha (UERJ) Antonio Carlos de Oliveira Guerra (UFRJ) Bruno Andrade Pinto Monteiro (UFRJ) Camila Silveira da Silva (UFPR) Carlos Eduardo Bielschowsky (UFRJ) Célia Regina Sousa da Silva (UFRJ) Daniela Cardoso Tavares (NCE/UFRJ) Esteban Lopez Moreno (CECIERJ) Gisele Abreu Lira Corrêa dos Santos (CPII) Ismarcia Gonçalves Silva (IFRJ) Joaquim Fernando Mendes da Silva (UFRJ) Jomara Mendes Fernandes (UFBA) José Guilherme da Silva Lopes (UFJF) Juliana Rocha Rodrigues Barcellos (UERJ) Jussara Lopes de Miranda (UFRJ) Leonardo Maciel Moreira (UFRJ) Luciana Caixeta Barboza (UFTM) Manuel Gustavo Leitão Ribeiro (UFF) Marcelo Borges Rocha (CEFET/RJ) Marcelo Hawrylak Herbst (UFRRJ) Marcia Narcizo Borges (UFF) Maria de Lourdes da Silva (UERJ) Maura Ventura Chinelli (UFF) Mauro Braga França (CPII) Nuccia Nicole Theodoro De Cicco (UFRJ) Paula Macedo Lessa dos Santos (UFRJ) Priscila Tamiasso Martinhon (UFRJ) Renata Cardoso de Sá Ribeiro Razuck (UFRJ) Rozana Gomes de Abreu (CApUFRJ) Talita Vidal Pereira (UERJ) Tania de Oliveira Camel (FIOCRUZ) Thiago Ranniery Moreira de Oliveira (UFRJ) SUMÁRIO 7 Apresentação 12 Estimulando o aumento do capital científico de meninas do Rio de Janeiro fora do contexto escolar Lohrene de Lima da Silva Viviane Gomes Teixeira Joaquim Fernando Mendes da Silva doi: 10.29327/5249007.1-1 41 Anticoncepcionais como tema gerador em uma sequência didática: debatendo o controle do corpo da mulher, medicalização e química orgânica Amanda Ramos de Mattos Thomé Rodrigo Volcan Almeida doi: 10.29327/5249007.1-2 80 Ensino de química acessível no ensino médio: estratégias didáticas Flávio Matheus Rosa Valeria Fernandes Nunes Adriana Baptista de Souza doi: 10.29327/5249007.1-3 103 Ensino de ciências por investigação e a epistemologia de Gaston Bachelard: possíveis relações na abordagem dos resíduos sólidos urbanos Carla Márcia Alvarenga da Silva Antônio Carlos de Oliveira Guerra doi: 10.29327/5249007.1-4 144 Polímeros, reciclagem e a economia circular: relato da experiência formativa de uma docente Joyce Braga Camargo Priscila Tamiasso-Martinhon Fernanda Arruda Nogueira Gomes da Silva Angela Sanches Rocha Célia Regina Sousa da Silva doi: 10.29327/5249007.1-5 178 Os autores APRESENTAÇÃO Iniciamos a apresentação do volume 6 de Ensino de Química em Revista chamando a atenção para algo que vocês, leitor@s, já devem ter reparado: o menor número de capítulos que compõe esse volume em relação aos anteriores. Acreditamos que uma reflexão a respeito dessa diferença seja fundamental, já que se encontra, em momento, às diferenças substanciais vividas por nós em função do retorno às atividades acadêmicas presenciais desde o início da pandemia de COVID-19. O ano de 2022 aliou-se, em atipicidade, aos anos de 2020 e 2021 para os meios acadêmico e escolar. Diferentemente dos dois anos anteriores, em que nos mantivemos quase que exclusivamente em atividades remotas, 2022 marcou o retorno irrestrito às atividades presenciais. Mas, será que isso aconteceu realmente? Talvez, possamos trocar essa afirmativa por aquela que diria que 2022 marcou o início de uma nova realidade de vida, realidade essa em que as mazelas e aprendizados do trabalho e estudo remotos se associaram àqueles das atividades presenciais. Com isso, nosso tempo de envolvimento e dedicação ao trabalho e estudo não se dissocia mais do tempo dedicado à vida privada. Estamos exaustos devido às demandas impostas por esse novo tempo e pela nova 7 modalidade de trabalho e estudo híbrido, o que se alinha, perfeitamente, aos sintomas da pós-modernidade. Ao mesmo tempo, nos sentimos impelidos a ultrapassar os limites da exaustão pelas solicitações imediatistas e imperativas das novas formas de comunicação instantânea que foram, sobremaneira, valorizadas durante o período de isolamento. Assim, as tentativas de construção dos espaços individual autônomo e comunitário geram angústias e conflitos que vêm modificando a nossa relação não somente com a informação, mas com a construção do conhecimento. Por outro lado, a comunicação instantânea e o enorme aporte de informações providas pelas redes sociais vêm impactando os nossos estudantes. Não é mais possível não nos atermos às demandas por eles trazidas hoje de modo explícito, mas que sempre estiveram na sala de aula. As discussões sobre gênero e sexualidades, relações étnico raciais, relação homem-natureza, capacitismo e toda forma de preconceito são vivas no ambiente escolar e, por isso, a Educação Química não pode se furtar a cumprir o seu papel na formação de cidadãos comprometidos com a justiça social, contribuindo com formas de enfrentamento dessas questões. Esse compromisso e, sobretudo, essa responsabilidade são demonstrados pelos cinco capítulos que compõem o Volume 6 de Ensino de Química em Revista. 8 As questões de gênero estão presentes na evidente preocupação com a educação científica de meninas e a medicalização do corpo da mulher, derivada do machismo científico, abordadas nos Capítulos 1 e 2 intitulados “Estimulando o aumento do capital científico de meninas do Rio de Janeiro fora do contexto escolar” e “Anticoncepcionais como tema gerador em uma sequência didática: debatendo o controle do corpo da mulher, medicalização e química orgânica”. O Capítulo 3, “Ensino de química acessível no ensino médio: estratégias didáticas”, compromete o ensino de química na discussão e enfrentamento da exclusão ainda imposta a pessoas surdas e cegas por meio de reflexões acerca do desenvolvimento de práticas pedagógicas inclusivas baseadas em recursos didáticos manuais e digitais. O artigo apresenta também uma revisão dos principais marcos legais que garantem a necessidade de políticas educacionais para pessoas com deficiências, não deixando dúvidas a respeito da premência desta discussão. Por fim, podemos incluir os Capítulos 4 e 5 na perspectiva da educação ambiental por abordar temas que se relacionam intimamente: a produção de resíduos sólidos urbanos e a revisitação do tema polímeros no contexto da economia circular. O Capítulo 4 intitulado “Ensino de ciências por investigação e a epistemologia de Gaston Bachelard: possíveis relações na abordagem dos resíduos sólidos urbanos” se vale de elementos do pen9 samento de Bachelard para propor, como opção metodológica, o Ensino de Ciências por Investigação na discussão sobre a produção e destinação de resíduos sólidos. A potencialidade dos objetos digitais é incorporada à proposta por meio da elaboração de um e-book sobre a proposta investigativa. Se a gestão dos resíduos sólidos não pode se desvincular do questionamento dos hábitos de consumo da sociedade, o mesmo deve ser considerado no âmbito das diversas propostas que vem sendo apresentadas a respeito da substituição dos polímeros em suas inúmeras utilidades. O Capítulo 5”, “Polímeros, reciclagem e a economia circular: relato de experiência docente”, aborda a importância da corrente crítica da Educação Ambiental como referencial teórico na construção de uma sequência didática em que o conhecimento químico ancora a tomada de decisão pelos estudantes quanto ao uso e destinação do resíduo polimérico. O cansaço que temos vivido, derivado dos novos modos de vida consolidados em 2022, ano em que se iniciou a edição deste volume 6 de Ensino de Química em Revista, provavelmente, foi determinante do número reduzido de capítulos que a publicação apresenta. Por outro lado, toda essa transformação não nos deixou menos críticos em relação ao compromisso do ensino de química no enfrentamento das tantas questões que se evidenciaram ainda mais nesse contexto devido aos novos modos de comunicação. 10 Os últimos anos, foram marcados por um forte afloramento orgulhoso do sentimento de intolerância para com a diversidade, de questionamento do conhecimento científico amparado pelo descompromisso com a verdade e da valorização das desigualdades. Porém, felizmente, iniciamos 2023 com um grande anseio de retomada da construção de uma sociedade igualitária. É considerando que o ensino de ciências deve ser um forte aliado desta luta, que apresentamos o volume 6 de Ensino de Química em Revista, que batizamos como “Propostas para o Enfrentamento de Desigualdades Sociais”. Boa leitura a tod@s! 11 ESTIMULANDO O AUMENTO DO CAPITAL CIENTÍFICO DE MENINAS DO RIO DE JANEIRO FORA DO CONTEXTO ESCOLAR Lohrene de Lima da Silva Viviane Gomes Teixeira Joaquim Fernando Mendes da Silva Introdução A ciência construída a partir da diversidade de sujeitos é essencial para o seu próprio desenvolvimento à medida que proporciona a construção de conhecimentos pela perspectiva de múltiplos olhares (SANTOS; LOPES, 2017). Do mesmo modo, a ciência construída para a diversidade oportuniza a produção de conhecimento para diferentes identidades sociais, tornando-a inclusiva, representativa e necessária para sujeitos distintos (DASTE, 2019). No entanto, ao analisarmos a história da ciência, é possível perceber a grande exclusão das mulheres nos espaços formais de conhecimento científico, culminando na consolidação de uma ciência masculina, branca e europeia, o que se reflete atualmente em uma hegemonia masculina nas carreiras de ciências exatas e da natureza ainda na atualidade (CHASSOT, 2013). 12 Isso pode ser mais bem evidenciado a partir do estudo Gender in the Global Research Landscape, publicado em 2017 pela editora Elsevier, que revela que apesar de, no período de 2011 a 2015, 49% da produção científica brasileira ter sido realizada por mulheres, ao se fazer a análise dos dados separados por área, é notória uma distribuição desigual. Assim, 73% das mulheres estão relacionadas à área da saúde e do cuidado, enquanto apenas 29% correspondem às engenharias, por exemplo. Outra assimetria é identificada conforme se analisam os estágios mais avançados da carreira, onde apenas um a cada quatro pesquisadores seniores A1 é mulher, sendo esta categoria o nível mais alto da carreira reconhecida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Desse modo, tornam-se cada vez mais necessários projetos e iniciativas que promovam o incentivo e o acesso ao conhecimento científico para o grupo minoritário em questão. O espaço escolar, como um ambiente de (re)construção pessoal e social, torna-se um solo fértil para pesquisas e produção de meios que possibilitem a reconstrução de uma ciência democrática (SOUZA; FERREIRA, 2019). Os estudos desenvolvidos pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu apontam a escola como reprodutora da violência hegemônica, trazendo os conceitos de habitus, capital e campo para sustentar suas críticas ao sistema. 13 Resumidamente, o conceito de campo é definido, segundo Bourdieu, como um campo relacional onde as disputas pelo poder tornam-se legítimas e aceitas pelo senso comum. O capital representa o acúmulo de disposições que o sujeito tem dentro de um campo, sendo dividido em quatro tipos: capital econômico, que é a quantidade de bens materiais que o indivíduo possui; capital social, que são relações interpessoais que podem ser capitalizadas; o capital cultural, que é o acúmulo de saberes culminado em diplomas e títulos acadêmicos e, por fim, o capital simbólico, que pode ser considerado como prestígio ou honra. Dessa maneira, o indivíduo que têm maior quantidade de capitais acumulados durante sua trajetória possui mais privilégios e poder social, o que, para Bourdieu, influencia a construção do habitus que, por sua vez, é “um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações” (BOURDIEU, 1983, p. 65). No campo científico, o conceito de capital científico torna-se útil, sendo esse “uma espécie de capital simbólico, capital fundado no conhecimento e no reconhecimento” (BOURDIEU, 2001, p. 53). Assim, o acúmulo de capital científico pode proporcionar privilégios a sujeitos que são familiarizados com a ciência. 14 Louise Archer é uma professora e pesquisadora britânica que, juntamente com seus colaboradores, acrescentou novas contribuições ao conceito de capital científico de Bourdieu. Segundo a pesquisadora e colaboradores, o capital científico é um dispositivo conceitual que engloba os capitais econômico, social e cultural, todos esses de forma relacionada à ciência. Em outras palavras, é caracterizada por conhecimentos, atitudes, experiências e recursos relacionados à Ciência que são adquiridos ao longo da vida. A partir disso, tal conceito ajuda a compreender o porquê de algumas crianças enxergarem a carreira científica como opção profissional ou não (ARCHER et al., 2015). A fim de quantificar o capital científico, Louise Archer e colaboradores construíram um processo de avaliação que permitiu identificar padrões desiguais na participação científica e desenvolver novas abordagens de ensino que pudessem melhorar o engajamento e as aspirações científicas de crianças de diferentes grupos sociais (ARCHER; DEWITT; OSBORNE, 2015; ARCHER et al., 2012; ARCHER et al., 2012a; ARCHER et al., 2013; ARCHER; DEWITT; WONG, 2016). As pesquisas de Archer e colaboradores refletem um trabalho em equipe com uma base conceitual e empírica forte em prol da justiça social. A partir de sua perspectiva sobre capital científico, valho-me do status de 15 outsider within1 no campo escolar para reunir um conjunto de reflexões e práticas que possam ampliar as aspirações e a participação de meninas nas carreiras científicas e tecnológicas no contexto brasileiro. Concepções fundamentais para a compreensão do capital científico A prática social, para Bourdieu, é entendida de forma relacional, onde “os condicionamentos materiais e simbólicos agem sobre nós – sociedade e indivíduos – numa complexa relação de interdependência” (SETTON, 2008, p. 47). Por essa perspectiva, a posição ou poder social dependerá de um conjunto de fatores articulados ao sentido que terá em determinado momento histórico. Logo, para explicar o universo social, Bourdieu faz uso de três conceitos-chave: habitus, capital e campo, que embora sejam constantemente desmembrados em termos de conceitualização, o próprio autor alerta que essas noções “podem ser definidas, mas somente no interior do sistema teórico que elas constituem, nunca isoladamente” (BOURDIEU; WACQUANT apud MEDEIROS, 2007, p. 70). “forasteira de dentro”, por atuar em um espaço que foi negado a mulheres pretas como eu durante muitos anos, mas também por, ao mesmo tempo, ser “de fora”, justamente por ser mulher preta (COLLINS, 2016). 1 16 Através desses conceitos, Bourdieu busca uma maneira inovadora de compreender a ordem social. Assim, a noção de habitus está implícita nos modos de agir, de perceber, de acreditar, de sentir, de fazer e de pensar (THIRY-CHERQUES, 2006), que são orquestrados pelo âmbito social e individual simultaneamente e interferem diretamente na tomada de decisão do sujeito. Dessa maneira, cada sujeito passa por experiências que estruturam suas ações em função de sua posição nas estruturas sociais e vivências. Ou seja, não há total liberdade nas escolhas, uma vez que sejam orientadas através das disposições do habitus (BONNEWITZ, 2003). No entanto, ainda segundo Setton (2008), habitus não deve ser considerado como destino, até porque ele está em constante adaptação para cada conjuntura específica de ação (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009), mas sim como um dispositivo que permite compreender o processo de construção de identidades sociais no mundo contemporâneo. O conceito de capital, para Bourdieu (1985), também surge como algo inovador em sua época, pois difere da noção de que o capital seria o acúmulo de riquezas. Segundo Bourdieu, ele vai, além disso, sendo, na verdade, dividido em formas que incluem a questão econômica, mas não se esgotam nela, sendo elas as relações materiais (renda), relações sociais (status) e 17 culturais (escolarização). O capital, portanto, pode ser classificado, fundamentalmente, de três formas a partir das noções de Bourdieu (1985): (...) como capital econômico, que é imediata e diretamente conversível em dinheiro e pode ser institucionalizado na forma de direitos de propriedade; como capital cultural, que é conversível, em certas condições, em capital econômico e podem ser institucionalizados na forma de qualificações educacionais; e como capital social, constituído de obrigações sociais (“Conexões”), que é conversível, em certas condições, em capital econômico e pode ser institucionalizado na forma de título de nobreza (BOURDIEU, 1985, p. 281). De tal modo, Bourdieu concorda que o acúmulo de capital está diretamente associado ao nível de privilégio e que as formas de capital se relacionam com o capital econômico. Através de um estudo sobre o sucesso acadêmico (BOURDIEU; PASSERON, 2014), o autor realizou algumas comparações entre estudantes de classes distintas e constatou que o conceito de capital cultural foi capaz de explicar tendências como, por exemplo, o fato de indivíduos oriundos de classes menos favorecidas apresentarem menor probabilidade de sucesso acadêmico. Tendo em vista que a pesquisa levou em consideração bens materiais, salários e conquistas 18 acadêmicas, Bourdieu consegue demonstrar empiricamente que o sucesso acadêmico não depende de aptidão, mas sim do acúmulo de capital cultural. Este, por sua vez, é constituído por saberes e conhecimentos e existe em três estados: estado objetificado, materializado em bens culturais como livros, dicionários, instrumentos etc.; estado institucionalizado, que é reconhecido através de diplomas; e o estado incorporado, que é a interiorização da cultura presente no objeto ou no certificado, isto é, disposições duradouras da mente e do corpo (BOURDIEU, 1985). Quando o sujeito adquire capital cultural no estado incorporado, ele passa a possuir um tipo de capital que é parte integrante de seu habitus e, portanto, não pode ser instantaneamente transmitido. Sua forma de aquisição e transmissão envolve bastante tempo e dedicação, além de depender da classe social, dentre outras variáveis. Isso porque as primeiras condições de aquisição deste tipo de capital marcam seu valor e por não poder ser acumulado além das capacidades de apropriação do indivíduo (BOURDIEU, 1985). O capital cultural no estado objetificado está diretamente relacionado ao capital cultural no estado corporificado, uma vez que para internalizar um conhecimento é necessário tê-lo materialmente na forma de objeto. Ou seja, em forma de monumentos, pinturas, instrumentos etc. Entretanto, tratando-se 19 especificamente do estado objetificado, ele é facilmente transmitido em sua materialidade desde que se tenha capital econômico. No entanto, o que é transmitido é o objeto em si e não o conhecimento, como ocorre no estado incorporado. Bourdieu (1985) completa que “os bens culturais podem ser apropriados tanto materialmente – o que pressupõe capital econômico – quanto simbolicamente – que pressupõe capital cultural” (BOURDIEU, 1985, p. 285). Já o capital cultural no estado institucionalizado é um capital cultural que é legalmente garantido através de qualificações, atestados por certificados ou diplomas que distingue autodidatas de acadêmicos. Nessa relação existe a conversão de capital cultural em capital econômico e vice-versa, pois quanto maior a qualificação, maior o retorno financeiro. De mesmo modo, as qualificações são obtidas através de detentores de qualificação, tornando-se um ciclo (BOURDIEU, 1985). Dessa maneira, o indivíduo que têm maior acúmulo de capital durante sua trajetória possui mais privilégios e poder social. Todavia, o capital cultural legítimo é definido pelas classes dominantes, gerando violência simbólica aos que não pertencem a essa classe e, consequentemente, não possuem o capital cultural considerado legítimo. Para fugir da noção de classes, Bourdieu origina o conceito de campo, que é onde ocorre essa distribuição desigual de capital (NOGUEIRA; 20 NOGUEIRA, 2009). Nas palavras de Bourdieu, é preciso “referirmos a posição que ele [agente] ocupa nesse campo em vez de nos contentarmos em nos reportar ao lugar que supostamente ele ocupa no espaço social global, o que a tradição marxista chama de sua condição de classe” (BOURDIEU, 2004, p. 24). Cada espaço social se refere a um campo específico - cultural, econômico, educacional, científico, entre outros - onde são determinadas as posições sociais desiguais, pois aqueles que detêm maior volume de capital exercem a função de autoridade, de dominante (SOCHA, 2008). Sobre isso, Bourdieu acrescenta que, igualmente, "cada campo é o lugar de constituição de uma forma específica de capital" (BOURDIEU, 2004, p. 26). Para Bourdieu (2004, p. 22-23) “todo campo é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças". Por outro lado, os agentes que constituem o campo são caracterizados por sua trajetória, habitus e posição dentro do campo. Alguns exemplos dessas relações são dados por Lahire (2002, p. 51), como “o campo político (lutas entre os partidos políticos), o campo literário (lutas entre escritores), campo teatral (lutas entre autores de peças, diretores, atores...)”, entre outros. 21 Afinal, o que é capital científico? Em um primeiro momento, Bourdieu (2004b) define capital científico como “(...) uma espécie particular do capital simbólico (...) que consiste no reconhecimento (ou crédito) atribuído pelo conjunto de pares concorrentes no interior do campo científico” (BOURDIEU, 2004, p. 26). Todavia, para compreender essa definição, é necessário o entendimento acerca dos conceitos de capital simbólico e de campo científico para o autor. O campo científico é constituído pela luta concorrencial entre os agentes a partir de sua posição, que foi adquirida em lutas anteriores através do acúmulo de capital e da construção do habitus. Nessa luta, o que está em disputa é o monopólio da autoridade e competência científica, que podem ser compreendidas como o modo de falar e de agir legitimamente com consequente prestígio e reconhecimento (BOURDIEU, 1983; BOURDIEU, 2004b). Bourdieu (1983) completa que a luta científica “é uma luta armada entre adversários que possuem armas tão potentes e eficazes quanto o capital científico coletivamente acumulado no e pelo campo” (BOURDIEU, 1983, p. 32). Segundo Lucas (2014), a partir da leitura, de forma cronológica, das obras de Bourdieu, observa-se uma mudança em relação ao conceito de capital 22 simbólico, que inicialmente é compreendido enquanto um capital particular que confere prestígio aos agentes de um campo, de modo que seja percebido e reconhecido pelos pares deste campo. No entanto, em seus escritos posteriores, Bourdieu rompe com o significado deste conceito enquanto um capital separado dos outros e o inclui nestes tipos de capital enquanto efeito simbólico. Assim sendo, todo capital existe e age como capital simbólico, pois para que o agente conheça e reconheça é necessário que atribua sentido a partir de um habitus predisposto a percebê-lo. Isto é, se fazem necessárias estruturas cognitivas aptas a reconhecer e atribuir valor, prestígio (BOURDIEU, 2001). Desse modo, para Bourdieu (2001, p. 296) “o capital simbólico nos livra da insignificância, como ausência de importância e de sentido”. Por outro lado, Louise Archer et al. (2015) compreendem o science capital – capital científico – como uma ferramenta conceitual que possibilita o entendimento dos fatores que colaboram para a formação de aspirações científicas de crianças. De acordo com pesquisas realizadas pelo grupo (ARCHER et al., 2012; ARCHER; DEWITT; WILLIS, 2014), foi observado um padrão: crianças que possuíam capital social relacionado à ciência, por exemplo, pais e/ou conhecidos com qualificações e/ou carreiras científicas, pareciam mais propensas a aspirar por carreiras ou cursar disciplinas 23 relacionadas a ciências no ensino médio. Os resultados do estudo longitudinal sugeriram que este padrão é acentuado com o passar do tempo. A partir disso, foi proposto por Archer et al. (2015) a utilização do termo capital científico como um conceito analítico a fim de dar sentido a esses padrões. Diferente do que Bourdieu (2004) propõe, nessa nova perspectiva, o capital científico não é considerado como um capital separado dos outros (capital social, capital cultural e capital econômico), nem mesmo dentro de capital cultural. Ao contrário disso, o capital científico inclui e vai além da alfabetização científica (ARCHER et al., 2015), é um dispositivo conceitual que agrupa vários tipos de capital que se relacionam com a ciência (ARCHER; DEWITT; WILLIS, 2014). Na Figura 1 buscamos estruturar um esquema que simplifica a visualização da relação entre os tipos de capital. 24 Figura 1: Representação do conceito de capital científico segundo Archer e colaboradores (2015). Fonte: Elaborado pelos autores, 2021. Através da Figura 1 entende-se, resumidamente, que o capital científico é uma forma de agrupar todos os conhecimentos, atitudes, experiências e contatos relacionados à ciência (GODEC; KING; ARCHER, 2017). Embora Archer et al. (2015) tenham proposto uma forma diferente de trabalhar com o conceito de capital científico, ainda assim seu embasamento teórico se dá de acordo com a perspectiva de Bourdieu (1983, 1985) acerca da reprodução social. Nas palavras dos pesquisadores, as “diferentes formas de capital são derivadas de sua implantação social por indivíduos ou 25 grupos localizados” (ARCHER; DEWITT; WILLIS, 2014, p. 5). Desta maneira, é evidenciado que o significado e o valor atribuído ao capital científico são diretamente dependentes do contexto (campo) e de quem é o ator social que possui este capital (habitus). Ou seja, “a natureza do capital científico e até que ponto ele pode ser possuído ou realizado será moldada pelas identidades dos atores sociais em questão” (ARCHER; DEWITT; WILLIS, 2014, p. 5-6). Ciência é algo possível para mim? Como aumentar o capital científico de crianças e jovens do Rio de Janeiro A dissertação intitulada “Estudo do capital científico de meninas do Ensino Médio da rede pública estadual do Rio de Janeiro” foi elaborada pela autora deste texto quando aluna de mestrado no Programa de Pós-graduação em Ensino de Química, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PEQUI/UFRJ) e defendida em 2021. A pesquisa teve como objetivo discutir o capital científico de alunas do Ensino Médio de um conjunto de escolas públicas da rede estadual do Rio de Janeiro, a fim de identificar fatores e modos de relação das estudantes com as Ciências em suas realidades distintas e de que forma essas relações poderiam interferir em suas opções profissionais. 26 Resumidamente, a pesquisa indicou que, para as alunas pesquisadas, a participação em projetos científicos nas escolas foi a única forma de meninas terem um contato com as profissões que envolvem Ciência, o que demonstra que é necessário um maior incentivo a ações que apresentem a Ciência como possibilidade para meninas e proporcionem o aumento do capital científico destas. Além disso, verificou-se que as meninas costumam ter suas mães e outras mulheres do convívio como inspiração profissional. As meninas que vislumbraram a Ciência como possibilidade profissional, por exemplo, apontaram as redes sociais, programas de televisão e o incentivo de seus professores como principais influências em suas escolhas. Com base nesses resultados, originou-se o produto da dissertação, que é o e-book2 “Ciência é algo possível para mim? como aumentar o capital científico de crianças e jovens do Rio de Janeiro”. Este é um e-book que tem como público-alvo professores de Ciências da Natureza que almejam estimular o aumento do capital científico de crianças e jovens, especialmente de alunas do Estado do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o e-book é apresentado como uma ferramenta de auxílio a este professor, reunindo um conjunto de livros, filmes, séries e redes sociais que possam contribuir para o aumento do Link de acesso ao e-book: https://drive.google.com/file/d/1NC5VdqjsPjyPM272rl1zucctTpzG8jZ/view 2 27 capital científico das alunas fora do contexto escolar (FIGURA 2). Os capítulos iniciais do e-book têm como objetivo apresentar as noções acerca do conceito de capital científico e suas possíveis contribuições para estimular as aspirações científicas dos alunos. Similar ao proposto por Godê, King e Archer (2017), busca-se apresentar algumas sugestões que encorajem professores de ciências a estimular seus alunos, principalmente meninas, a enxergarem as áreas de Ciências Exatas e da Natureza como opção acadêmica e profissional. Dessa forma, pretende-se que com a leitura deste material o professor se sinta apto não só a utilizar o capital científico como ferramenta metodológica – aplicando o questionário em aula para obter um “diagnóstico” da turma – como também utilize sua sensibilidade e criatividade para ir além do que será proposto. 28 Figura 2: E-book “Ciência é algo possível para mim?”. Fonte: Elaborado pelos autores, 2021. Não pretendemos, portanto, construir um manual de instruções, mas sim encorajá-los e mostrar uma possibilidade, um “pontapé” para aulas transgressoras (HOOKS, 2017) e que contribuam para a justiça social. E assim como Godec, King e Archer (2017) destacam a ideia também não é que os professores formem “mini cientistas”, mas sim que apresentem a essas alunas a ciência como opção acadêmica/profissional, pois muitas delas não enxergam a ciência como “algo para si” justamente por ser algo distante de suas realidades. Haja vista que, como discutido neste trabalho, a realidade social de onde o instrumento que calcula o 29 capital científico foi idealizado é totalmente diferente do contexto brasileiro, alguns conteúdos trabalhados neste e-book se diferenciam do proposto por Godec, King e Archer (2017). Por esse motivo e de acordo com as demandas das estudantes pesquisadas na dissertação que dá origem ao e-book, sua escrita se concentra também em apresentar filmes, séries, desenhos, jogos, redes sociais, museus e exposições localizados no Rio de Janeiro, todos relacionados à Ciência. Apesar de ser oriundo de uma dissertação de mestrado, cuja escrita é acadêmica e mais aprofundada, o e-book busca apresentar o conceito de capital científico e formas de ações a partir deste conceito de forma simples e objetiva para o docente. Inicialmente, é apresentado o conceito de capital científico de acordo com as perspectivas de Archer e colaboradoras (2015) na principal forma que o grupo de pesquisadoras utilizam em suas publicações (ARCHER et al., 2015; ARCHER et al., 2016; DEWITT; ARCHER; MAU, 2016; GODEC; KING; ARCHER, 2017; NOMIKOU; ARCHER; KING, 2017), que é através da analogia com uma mochila (FIGURA 3). 30 Figura 3: Analogia entre o capital científico e uma mochila (GODEC; KING; ARCHER, 2017). Fonte: Mochila/bolsa/mala do capital da ciência, por @sciencecapitalbrasil. Nesse sentido, apresentamos que é possível pensar o capital científico enquanto uma mochila que você carrega ao longo da vida, contendo todo o seu conhecimento relacionado à ciência (GODEC; KING; ARCHER, 2017). Esses conhecimentos são divididos em quatro dimensões principais: Letramento científico, “o que você sabe”; Atitudes e valores relacionados à ciência, “como você pensa”; Comportamentos científicos fora da escola, “o que você faz”; e contatos, “quem você conhece” (GODEC; KING; ARCHER, 2017; NOMIKOU; ARCHER; KING, 2017; ARCHER, s.d.). 31 Segundo Archer et al., (2015) o sujeito possui maior capital científico e consequente maior probabilidade de seguir a carreira científica quando consegue colocar o conhecimento científico em prática em suas ações cotidianas, têm acesso a espaços científicos ou até mesmo quando consome conteúdos de Ciência em momentos de lazer, assistindo filmes ou séries, lendo livros científicos ou acessando sites científicos. Nesse sentido, buscando-se fomentar o aumento do capital científico de estudantes a partir das dimensões “o que você sabe”, “o que você faz” e “quem você conhece”, o e-book apresenta os tópicos “onde ir”, “o que assistir”, “o que ler” e “quem seguir no Instagram”. Cada tópico possui imagens com indicações e estas são clicáveis, de modo que o leitor seja direcionado à página da sugestão apresentada para saber mais. O que você sabe: “O que assistir”, “o que ler” Archer e colaboradoras (2015) defendem que o consumo de conteúdos científicos através de mídias, para além da sala de aula, é favorável ao aumento do capital científico. Os recursos podem ser livros, revistas, conteúdos na internet ou na televisão, todos relacionados à ciência (NOMIKOU; ARCHER; KING, 2017; ARCHER et al., 2016). Nesse sentido, o e-book apresenta algumas sugestões onde cada imagem possui um link atribuído 32 que direciona o leitor para o filme ou livro, como apresentado na Figura 4. Figura 4: E-book “Ciência é algo possível para mim?”: O que ler e o que assistir. Fonte: Elaborado pela autora, 2021. Os critérios de seleção destas indicações foram elaborados levando-se em conta a faixa etária das alunas de Ensino Médio e a acessibilidade a esses conteúdos, por serem de baixo custo ou disponíveis gratuitamente na internet. 33 O que você faz: “Onde ir” Para Archer e colaboradoras (2015), a participação em ciências fora do contexto de aprendizagem escolar também contribui para o aumento do capital científico. Assim, é importante incentivar e tornar possível a frequência com que o jovem participa de um contexto informal de aprendizagem que envolve a ciência, como a ida a museus de ciências, zoológicos, aquários, clubes de ciências, feiras, etc (NOMIKOU; ARCHER; KING, 2017; ARCHER et al., 2016). Nesse sentido, o e-book apresenta algumas sugestões onde cada imagem possui um link atribuído que direciona o leitor para locais no Rio de Janeiro que possam contribuir para o aumento do capital científico, como apresentado na Figura 5. Figura 5: E-book “Ciência é algo possível para mim?”: Onde ir. Fonte: Elaborado pela autora, 2021. É importante ressaltar que professores de outras regiões também podem fazer uso do e-book. Entretanto, 34 neste tópico de sugestões, em específico, o professor deve buscar locais em sua cidade que possam ser frequentados pelas estudantes com a mesma finalidade. Quem você conhece: “Quem seguir no Instagram” Por fim, Archer e colaboradoras (2015) indicam que conhecer pessoas em funções relacionadas à ciência também é um fator que contribui para o aumento do capital científico. Essa dimensão está relacionada ao círculo de amizades que o sujeito possui e que são ligados à ciência, seja pelas habilidades, qualificações, empregos ou pelos interesses científicos. Podem ser amigos, conhecidos, familiares, entre outros (ARCHER et al., 2016). Nesse sentido, o e-book apresenta algumas sugestões onde cada imagem possui um link atribuído que direciona o leitor para as redes sociais de algumas influenciadoras digitais e páginas de divulgação científica que apresentam mulheres cientistas que podem servir como inspiração e representatividade feminina na ciência, como apresentado na Figura 6. 35 Figura 6: E-book “Ciência é algo possível para mim?”: Quem seguir no Instagram. Fonte: Elaborado pela autora, 2021. Além destas indicações, o e-book apresenta também um passo a passo de como o docente pode calcular o capital científico de sua turma e um vídeo de quatro minutos explicando o conceito e sua aplicação. Considerações finais Baseado na teoria bourdieusiana aliada às perspectivas de Archer e colaboradoras acerca do conceito de capital científico, o presente texto apresentou o e-book “Ciência é algo possível para mim? como aumentar o capital científico de crianças e jovens do Rio de Janeiro” como auxílio metodológico para professores de Ciências Exatas e da Natureza que almejam aumentar o capital científico de suas alunas e, consequentemente, incentivá-las a enxergar a Ciência como opção profissional. A partir disso, objetiva-se abrir caminhos 36 para (re)pensar o Ensino de Ciências, apresentando sugestões e exemplificando, com base na literatura, como abarcar o conceito de capital científico na prática. Referências bibliográficas ARCHER, L., DEWITT, J., WILLIS, B. Adolescent Boys’ Science Aspirations: Masculinity, Capital, and Power. Journal of Research. In: Science Teaching, v. 51, n. 1, p. 1-30, 2014. _______. Can the subaltern ‘speak’science? 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SOUZA, M.; FERREIRA, T. “Mulheres, raça e classe”: o que Angela Davis nos tem a dizer sobre Direito. Justificando, 2019. THIRY-CHERQUES, H. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Revista de Administração Pública, v. 40, n.1, p. 27-53, 2006. 40 ANTICONCEPCIONAIS COMO TEMA GERADOR EM UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA: DEBATENDO O CONTROLE DO CORPO DA MULHER, MEDICALIZAÇÃO E QUÍMICA ORGÂNICA Amanda Ramos de Mattos Thomé Rodrigo Volcan Almeida Uma breve introdução Embora seja um dos contraceptivos mais utilizados pelas mulheres, já é acordado na comunidade científica que o uso de anticoncepcionais hormonais pode trazer riscos para a saúde da mulher (LACKIE; FARCHILD, 2016). Apesar de sua utilização trazer alguns benefícios, tais como diminuição do fluxo e de cólicas menstruais, são diversos os efeitos colaterais oriundos da utilização destes fármacos, estando entre eles a trombose, a redução de força muscular e perda óssea, e, também, sintomas cognitivos (FERREIRA, D’ÁVILA, SAFATLE, 2019). Apesar disso, o comprimido anticoncepcional é um dos métodos mais adotados pelas mulheres brasileiras: mais de 40,6% das mulheres que fazem uso de algum método contraceptivo optam por ele (IBGE, 2020). Ainda que seja um número expressivo, quando analisamos a 41 situação das jovens brasileiras, nos deparamos com números alarmantes: dependendo da região brasileira a incidência de gravidez na adolescência pode ultrapassar mais de 80% nesta população (IBGE, 2018). Tudo isso é agravado pelo fato de o conhecimento dos adolescentes sobre métodos contraceptivos ser insatisfatório (MARTINS, et. al, 2006). Diante do exposto, não há como não surgirem questionamentos sobre o acesso às informações relacionadas aos anticoncepcionais e às implicações de seu uso, sejam estas biológicas e/ou sociais. Dessa forma, entende-se como necessária a abordagem do tema na comunidade escolar, trazendo os educandos para o centro da discussão. Para tal, buscamos explorar o tema contracepção feminina, com ênfase nos anticoncepcionais hormonais, discutindo de forma crítica a história por trás da utilização destes medicamentos, o controle, a medicalização e a exploração do corpo da mulher. Para Federici (2017)1, esta exploração foi muito intensa na caça às bruxas, período que apesar de estar associada à Idade Média, foi iniciado no século XIV, sendo mais intenso nos séculos XV e XVI, na transição do Em seu livro “Calibã e a Bruxa – Mulheres, Corpo e Acumulação Primitiva” a autora enfatiza que seu trabalho se limita ao continente europeu e que, apesar de no seu último capítulo aborde o tema da colonização, é necessário levar em consideração as questões específicas de cada formação econômica-social. 1 42 feudalismo para o capitalismo. Assim, a caça às bruxas surgiu como uma política estatal que visava manter a ordem social, confinando as mulheres em uma posição social de subordinação em relação aos homens, sendo os crimes reprodutivos os que mais apareciam nas condenações, que eram sustentadas por leis que garantiam medidas severas contra a contracepção e o aborto. As mulheres tidas como bruxas eram acusadas, dentre outras coisas, de praticar abortos e de impedir a concepção a partir do controle reprodutivo. Dessa forma, era comum que parteiras e curandeiras estivessem dentre as mulheres que eram processadas e executadas sob, dentre outras, a alegação de violação das normas reprodutivas. Federici (2017) aponta que estas ações foram fundamentais para que o controle do corpo da mulher ficasse a cargo do Estado: (...) parece plausível que a caça às bruxas fosse, pelo menos em parte, uma tentativa de criminalizar o controle da natalidade e de colocar o corpo feminino, o útero, a serviço do aumento da população e da acumula ão a for a e trabalho Essa uma hitese o que o emos afirmar com certeza que a ca a às bruxas foi promovida por uma classe política que estava preocupada com a diminuição da população e motivada pela convicção de que uma população numerosa constitui a riqueza de uma nação (FEDERICI, 2017, p. 326). 43 Esse contexto foi fundamental para que o Estado assumisse o controle de seus corpos, podendo, desta forma, ter o controle sobre a reprodução biológica. A consequência disso foi a criação do modelo de mulher ideal: o da esposa obediente, passiva e domesticada. Este modelo de mulher foi cultivado e incentivado por séculos, encontrando resistências por parte de diferentes movimentos (e.g. heréticos, milenaristas – durante a Idade Média) que contaram com o protagonismo de mulheres ao longo da história (FEDERICI, 2017). Com a caça às bruxas, o advento do capitalismo e a vitória da opressão imposta às mulheres, este modelo volta a ser questionado mais fortemente com o movimento feminista da segunda metade do século XX, que eclodiu trazendo, dentre outras reivindicações, questões relativas a direitos civis e sexualidade (PEDRO, 2002; DA SILVA, DO CARMO e RAMOS, 2021). Segundo Hooks (2018), a chamada revolução sexual tinha como pano de fundo questões como a liberdade sexual, acesso a métodos contraceptivos de ampla eficácia e segurança e ao aborto seguro. Neste cenário, na década de 1960, as primeiras pílulas anticoncepcionais começaram a ser amplamente comercializadas em meio a clamores femininos por liber- 44 dade sexual2. Leal e Bakker (2017) apontam que a pílula anticoncepcional foi uma das principais responsáveis pela emancipação feminina, permitindo às mulheres a chance de dissociar o sexo da concepção, possibilitando a ressignificação dos corpos e o surgimento de novas práticas sociais. Por outro lado, o surgimento da pílula ocorreu em um momento em que o mundo todo se preocupava com o aumento populacional e com a influência dos países socialistas. (PEDRO, 2002; PEDERGRASS e RAJI, 2017). Em rela ão ao “fantasma socialista” Pedergrass e Raji (2017) publicam em seu artigo a figura de um panfleto de controle familiar, distribuído nos EUA nos anos 50, em que de um lado se tem o desenho de um globo terrestre com o mapa da antiga URSS e da China marcada em preto com a foice e o martelo, cercado de países marcados em cinza, como países em que a população superava a produção de alimentos, e num texto referindo-se ao desenho está escrito (grifos o anfleto) “This is urgente 2 Pedro (2002) em seu trabalho comparando o movimento de mulheres no Brasil e na França entre os anos 1960 e 1979 aponta que o protagonismo feminista se deu de diferentes formas nos países, pois enquanto “Em aíses em que a ci a ania o ia ser exerci a, as mulheres participaram de reuniões, manifestações, debates, e reivindicaram (...) as brasileiras só puderam contar com informações desencontradas e ambíguas. Proibidas de qualquer manifestação, debate ou reunião, encontraram na Igreja Católica abrigo e direcionamento eminentemente contrário a qualquer forma e contrace ão “artificial” (PEDRO, 2002 246) 45 business. Many american leaders are convinced family planning now is essential to block communism and preserve peace. Look at the facts. Draw your own conclusions”3. Todas estas questões colaboraram para a intensificação das discussões sobre controle de natalidade, o que também é preciso ser levado em consideração na discussão sobre o surgimento da pílula anticoncepcional (PEDRO, 2002; PEDERGRASS e RAJI, 2017). Olhando-se com a perspectiva histórica, da mesma forma que, a transição do feudalismo para o capitalismo engendrou a caça às bruxas nos sécs. XV e XVI, a questão populacional (força de trabalho) produziu um conjunto de políticas de controle de natalidade nos sécs. XIX e XX. Contudo, enquanto na caça às bruxas o objetivo foi subjugar o corpo da mulher, transformando-o em uma máquina de reprodução (biológica e social) com as políticas pró-natalistas, no início do séc. XX a preocupação se dava pelo excesso de população, o que somado ao movimento de mulheres, engendra o surgimento da pílula e aprofunda a medicalização do corpo feminino. O conceito de medicalização, segundo o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (https://www.facebook.com/forumsobremedicalizacao/), 3 Em uma tradução livre: Esta é uma questão importante. Muitos líderes americanos estão convencidos de que o planejamento familiar agora é essencial para bloquear o comunismo e preservar a paz. Olhe os fatos. Tire as suas próprias conclusões. 46 uma organização que contempla diversas entidades e profissionais da educação e da saúde, é: (...) o processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são apresentados como "doenças", "transtornos", "distúrbios" que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais e afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos. Nesse processo, que gera sofrimento psíquico, a pessoa e sua família são responsabilizadas pelos problemas, enquanto governos, autoridades e profissionais são eximidos de suas responsabilidades (MANIFESTO DO FÓRUM SOBRE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE, https://www.facebook.com/forumsobreme dicalizacao/). Segundo Vieira (2002), a medicalização do corpo feminino ocorreu quando a medicina se apropriou de aspectos biológicos para justificar e naturalizar a posição social da mulher na sociedade capitalista. O discurso médico justificara e legitimara a ideia de que a construção da identidade da mulher se iniciava na maternidade e era reduzido à vida doméstica, e esta divisão sexual do trabalho era necessária para o bom funcionamento da sociedade (VIEIRA, 2002). 47 Diante dessas ideias, optamos por desenvolver uma sequência didática utilizando o tema gera or “anticonce cionais” no ensino e química orgânica, alian o às discussões não apenas a história destes fármacos, mas também como o corpo feminino foi enxergado ao longo da história. O caminho metodológico pensado para a abordagem deste tema se deu por meio de uma sequência didática pensada à luz dos temas geradores propostos por Freire (2017). Para o autor, a utilização dos temas geradores é um dos caminhos para se alcançar uma educação libertadora, que é aquela que se opõe à educação bancária, focada na mera transmissão de conteúdos, excluindo o diálogo do processo de ensino e aprendizagem. Na visão “bancária” a e uca ão, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão — a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro. (FREIRE, 2017, grifos do autor) O grande problema da dinâmica bancária é não estimular a reflexão do educando, que não participa ativamente do seu processo de aprendizagem: seu papel é reduzido a memorizações mecânicas, e a consciência crítica é deixada de lado. O educador deve se opor à educa48 ção bancária, se orientando para uma educação libertadora, que é aquela que viabiliza o pensar e envolve a busca pela mudança (FREIRE, 1996). Dessa maneira, a educação libertadora não envolve a imposição da visão de mundo do educador, mas sim um diálogo sobre as visões do educador e do educando. O diálogo é o elemento que leva ao pensar reflexivo, e, consequentemente, à práxis, o que permite que o educando supere os obstáculos que o separam de uma educação problematizadora. A práxis deve ser acompanhada de uma ação reflexiva que leve à compreensão da realidade, o que é necessário para o educando alcançar o seu ser mais, romper com as amarras do falso saber e ampliar sua relação com o mundo, desenvolvendo sua própria forma de pensar e atuar nele (FREIRE, 2017). Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime o ressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis. (FREIRE, 2017; p. 72, grifos do autor) Assim, as atividades elaboradas pelo professor devem envolver situações reais que estimulem a capaci49 dade de tomada de decisão pelos educandos, contribuindo para a sua formação, e consequentemente, fornecendo ferramentas para que o indivíduo possa transformar sua realidade (FREIRE, 1996). A sequência didática aqui apresentada faz parte da dissertação de mestrado da autora (THOMÉ, 2022), no Programa de Pós-graduação em Ensino de Química, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro e que foi organizada, como um produto educacional, na forma de um material de apoio a professores (figura 1). Figura 1. Páginas o ro uto e ucacional “Anticonce cionais & Ensino e Química” Fonte: Elaborado pelos autores (2022) 50 A sequência didática – metodologia, resultados e discussão Uma sequência didática (SD) é caracterizada como uma proposta metodológica em que se tem uma série ordenada e articulada de atividades que inclui os recursos utilizados pelo docente em sala de aula, a relação de conteúdos, o contexto em que serão trabalhados, os objetivos a serem alcançados e a ordem em que as atividades serão realizadas (COUSO, 2018). As sequências didáticas têm sido utilizadas como ferramentas para a investigação na área de ensino de ciências. Um dos modelos utilizados nas SD pautadas em investigação é o da reconstrução educativa, que ocorre por meio da problematização dos conteúdos (DUIT et al, 2005, apud COUSO, 2018). A reconstrução educativa pode ser definida em três etapas de investigação: a determinação dos conteúdos a serem desenvolvidos, os resultados da investigação das concepções dos educandos e o ensino e aprendizagem destes conteúdos e os resultados obtidos (COUSO, 2018). A sequência elaborada teve como objetivo discutir o tema gera or “anticonce cionais” no ensino e química. Optou-se por aliar à discussão os conteúdos escolares de química orgânica com a finalidade de discutir a química dos anticoncepcionais por meio da problematização dos motivos de seu desenvolvimento e os seus efei51 tos na saúde física e psicológica da mulher, trazendo para o debate as questões do controle do corpo da mulher e da medicalização. A sequência didática foi aplicada em uma sala de aula de química de uma turma do 3º ano do ensino médio de um colégio particular situado na zona oeste do Rio de Janeiro. No total, participaram das atividades 12 alunos (sete do sexo feminino e 5 do sexo masculino) 4, cuja faixa etária era de 17 e 18 anos; entretanto, o número de participantes oscilou em cada etapa, uma vez que estas foram realizadas em dias diferentes. A SD envolveu quatro momentos, que ocorreram em dias distintos. O primeiro momento consistiu na aplicação de um questionário, cujo objetivo era identificar o grau de conhecimento dos alunos sobre os temas contracepção, métodos contraceptivos e pílulas anticoncepcionais. As perguntas presentes no questionário (quadro 1) e os resultados obtidos são apresentados abaixo. Deve ser ressaltado que as perguntas 2 e 3 foram feitas aos alunos somente após eles terem respondido a primeira, para que não houvesse sugestionamento. Neste trabalho assumimos nestas análises apenas o sexo biológico dos participantes. Sabemos das limitações desta abordagem que merecia uma análise bem mais complexa, mas pelas condições de trabalho, qualquer outra abordagem poderia inviabilizar a proposta. 4 52 Quadro 1. Perguntas do questionário inicial para identificar o grau de conhecimento dos alunos sobre os temas contracepção, métodos contraceptivos e pílulas anticoncepcionais. 1. Explique com suas palavras o que seriam métodos contraceptivos e, se possível, cite um exemplo; 2. Você conhece os efeitos colaterais associados às pílulas anticoncepcionais? ○ Sim / ○ Não; 3. Cite, se possível, três efeitos colaterais causados pelo uso das pílulas anticoncepcionais. Fonte: Elaborado pelos autores (2022) Todos os participantes foram capazes de apontar que os métodos contraceptivos têm como finalidade evitar a concepção; entretanto, um deles apontou que um dos seus objetivos seria evitar infecções sexualmente transmissíveis – o que, se tratando da maior parte dos anticoncepcionais, não é uma verdade. Corroborando com a ideia de que o preservativo é o método mais empregado pelos adolescentes (MACHADO, 2017), ele foi o contraceptivo mais indicado pelos participantes (50%), sendo seguido pela pílula anticoncepcional (29%), que, curiosamente, foi mais citada por respondentes do sexo masculino. Este resultado foi surpreendente, pois se esperava que mais meninas citassem a pílula anticoncepcional, uma vez que é um método contraceptivo voltado para o público feminino. 53 Com relação à segunda pergunta do questionário, a maioria (70%) alegou conhecer os efeitos da pílula anticoncepcional, sendo que a maior parte dos que alegaram não conhecer se tratava de indivíduos do sexo masculino. Quanto a última pergunta, foi possível constar que todas as meninas conheciam alguns dos efeitos causados pelas pílulas anticoncepcionais e três meninos alegaram não conhecer. Os efeitos colaterais mais recorrentes foram: ganho de peso (17%), náusea (13%), trombose (13%) e ocorrência de acne (9%). Importante destacar que a pluralidade de efeitos colaterais apontados pode indicar alguma experiência prévia com anticoncepcionais. Ainda no primeiro momento, seguido do questionário, passou-se a exibição do episódio Contraceptivos, a s rie ocumental “Ex lican o ”, is onível na Netflix. Em seguida, passou-se à discussão direcionada sobre o documentário, que, ainda que seja aberta, se caracteriza como um tipo de entrevista, possibilitando a coleta de informações. Os tópicos discutidos e seus respectivos objetivos estão relacionados a seguir (quadro 2): Quadro 2 - T icos e iscussão sobre o e is io “Contrace tivos”. Tópicos de discussão Questões Objetivo Como ocorre a ovulação e quais são os hormônios envolvidos no processo? Discutir sobre período de ovulação, concepção e anticoncepção. 54 Quais foram os fatores positivos associados à utilização de pílulas pelas mulheres de Bangladesh? Mulheres de Porto Rico participaram de um estudo sem terem consentido e sem serem informadas sobre os efeitos colaterais. Qual a sua posição a respeito disso? Quais são os possíveis efeitos colaterais que uma mulher pode apresentar ao tomar pílula anticoncepcional regularmente? Métodos contraceptivos masculinos já foram desenvolvidos e considerados eficazes, mas não chegam ao mercado. Ao que você associa esse comportamento? Buscar entender se os educandos compreendem os efeitos positivos associados à utilização da pílula pelas mulheres de Bangladesh, tais como aumento da expectativa de vida, aumento do nível de escolaridade, maiores salários etc. Identificar se os educandos perceberam a falta de ética envolvida neste estudo e discutir sobre os limites éticos e morais que devem ser respeitados em estudos científicos. Discutir com os educandos os efeitos colaterais decorrentes da utilização da pílula. Compreender se os educandos problematizaram o fato de os estudos serem interrompidos por apresentarem efeitos colaterais semelhantes ao da pílula anticoncepcional feminina. Faz mais de 60 anos que a pri- Compreender se os educandos meira pílula anticoncepcional problematizam o fato de as pílucomeçou a ser comercializada. las anticoncepcionais ainda Sua fórmula não deveria ter apresentarem diversos efeitos avançado significativamente com colaterais danosos à saúde da relação aos efeitos colaterais? mulher. Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Após a exibição do filme, a discussão iniciou de maneira livre com os educandos sendo questionados so55 bre quais pontos abordados no documentário chamaram mais a atenção deles. Aluna A: A parte bem do início em que eles pegam mulheres de países subdesenvolvidos, como se fosse um zoológico (...) como se fossem desumanas a ponto de testar um remédio ali (sobre mulheres de Porto Rico que participaram do estudo sobre a primeira pílula anticoncepcional sem saberem que estavam participando). Aluna E: E nem avisar (que estavam participando de um estudo científico). Professora: E vocês viram que elas só foram descobrir que participaram desta pesquisa científica anos mais tarde em um documentário? Você participar de um estudo científico sem saber é completamente antiético. Aluna C: É crime, não é? Professora: Sim, é crime. É antiético. Aluna B: O “tenso” o esenvolvimento isso. Eles não fazem da maneira que deveria e acabam ferindo a dignidade humana. Em seguida, um dos meninos se manifestou afirmando que nunca entendeu o porquê de não haver anticoncepcionais para homens. Quando questionados se já haviam visto a bula de um anticoncepcional, apenas as meninas se manifestaram afirmativamente; uma das alunas comparou o tamanho da bula com o tamanho de um livro. Iniciou-se uma discussão sobre quais foram os efei56 tos colaterais decorrentes do uso da pílula e todos os educandos citaram ao menos um dos efeitos, sendo um momento de ampla participação. Professora: Vocês já olharam a bula de um anticoncepcional? Aluna D: Sim, é um livro! Professora: Os efeitos colaterais são muitos, e as mulheres estão discutindo bastante sobre isso nas redes sociais. Uma menina [relatou nas redes sociais] que teve trombose cerebral por conta da pílula. Aluno A: Uma professora que dá aula no colégio teve trombose por conta disso [da pílula]. Para dar continuidade ao assunto sobre hormônios, foi questionado aos educandos sobre os hormônios envolvidos no ciclo menstrual. Ao serem questionados sobre quantas vezes no ano uma mulher teria a chance de engravidar, as alunas responderam prontamente que as mulheres apresentam 12 ciclos por ano, mas não ficou claro se associavam que estes ciclos representavam a chances no ano em que uma mulher poderia engravidar, o que evidenciou uma maior necessidade de aprofundamento do tema. Entretanto, conseguiram identificar que os homens seriam capazes de engravidar mulheres em qualquer época do ano, por não apresentarem um ciclo menstrual. 57 Professora: Quantas vezes a gente menstrua por ano, em média? Ou seja, quantas chances de engravidar por ano? Alunas: 12. Professora: E o homem? Aluna C: Um trilhão! Professora: Em qualquer momento do ano. Não tem um ciclo envolvido. Não há um período em que a chance do homem engravidar uma mulher é maior ou menor. Em seguida, quando perguntados sobre quais métodos contraceptivos foram apontados no vídeo, os educandos foram capazes de apontar diversos métodos. Neste ponto, foi chamada a atenção que a maior parte dos métodos exige que a pessoa lembre-se de utilizar, o que pode levar à uma falha: Professora: Vocês repararam que a maior parte dos métodos a gente precisa lembrar de usar? A pílula também conta com isso. Esquecer um único comprimido pode diminuir a eficácia do método. Inclusive, há eventos que podem diminuir a eficácia da pílula. Dando sequência ao tema sobre o DIU, as alunas se mostraram curiosas em relação ao utilizado atualmente, perguntando se ele poderia migrar de local e o tamanho dele. Neste ponto, foi comentado que este método também apresentava pontos negativos, tais como causar 58 cólica. Uma aluna se manifestou alegando que ainda assim, a pílula era bem pior, o que pode demonstrar que o documentário pode ter despertado nas alunas um posicionamento crítico sobre o tema. Ao mencionar a situação do estudo realizado nas aldeias de Bangladesh sobre os principais efeitos positivos da utilização da pílula para as mulheres da aldeia, questionei os educandos sobre os efeitos positivos associados à utilização das pílulas anticoncepcionais. Os educandos foram capazes de apontar os efeitos positivos mencionados no vídeo, tais como aumento da expectativa de vida, aumento do nível de escolaridade, maiores salários etc. Professora: As mulheres realmente tinham essa função de ficar em casa cuidando da família e dos filhos. Ter acesso à métodos contraceptivos permitiu que essas mulheres não tivessem filhos cedo e pudessem se dedicar aos estudos e ao trabalho. Então a pílula anticoncepcional também teve um lado positivo. A questão é: a que custo? Em seguida, uma aluna voltou a falar sobre os métodos contraceptivos apontados no documentário, levantando o questionamento de que a maioria era voltado para mulheres, e que, alguns exigiam, inclusive, a autorização de homens para conseguir efetivar o método: 59 Aluna A: Se parar para analisar todas as tabelas que você mostrou [que apareceram no vídeo, sobre os principais métodos contraceptivos], todos os métodos contraceptivos são voltados para mulheres. Aluna C: Professora, não sei se você sabe, mas para a mulher ligar a trompa, ela tem que ter autorização do marido. (...) isso não faz sentido. Isso é ridículo! A minha madrasta fez e precisou da autorização do meu pai. Quando questionados sobre o porquê de os anticoncepcionais masculinos não terem sido aprovados, todos os educandos foram capazes de apontar que foi devido ao fato de apresentarem sintomas similares aos causados pelas pílulas anticoncepcionais femininas. Sobre o tema, as alunas demonstraram uma postura crítica ao analisar passagens referentes ao documentário: Aluna A: (...) eles falaram [no documentário] que a maioria dos homens ali aceitaria utilizar anticoncepcional caso houvesse. Quando na verdade a gente sabe que não é assim que as coisas acontecem, sabe? Professora: É, eu também achei essa parte um pouco sensacionalista. Aluno B: Eu achei muito! O “maluco” falando [que usaria pílula anticoncepcional] todo feliz. 60 Aluna A: Principalmente falando no Brasil, onde a gente não pode nem ter aula de educação sexual na escola direito. A discussão direcionada foi extremamente importante, pois foi possível notar que as alunas estavam participando ativamente da discussão com posturas extremamente crítica e questionadora. A todo o momento faziam perguntas e se mostravam interessadas no tema; além disso, se sentiram confortáveis em compartilhar suas experiências negativas com o uso da pílula, alegando que os médicos não as informaram sobre os seus efeitos colaterais, e trouxeram para o debate a questão da responsabilização da contracepção ser mais inclinada às mulheres: Aluna D: Desde o início a sociedade colocou a mulher como responsável [por prevenir uma possível gravidez]. Aluna A: Mesmo sendo o nosso corpo, quem toma a decisão [sobre métodos contraceptivos, se referindo aos cientistas masculinos] acabam sendo pessoas que não sentem isso [efeitos das pílulas anticoncepcionais], que no caso, são os homens. Aluna E: Exato. Tipo naquele congresso que estava mostrando lá [no documentário], que só tinha homem tomando decisão [sobre a questão das consequências dos métodos contraceptivos]. 61 Destaca-se que a participação dos meninos na discussão estava bastante reduzida, mas, embora tenham se mostrado pouco colaborativos para o debate, exerceram a escuta ativa e estavam atentos à discussão. Uma possível explicação para a maior participação das meninas pode ser justificada por um estudo de Martins et. al (2006) que apontou que o maior conhecimento sobre contracepção foi observado em pessoas do sexo feminino e estudantes do ensino médio de escola privada, entretanto, de maneira geral, esse conhecimento sobre métodos contraceptivos é considerado insatisfatório. De modo geral, pode-se dizer que foi interessante notar como a utilização do tema gerador anticoncepcional fomentou a maior participação dos educandos quando comparado às aulas tradicionais. Infere-se que a razão para esta mudança de postura pode ser explicada pelo fato de os temas geradores, ao se encontrarem conectados à realidade presente e concreta dos educandos, serem capazes de despertar a i entifica ão e “situa ões-limite” (situações de opressão) e de negociações para a construção e um “in ito viável” (FREIRE, 2017) O segundo momento consistiu na discussão de conteúdos escolares, ou seja, embora as questões históricas e sociais sobre o desenvolvimento dos anticoncepcionais tenham sido o ponto inicial, não se furtou a exposição do conteúdo. A questão da transição, do momento inicial, mais crítico e questionador, para este segundo 62 momento, de exposição dos conteúdos da química, foi um momento de tensão, tanto na formulação, quanto na aplicação da sequência didática. Isso porque se temia um retorno à uma forma mais tradicional de apresentação “conteu ista”, especialmente porque não tínhamos como fugir da apresentação dos conteúdos, uma vez que se tratava de uma escola com uma política pedagógica onde o conteúdo é muito valorizado. Assim, a forma achada de se continuar lidando com a realidade concreta dos educandos e aos poucos ir se passando para o mundo submicroscópico da química e suas representações, foi se fazer uma discussão sobre o funcionamento da pílula anticoncepcional e o ciclo menstrual, incialmente falando-se de uma forma mais geral sobre os hormônios envolvidos nas diferentes fases do ciclo, sobre o funcionamento dos anticoncepcionais, até se chegar aos conteúdos químicos (figura 2). Esta tensão vem sendo discutida já há algum tempo nos trabalhos do chamado movimento CTS5 (Ciência – Tecnologia – Sociedade), apontando as dificuldades em se construir um currículo que se preocupe com as questões sociais e mesmo assim não renuncie ao conteúdo (DOS SANTOS e MORTIMER, 2000; DOS SANTOS, 2012). Neste sentido, gostaríamos de ressaltar que, o caminho aqui percorrido se deu em função da realidade específica enfrentada pela professora autora deste trabalho, não sendo o único possível. Na verdade, acreditamos Os autores deste trabalho, embora considerem importantes e relevantes as pesquisas no campo do movimento CTS, não se filiam ao mesmo, ou seja, não tiveram este como referencial teórico. 5 63 que, em outras realidades, o professor possa desenvolver uma espécie de fusão entre os aspectos históricos e sociais do desenvolvimento das pílulas anticoncepcionais e os de natureza mais química. Questionamos inclusive se o aspecto principal a ser trabalhado deva ser as funções orgânicas, uma vez que, dependendo de como ele for trabalhado possa ser entendido como biologizante. Figura 2. Slides que representam este segundo momento na sequência didática, aquele de exposição dos conteúdos da química, mostrando a abordagem feita sobre o funcionamento da pílula anticoncepcional e o ciclo menstrual, os hormônios envolvidos nas diferentes fases do ciclo e sobre o funcionamento dos anticoncepcionais. Fonte: Elaborado pelos autores (2022) Os conteúdos abordados na atividade foram: ligações químicas; determinação de fórmula molecular; funções orgânicas; classificação das ligações; hibridiza64 ção; ressonância; representação tridimensional; reatividade. As fórmulas estruturais dos hormônios envolvidos no ciclo menstrual foram apresentadas e a discussão sobre os conteúdos se deu por meio de perguntas relacionadas aos compostos. Como os educandos já haviam tido contato com os conteúdos previamente, esta etapa se caracterizou como um momento de revisão – em que, inclusive, os alunos se demonstraram bastante participativos e assertivos, sendo possível notar que tinham certo domínio sobre os conteúdos. O terceiro momento consistiu na avaliação da atividade, que foi iniciada com a aplicação de um questionário (quadro 3) sobre os conteúdos de química orgânica abordados na etapa anterior, com o objetivo de dimensionar o conhecimento dos educandos sobre os temas abordados. De forma geral, pode-se inferir que os educandos apresentaram certo domínio sobre os temas abordados no questionário, pois as taxas de acerto foram superiores à 50%; entretanto, em dois dos seis itens, as taxas se mostraram abaixo ou próximas de 50%, o que apontou para a necessidade de maior aprofundamento sobre os temas de maior dificuldade. Neste ponto, gostaríamos de enfatizar, mais uma vez, que os conteúdos químicos tratados nesta proposta não são os únicos e estão longe de serem as melhores, constituem-se apenas uma das diversas possibilidades que podem ser trabalha65 das, como por exemplo: a história de obtenção destas moléculas, que inicialmente eram obtidas de tecidos animais, depois de algumas espécies de plantas e durante os anos 30 e 40 do séc. XX, especificamente de diferentes espécies de inhames mexicanos (e.g. cabeza de negro e barbasco)6; a própria rota química, envolvendo cinco passos, de transformação da diosgenina em progesterona realizada por Russel Marker em 1942; bem como as modificações estruturais realizadas por Carl Djerassi e George Rosenkranz no início dos anos 50; bem como, porque o método hormonal sofreu pouco incremento tecnológico passados mais de 60 anos. Tópicos como estes podem ser aprofundados com apoio de referências como Ahl (1978), Laveaga (2005), Mann (2010) e Watkins (2012). Em relação a história de como o México, especialmente seus camponeses, se tornaram protagonistas neste período importante da indústria farmacêutica é recomendado a leitura de Laveaga (2009). 6 66 Quadro 3 – Questionário sobre Química Orgânica. Questionário As moléculas a seguir estão presentes em algumas pílulas anticoncepcionais. Com base na análise de suas estruturas, determine: a. As funções orgânicas pre- b. A fórmula molecular do sentes nos compostos 1 e 2. composto 2. c. O número de ligações pi presentes no composto 1. e. O que as partes pintadas de preto e a tracejada representam. d. O número de carbonos sp2 presentes no composto 2. f. Aponte, dentre as estruturas a seguir, indique aquela que apresenta um anel aromático. Desenhe-o. Fonte: Elaborado pelos autores (2022). O quarto momento da sequência envolveu a resolução de uma situação problema (quadro 4), que demandou que os educandos se dividissem em grupos, identificados como A, B e C, para pensarem e discutirem propostas de intervenções para as situações apresentadas. O ob- 67 jetivo desta atividade era identificar como os educandos se posicionavam sobre os temas abordados durante a SD. Quadro 4 – Situações-problema. Imagine que vocês, professores e pesquisadores de Química, foram contatados por uma ONG local para atuar em um bairro do município do Rio de Janeiro onde a incidência de adolescentes grávidas está alta. A ideia é que vocês atuem na localidade trazendo informações sobre métodos contraceptivos para a população por meio da mediação de atividades. i. Indique quais estratégias ii. Vocês podem convidar provocês utilizariam para disse- fissionais das mais diferentes minar informações para as áreas para atuar na sua equipessoas do bairro. pe. Quais profissionais, de quais áreas, vocês chamariam? iii. Durante a estadia no bairro, uma empresa estrangeira ofereceu lotes de um anticoncepcional que teve seu uso descontinuado no seu país de origem. A equipe foi convocada para decidir se os anticoncepcionais deveriam ser distribuídos para a população. Qual(is) atitude(s) vocês tomariam para lidar com esta situação? Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Analisando as respostas dos educandos à primeira situação-problema (quadro 5), foi possível notar a preocupação dos alunos com a utilização de uma linguagem acessível, a associação da prevenção de gravidez com métodos contraceptivos e a compreensão de que a escola é um dos locais em que este conhecimento é adquirido. Lo68 go, nota-se que os educandos demonstraram preocupação na forma de comunicação não apenas com jovens, mas também com crianças, o que permite inferir que acreditam que a educação sexual deve começar na escola. Quadro 5 - Respostas dos grupos à primeira situação-problema. Situação Indique quais estratégias vocês utilizariam para disseminar informações para as pessoas do bairro. A Grupo B C “A cria ão e cam anhas sobre a im ortância de métodos contraceptivos, palestras com funcionários da área da saúde em escolas locais, além da utilização de canais abertos na televisão como meio de propagação e informa ões e a os ” “Promover cam anhas ublicitárias or meio da divulgação de vídeos, anúncio e publicações nas redes de comunicação atuais, como TV e internet ” “É necessário que haja alestras e linguagem acessível (que saiba se comunicar com jovens e crianças) tendo como base o ensino de educação sexual inclua o autoconhecimento corporal e métodos de preven ão ” Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Com relação às respostas à segunda situaçãoproblema (quadro 6), foi possível perceber que todos os grupos apresentaram soluções que iam além da questão médica, focando também na saúde da mente, sugerindo 69 chamar para a equipe psicólogos, assistentes sociais e profissionais da escola, o que denota que os alunos enxergam a questão de forma mais complexa. É interessante notar também em como as respostas dos alunos demonstraram um nível de empatia. Quadro 6 - Respostas dos grupos à segunda situação-problema Vocês podem convidar profissionais das mais difeSituação rentes áreas para atuar na sua equipe. Quais profissionais, de quais áreas, vocês chamariam? “Psic logos, rofissionais a área a saú e e A e agogos ” “Psic logos, rofissionais a área a área B saúde, médicos e biomédicos especializados na área e sic logos ” “Ginecologistas ara sistema re ro utor, Grupo enfermagem obstetra para explicar o processo gestatório, biólogos e químicos para o C funcionamento hormonal do corpo. E assistente social para explicar os problemas na sociedade que influenciam na gravidez precoce ” Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Quanto às respostas à última situação-problema (quadro 7), foi interessante notar que todos os grupos apresentaram uma postura crítica em suas respostas, o que pode ser associado às discussões realizadas durante a SD, e inclusive, ao episódio Contraceptivos assistido durante as atividades (uma vez que a proposta se assemelha 70 à um fato apresentado no vídeo). Todos os grupos atentaram para a questão dos efeitos colaterais e sugeriram que ocorresse uma investigação sobre o medicamento. Quadro 7 - Respostas dos grupos à terceira situação problema Durante a estadia no bairro, uma empresa estrangeira ofereceu lotes de um anticoncepcional que teve seu uso descontinuado no seu país de origem. Situação A equipe foi convocada para decidir se os anticoncepcionais deveriam ser distribuídos para a população. Qual(is) atitude(s) vocês tomariam para lidar com esta situação? Pedir ajuda de especialistas para analisar o que está sendo oferecido e investigar os risA cos, sendo transparentes com a população a respeito dos riscos. Realizar estudos e pesquisas sobre os efeitos colaterais, composição química, eficiência e B investigar avaliações feitas pelas usuárias do Grupo anticoncepcional em questão. Países subdesenvolvidos não devem ser feitos de cobaia para medicamentos de países desenvolvidos. Isso colabora com a ideia C etnocêntrica, de que habitantes de países com alta concentração de desigualdade social sejam considerados inferiores. Fonte: Elaborado pelos autores (2022). De forma geral, pôde-se notar que os educandos foram capazes adotar um olhar crítico e reflexivo sobre a 71 situação, o que resultou na apresentação de propostas relevantes. Isso pode ser atribuído à utilização do tema gera or “anticonce cionais”, que instigou o exercício a ca aci a e crítica ao ‘tomar istância’ do objeto, analisálo, observá-lo e seccioná-lo resultando em propostas de uma ação libertária (FREIRE, 1996). Isso pode ser entendido como reflexo do trabalho realizado com o tema gerador, que, por meio do diálogo reflexivo e crítico, permitiu que os educandos refletissem sobre a realidade e, a partir de suas percepções, apontassem propostas de ação (FREIRE, 2017). Entretanto, ainda que as propostas tenham demonstrado que os educandos assumiram uma postura crítica e reflexiva, nenhum grupo apontou propostas de ação voltadas para o público masculino, o que pode demonstrar uma naturalização de que as questões da contracepção são uma preocupação apenas das mulheres. Identifica-se este fato como uma possível limitação da atividade, o que sugere que a este tema deve ser dada maior ênfase em ações futuras que reforcem a ideia de que a discussão sobre métodos contraceptivos deve incluir também os meninos. Como última etapa da sequência de atividades, solicitou-se aos educandos que escrevessem um texto argumentativo sobre o tema “Os obstáculos enfrenta os pela mulher na contracepção via pílula anticoncepcional: os limites entre os benefícios e os malefícios” A escolha 72 do tema partiu da necessidade de compreender como os educandos se posicionavam, após as discussões realizadas, sobre os riscos associados à utilização de anticoncepcionais e da falta de alternativas aos anticoncepcionais femininos. De forma geral, é interessante notar que, ainda que a abordagem das alunas X, Z e Y tenham sido diferentes, todas assumiram uma postura crítica, fazendo associações à existência de uma sociedade patriarcal e/ou da desigualdade social. Isso demonstra que as alunas entendem esse problema como algo relativo aos indivíduos, e não restrito às mulheres. Entretanto, o aluno W não fez nenhuma dessas relações, e menos ainda sobre como a existência de uma sociedade patriarcal pode impactar em questões relacionadas à contracepção. Isso demonstra que a atividade, de forma isolada, pode não ser capaz de despertar a consciência crítica no indivíduo. Ademais, foi interessante observar também como alguns momentos do episódio foram citados em seus textos, sendo possível observar que o vídeo teve papel significativo na SD. A seguir, são apresentados trechos transcritos das redações entregues pelas alunas X, Y, Z e pelo aluno W (quadro 8): 73 Quadro 8- Respostas dos grupos à terceira situação problema Aluna(o) X Y Z W Transcrição do trecho Portanto, percebe-se que os obstáculos enfrentados pelas mulheres (...) são extremamente densos. Por isso, é necessário que estes obstáculos sejam quebrados pela comunidade científica internacional invistam nos estudos dos anticoncepcionais masculinos. Outrossim, é notório que muitos indivíduos possuem dificuldade de acesso à informação. Sendo assim, muitas mulheres não sabem dos malefícios que a pílula anticoncepcional possui. No documentário da Nextflix “Explicando o Sexo”, é possível ver como as mulheres da classe baixa são menosprezadas e desrespeitadas, além de terem sua opinião violada. Com isso, há o acarretamento de um mau desenvolvimento do corpo social. (...) nota-se que há um conflito social ligado ao avanço das pesquisas para a criação de um anticoncepcional masculino. Dessa maneira, segundo a médica Lisa Campo-Engelstein (diretora do Instituto de Bioética e Humanidades da Saúde da Universidade do Texas), a pílula anticoncepcional masculina não existe por motivos científicos, mas sim por uma questão de gênero e normas sociais, já que se deixou esse trabalho exclusivamente para as mulheres. Nesse sentido, é evidente que a pílula tem as suas vantagens, mas, também, efeitos colaterais desagradáveis. Portanto, o Ministério da Saúde, em consorte com o Ministério da Educação, deve fazer campanhas, destacando cada malefício que os contraceptivos causam, por meio de mídias e instituições escolares, com a finalidade de um povo transdisciplinar e consciente dos métodos contraceptivos Fonte: Elaborado pelos autores (2022). 74 Considerações finais A sequência didática aqui relatada buscou tratar o tema dos anticoncepcionais a partir de uma perspectiva política e histórica, ligando os conteúdos da química ao processo de controle do corpo das mulheres, sua medicalização e também a luta feminista pela sua emancipação. A sequência didática foi aplicada em uma turma do 3º ano do ensino médio, mas acreditamos que o tema possa ser trabalhado em todas as séries especialmente em se tratando da sua relevância política, mas também pedagógica, no sentido de demonstrar a historicidade e a não neutralidade da construção científica. Além disso, deve ser ressaltado que em função da pandemia, não se conseguiu envolver outros professores de outras disciplinas, mas pelo caráter fortemente interdisciplinar do tema, as disciplinas de biologia, história, sociologia e filosofia teriam muito a agregar, sendo uma possibilidade transformar o tema anticoncepcionais em um projeto escolar mais amplo. A despeito de todas as limitações que se possa encontrar no trabalho, especialmente em relação a como fazer a ligação da discussão mais geral (política e problematizadora) para os conteúdos da química, acredita-se que foi apresentada uma proposta capaz de ser adequada às diferentes realidades escolares: para aquelas escolas menos conteudistas, pode-se dedicar mais tempo nas questões históricas e sociais do desenvolvimentos das 75 pílulas anticoncepcionais; para as escolas com maior foco no conteúdo, pode-se fazer a ligação do histórico e social com o submicroscópico da química, através do ciclo menstrual, seu funcionamento, chegando às estruturas e representações. Por fim, conclui-se, reforçando Freire (1996), que o momento de aprendizagem não bancário permite que o indivíduo olhe para a sua realidade e reconheça as condições de dominação em que se encontra. Dessa forma, pode-se notar que é possível que o diálogo estabelecido durante a atividade pode ter auxiliado na problematização do tema e para uma ação libertadora. Referências AHL, A. The yam and the pill. The American Biology Teacher, 1978, p. 36-41 COUSO, D. Las secuencias didácticas em la enseñanza y el aprendizaje de las ciências: modelos para su diseño e validación. In: CAAMAÑO, A. (coord.) Didáctica de la física y la química. 1ª ed. Barcelona: Editorial Grao, 2018. DA SILVA, J. P. A; DO CARMO, V. M.; RAMOS, G. B. J. R. As quatro ondas do feminismo: lutas e conquistas. Revista de Direitos Humanos em Perspectiva, v. 7, n. 1, p. 101-122, 2021. DOS SANTOS, W. L. P.; MORTIMER, E. F. Uma análise de pressupostos teóricos da abordagem C-T-S (Ciência – Tecno- 76 logia – Sociedade) no contexto da educação brasileira. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, v. 2, n. 2, p. 1-23, 2000. DOS SANTOS, W. L. P. Educação CTS e cidadania: confluências e diferenças. 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No entanto, muitos questionamentos e inquietações permeiam as práticas pedagógicas que precisam ser implementadas de forma a garantir o acesso de todos a esse direito, o que perpassa necessariamente pela formação docente. Esta, por sua vez, precisa se adequar à necessidade de garantia de acesso à educação para todos (BRASIL, 1988). Nesse contexto, apresentamos alguns recursos didáticos inclusivos – online e manuais – para o ensino de química, os quais podem ser implementados na formação docente e/ou em sala de aula, com alunos surdos ou cegos do Ensino Médio. Quanto aos recursos online, temos o projeto de extensão TradInter Lab: laboratório de tradução 80 audiovisual acessível e interpretação Libras<>português, que atua como elemento de formação docente, o Q-Libras e o LibrasQuim, que podem ser usados como recursos em sala de aula, conforme veremos com mais detalhes ao longo do trabalho. Quanto aos recursos manuais, temos como exemplo o kit de modelagem, que pode ser implementado nas aulas de química, com adaptações para o público cego e para o público surdo, os quais, já adaptados, podem ser usados com toda a turma, como veremos em detalhes mais adiante. Assim sendo, visamos fornecer subsídios teóricopráticos para fomentar reflexões e discussões acerca de práticas pedagógicas inclusivas no que tange ao ensino de química no Ensino Médio, com foco em alunos cegos e surdos. Para atingir tal objetivo e tomando como base a premissa de que a educação é um direito de todos, elaboramos um ensaio acadêmico no qual apresentamos, através de uma pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, alguns normativos legais brasileiros que tangenciam a formação docente no âmbito do atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais e situamos o ensino de química no Ensino Médio hoje, conforme diretrizes da Base Nacional 81 Comum Curricular (BNCC). Em seguida, apresentamos os recursos didáticos inclusivos mencionados anteriormente, com discussões sobre a sua utilização na formação docente e/ou com alunos surdos e cegos do Ensino Médio e, por fim, nossas considerações finais. Formação Docente: Normativos Legais Professores são profissionais da educação que ministram as diferentes áreas do conhecimento, contribuindo para a formação de cidadãos. Para que essa formação ocorra, é preciso respeitar as especificidades de cada aluno. Nesta etapa de nosso estudo, destacamos alguns normativos legais brasileiros relacionados à formação docente no atendimento de estudantes com deficiência. A Constituição Federal de 1988, topo hierárquico do ordenamento jurídico brasileiro, apresenta marcos legais políticos, com destaques também para os normativos pedagógicos. A referida Carta Magna, em seu artigo 205, caput, erigiu o direito à educação dos estudantes, público da Educação Especial, ao asseverar que a educação é um direito de todos. A presença de alunos com deficiência nos espaços de ensino formal é regulamentada também pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/96). O Estatuto da 82 Pessoa com Deficiência (Lei n.°13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência), em seu artigo 27, estabelece que A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (BRASIL, 2015). Observa-se, no entanto, que há carência na formação de professores para atender a esses alunos. Professores em formação, tanto no Ensino Médio quanto no Ensino superior, muitas vezes, recebem conhecimentos básicos sobre o ensino na Educação Especial (BRASIL, 1996) e na Educação Bilíngue de Surdos (BRASIL, 2021). Em relação ao ensino para alunos surdos que se comunicam pela Língua Brasileira de Sinais – Libras, atualmente, o decreto n.°5.626/2005 regulamenta o ensino de Libras para futuros professores. CAPÍTULO II DA INCLUSÃO DA LIBRAS DISCIPLINA CURRICULAR COMO 83 Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 1º Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério. § 2º A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto (BRASIL, 2005). Entretanto, observamos que a disciplina de Libras, muitas vezes, é ofertada na graduação com carga horária pequena (30 ou 60 horas, por exemplo) para o aprendizado de uma língua. Geralmente, a Libras é apresentada de um modo superficial e genérico, apenas para que os graduandos possam aprender alguns sinais básicos da língua (PERSE, 2011). Raramente, nesses cursos há informação sobre a cultura surda, a pedagogia visual e os Estudos Surdos, temas relevantes para a 84 compreensão de estratégias de ensino para o povo surdo (STROBEL, 2013). Em relação ao público da Educação Especial, o Conselho Nacional de Educação, órgão colegiado do Ministério da Educação, define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica – BNC-Formação (RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2019). Nessa resolução, a carga horária total dos cursos em nível superior de licenciatura, destinados à Formação Inicial de Professores para a Educação Básica (3.200 horas) apresenta uma divisão em três etapas. Em uma dessas etapas, intitulada grupo I, com 800 horas, está previsto que haja o desenvolvimento de conhecimentos científicos, educacionais e pedagógicos que fundamentam a educação e suas articulações com os sistemas, as escolas e as práticas educacionais. Em outras palavras, são ministrados conhecimentos relacionados a metodologias, práticas de ensino ou didáticas específicas dos conteúdos a serem ensinados, considerando o desenvolvimento dos estudantes. Para a formação dos licenciados, destacamos também o ensino de “V – marcos legais, conhecimentos e conceitos básicos da Educação Especial, das propostas e projetos para o atendimento 85 dos estudantes com deficiência e necessidades especiais” (BRASIL, 2019). Dessa forma, pelos normativos legais vigentes, encontramos a previsão de conhecimentos para o atendimento de estudantes da Educação Especial e da Educação Bilíngue de Surdos, mas ainda é preciso analisar se as cargas horárias e os conteúdos ministrados na graduação estão sendo suficientes para a formação dos docentes. Ensino de Química no Ensino Médio O acesso de alunos com deficiência ao ensino formal é um direito estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/96). Por isso há a necessidade de se desenvolver uma formação docente de qualidade, com o ensino de estratégias didáticas que possam capacitar o futuro professor a atender esse público (GIROTO; MARTINS; LIMA, 2015). A BNCC é o documento que estabelece normas com o intuito de definir o conjunto natural e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo dos níveis e modos da Educação Básica (BRASIL, 2018). 86 No Ensino Médio, há o estudo de Ciências da Natureza e Suas Tecnologias, que busca um foco mais articulado da biologia, da física e da química. Nessa fase do ensino, o fazer científico envolve a elaboração, a interpretação e a aplicação de modelos explicativos para fenômenos naturais e sistemas tecnológicos. Assim, a BNCC busca englobar o fazer científico na elaboração, na interpretação e na aplicação de referências que expliquem os fenômenos naturais e sistemas tecnológicos. Desse modo, esse documento propõe um aprofundamento em duas temáticas: Matéria e Energia; Vida, Terra e Cosmos - junção de Vida e Evolução e Terra e Universo do ensino fundamental (BRASIL, 2018). Dentro desses temas, as disciplinas de química, física e biologia estão inseridas de forma interligada, constituindo-se como interdisciplinares. Em Matéria e Energia, por exemplo, conceitos de elétrica e térmica sobre determinados materiais podem ser usados na química e na física. Em Vida, Terra e Cosmos podem-se relacionar os ciclos bioquímicos do metabolismo dos seres vivos, abrangendo conceitos da química e da biologia, por exemplo (BRASIL, 2018). 87 Recursos Didáticos Online Com foco no aprendizado da química pelo aluno surdo no Ensino Médio, analisamos, a seguir, ações relacionadas à capacitação e à prática docente que podem contribuir na formação de professores. Posteriormente, discorremos sobre recursos manuais que também podem colaborar no ensino de química para diversos estudantes, dentre eles, estudantes surdos ou cegos. Primeiramente, investigamos o projeto de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) intitulado TradInter Lab: laboratório de tradução audiovisual acessível e interpretação Libras <> Português (figura 1). Figura 1: TradInter Lab Fonte: https://tradinterlabletras.wixsite.com/projeto Esse projeto produz materiais audiovisuais e eventos acessíveis, didáticos e/ou institucionais da UFRJ e instituições parceiras, divulgados também para o público externo. A atuação dos graduandos na produção 88 desses materiais é um elemento de formação acadêmica para alunos de diversos cursos da UFRJ, dentre eles, os licenciandos do curso de química. Nos materiais encontramos tradução e interpretação de português para Libras e vice-versa. O projeto conta ainda com equipes de transcrição, legendagem e edição de vídeos, que trabalham em prol da acessibilização de materiais para surdos e ensurdecidos, nas mais diversas áreas do conhecimento, incluindo a química. Outro recurso investigado foi o Q-Libras (figura 2). Visando um ensino lúdico dos conhecimentos sobre química com recursos visuais e disponíveis em Libras, foi criado o jogo para celulares intitulado Q-Libras. O jogo disponibiliza 60 (sessenta) questões de Química, indo desde os conhecimentos da tabela periódica às ligações químicas (ROCHA et al, 2019). 89 Figura 2: Q-Libras: parabéns na resposta certa Fonte: ROCHA; ALMEIDA; SOARES; SILVA, 2019, p.10. O aplicativo em português e em Libras proporciona aprendizado mais acessível dos conteúdos de química. Sua interface possui recursos visuais que contribuem com o aprendizado do aluno surdo. Apesar das limitações linguísticas de uma linguagem computadorizada, como a tradução de expressões metafóricas, o avatar sinalizante de Libras atende aos requisitos do jogo e há também a possibilidade de ler as questões em português. Mais um recurso é o LibrasQuim (figura 3). Esse é um glossário de Libras desenvolvido por professores do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Tradutores e Intérpretes da 90 Língua de Sinais (TILS) e alunos surdos do IFPB. Segundo publicação no site do IFPB, o LibrasQuim possui um acervo composto por 149 (cento e quarenta e nove) sinais de termos, como massa molecular, átomo, equação química, elétron, entre outros específicos do mundo químico. Vale ressaltar que o acervo, apesar de ser composto por muitos sinais, não fornece o conceito associado a cada um deles. Figura 3: LibrasQuim Fonte: https://joaopessoa.ifpb.edu.br/librasquim/ Os sinais passam por validação do grupo de pesquisa e por convidados, que são todos profissionais das áreas de química e/ou Libras. No site é possível visualizar a reprodução em vídeo dos sinais, que são armazenados no Youtube e essa página na internet possui o ISBN (International Standard Book Number). 91 A criação deste glossário é importante por conta da referência de pesquisa que ele propõe. O material é amplamente utilizado como parâmetro por diversos professores e/ou tradutores e intérpretes que possuem contato com alunos. Geralmente, há carência de sinais específicos para a disciplina química. Diante disso, muitas vezes, há a criação de sinais combinados para um uso específico na sala de aula. Recursos Didáticos Manuais Materiais didáticos no formato físico também podem ser usados para o aprendizado. A química está muito atrelada à imagem de moléculas, aquelas estruturas comumente representadas com “bolinhas” e “palitos”. Esse é o símbolo que normalmente categoriza essa disciplina para a maioria das pessoas. Conjuntos de bolinhas e palitos de plástico são vendidos como kits de modelagem e são usados em atividades didáticas, exposições e/ou decorações. O problema é que geralmente tais coleções têm um custo alto para objetos simples em questão de materiais (por serem de plástico e terem formatos comuns). O tipo de kit de modelagem apresentado na figura 4 abaixo é um dos mais comuns comercializados 92 atualmente. Podemos observar que ele é bastante completo, possuindo grande quantidade de peças, que irão exercer os papéis de diferentes moléculas, substâncias e ligações em diversos compostos. Essa variedade de itens aumenta a possibilidade de criação e de estudo, tanto por parte do professor para com a turma, como dos próprios alunos de forma independente. Figura 4: Kit de modelagem comercializado Fonte: encurtador.com.br/ijPU7 93 O kit em questão possui cerca de 240 (duzentos e quarenta) peças em sua coleção, sendo elas variadas, contemplando desde esferas e geoides a bastões, palitos, etc. Levando em conta sua abrangência na disciplina, o material se faz útil já que o tópico de moléculas perpetua grande parte do conteúdo de química, possibilitando a interação de toda turma com o professor e entre si. Essa interação promove a inclusão e a interação entre alunos. Apesar disso, o conjunto pode não ser tão acessível financeiramente. Desse modo, o professor, pensando em fazer o próprio material didático para uso em sala de aula e para estudo dos alunos em casa, pode produzir seu próprio kit de modelagem de moléculas de baixo custo. As bolinhas de plástico podem ser facilmente substituídas por objetos redondos, como bolinhas de isopor, bolinhas de gude, jujubas, tampas de refrigerante, massa de modelar, etc. Já os palitos podem ser trocados por palitos de dente e/ou de churrasco, ambos facilmente encontrados em qualquer mercado (figura 5). 94 Figura 5: Kit de modelagem caseiro Fonte: SANTOS, 2020, p. 38-48 Vale salientar que no caso do uso desse kit com um aluno cego, é importante que haja diferenciação de texturas. Por exemplo, para modelar uma molécula de H2O (água), os dois átomos de hidrogênio precisam apresentar formas diferentes do átomo de oxigênio, para que o aluno consiga distinguir que são elementos diferentes formando uma molécula. Por conta da falta de visão, total ou parcial, pessoas com deficiência visual usam seus outros sentidos. 95 Geralmente, o sentido mais usado por parte desses grupos é o tato (assim como geralmente é o segundo mais usado pelos videntes depois da visão) por oferecer uma noção de espaço e presença. Por meio do tato, os cegos conseguem associar formatos e texturas a aspectos e objetos. Dessa forma, em nosso exemplo do uso do kit de moléculas, compreendemos que é de extrema importância que os átomos em um composto tenham texturas diferentes, através do uso de materiais como glitter, purpurina e lantejoulas, por exemplo, e formatos distintos, como já citados: bolinhas de gude, tampas de garrafas, etc. Assim, os alunos cegos poderão distinguir cada elemento e identificar de qual molécula estamos falando. A diferença de textura não contribuirá somente para o aprendizado do aluno cego, mas permitirá que todos os alunos percebam através do tato que estamos abordando elementos e moléculas diferentes. Para estudantes surdos, vale propor também uma mudança nas cores devido à perspectiva visual deles (STROBEL, 2013). Uma proposta de aplicação didática desse material tátil seria o professor instituir alguma espécie de jogo e/ou competição para que os alunos possam testar seus conhecimentos sobre as moléculas e suas 96 propriedades. Por exemplo: a classe pode ser separada em grupos, cada um com uma molécula sorteada pelo professor. Depois, propõe-se que cada grupo componha a molécula e a apresente. Na apresentação, os grupos trariam suas moléculas esquematizadas com o uso de seus próprios materiais acessíveis e os demais alunos deveriam adivinhar de quais moléculas estariam sendo faladas e sua importância no dia a dia (a penicilina, por exemplo). A competição estimularia não só o interesse dos estudantes no assunto, como também o aprendizado entre eles mesmos. É importante salientar que dentro dessas atividades que incluiriam alunos cegos, o uso do sistema Braille se faz necessário. Por isso, sugere-se que nos materiais, como folhetos interativos, seja possível usar diferentes texturas e inserir termos transcritos em Braille. Essas são algumas formas de facilitar a inclusão desses alunos nas atividades da classe. Vale ressaltar ainda que o uso desse material didático para o público cego pode auxiliar no aprendizado de química, mas não substitui o Braille. O Ministério da Educação (MEC) apresenta diretrizes e normas para o ensino de química para alunos cegos com Braille, por exemplo, a “Grafia Química Braille para uso no Brasil”, documento produzido em parceria com a Comissão Brasileira do Braille (CBB) e o Instituto Benjamin 97 Constant (IBC). Portanto, é de extrema importância o uso do material didático proposto concomitante ao uso do Braille, destacando a legenda dos elementos, por exemplo. Cabe ressaltar novamente que esse material didático tátil pode ser empregado para todos os alunos da turma. Considerações finais Constatamos que o ensino de química no Ensino Médio proporciona aos estudantes conhecimentos fundamentais sobre atividades químicas do cotidiano, tornando-se um saber essencial na formação escolar. Entretanto, para que esses saberes possam estar acessíveis para todos os alunos, é necessário tornar o conhecimento acessível. Em relação aos discentes surdos que se utilizam da Libras em sua comunicação, é preciso que na formação docente haja o ensino de Libras e da cultura surda a fim de que os professores conheçam a realidade linguística, histórica e cultural do povo surdo. Outra questão é o trabalho do tradutor e intérprete de Libras-português na sala de aula, quando há inclusão e o professor não ministra a aula em Libras. Os tradutores e intérpretes permitem que o conteúdo dado em sala de aula chegue ao aluno surdo, porém é de 98 incumbência do docente o desenvolvimento de atividades didáticas, de ensino e de avaliação, que contribuam com o aprendizado do surdo. Dos materiais analisados nesta pesquisa, constatamos que projetos de extensão, como o TradInter Lab, promovem a divulgação de conteúdos científicos em formatos acessíveis e que podem ser utilizados com estudantes surdos e contribuem na formação docente. A presença de conteúdos de química em Libras se torna uma opção de estratégia didática amplamente viável. O uso de jogos, como o Q-Libras, possibilita um aprendizado lúdico, apesar do emprego de um avatar ter limites linguísticos. O glossário LibrasQuim é uma ferramenta de sinais específicos de química que pode servir de consulta e inclusão tanto para professores quanto para tradutores e intérpretes de Libras-português e alunos surdos. A respeito de materiais didáticos acessíveis também para estudantes cegos, analisamos recursos com peças que podem ser manuseadas. Esse tipo de material contribui de forma tátil para o aprendizado da química podendo ser usado para diferentes alunos. Além disso, materiais didáticos para manusear podem ser fabricados de forma artesanal e contribuem 99 para uma melhor absorção do conhecimento por parte de todos os alunos. Tais materiais possibilitam ao professor a abordagem de diversos temas apenas utilizando recursos simples e do dia a dia. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituic ao.htm Acesso em: 01/08/2022. BRASIL. LEI Nº 9.394/1996 - Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 01/08/2022. BRASIL. LEI Nº 13.146/2015 - Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 01/08/2022. BRASIL. LEI Nº 14.191/2021, Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 01/08/2022. BRASIL. DECRETO Nº 5.626/2005 - Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua 100 Brasileira de Sinais Libras. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 01/08/2022. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/historico/BNC C_EnsinoMedio_embaixa_site_110518.pdf Acesso em: 01/08/2022. BRASIL. RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2019 (*) (1) Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&vi ew=download&alias=135951-rcp00219&category_slug=dezembro-2019-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 31/03/2022. BRASIL. Grafia Química Braille para Uso no Brasil. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial Educação Inclusiva, 2011. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&vi ew=download&alias=10240-quimica-braillle09032012&Itemid=30192. Acesso em: 20/07/2022. GIROTO, C. R. M. MARTINS, S. E. S. de O. LIMA, J. M. R. 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Estudo de Isomeria por meio de modelos didáticos construídos pelos estudantes. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 06, Vol. 08, pp. 38-48. Junho de 2020. ISSN: 2448-0959, Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/quimica/modelo s-didaticos. Acesso em: 20/06/2022. STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. 3. ed. rev. Florianópolis: UFSC, 2013. TRADINTER LAB. Documento eletrônico. Disponível em: https://tradinterlabletras.wixsite.com/projeto. Acesso em: 28/07/2022. 102 ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO E A EPISTEMOLOGIA DE GASTON BACHELARD: POSSÍVEIS RELAÇÕES NA ABORDAGEM DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS Carla Márcia Alvarenga da Silva Antônio Carlos de Oliveira Guerra Introdução A sociedade contemporânea está passando por profundas transformações, podemos citar como exemplo, o avanço tecnológico nos meios de informação e comunicação. Há algum tempo estudiosos vem considerando essas mudanças como um novo paradigma da sociedade, denominando-a como Sociedade da Informação1 (SILVA; SERAFIM, 2016). Uma sociedade sustentada na tecnologia, cuja evolução, nas últimas décadas, vem criando um novo contexto virtual, novas maneiras de interação no espaço cibernético e, sobretudo, proporcionando a criação de inúmeras ferramentas que afetam vários campos, sendo um deles a educação. Como um desses avanços tecnológicos, destaca-se a internet, Também chamada de Sociedade do Conhecimento, surgiu no fim do Século XX, vinda da expressão Globalização (SILVA; SERAFIM, 2016). 1 103 responsável por inúmeras transformações culturais e sociais, sendo indispensável à sociedade. Para Moran (1994), a internet também está provocando profundas mudanças no contexto escolar. A educação vem sofrendo diversas modificações em virtude dos recursos que são disponibilizados para fins educacionais. Nesse contexto, recursos digitais como tablets, smartphones e e-books vêm sendo inseridos nas atividades educacionais, associando-os às Tecnologias de Informação e Comunicação tradicionais. Mediante a isso, Gonçalves et al. (2019) e et al. (2019) afirmam que os livros digitais (e-books) têm ganhado destaques entre os materiais considerados como produtos educacionais2, sendo utilizados tanto na divulgação de resultados de pesquisas, como no desenvolvimento de uma educação de qualidade, enquanto objetos virtuais de aprendizagem (OVA)3. Os produtos educacionais, além de se constituírem em elementos que viabilizam a pesquisa na formação docente, são caracterizados como ferramentas pedagógicas, elaboradas pelos próprios profissionais em formação que comportam conhecimentos organizados objetivando viabilizar a prática pedagógica. (FREIRE, GUERRINI e DUTRA, 2016). 3 Objeto virtual de aprendizagem é um recurso digital reutilizável que auxilie na aprendizagem de algum conceito e, ao mesmo tempo, estimule o desenvolvimento de capacidades pessoais, como, por exemplo, imaginação e criatividade. Dessa forma, um objeto virtual de aprendizagem pode tanto contemplar um único conceito quanto englobar todo o corpo de uma teoria. Pode ainda compor um 2 104 Em decorrência da estreita relação entre a sociedade e a internet, o e-book está ganhando cada vez mais espaço no meio educacional. Entende-se que os livros digitais são uma evolução dos livros físicos, uma vez que o custo-benefício e disseminação do material impresso tornam-se mais dispendiosos, enquanto os livros digitais são caracterizados pelo fácil manuseio e por ocuparem menos espaço (SILVA et al., 2019). O uso massivo da internet pela sociedade contemporânea corrobora com a aceitação do e-book pelos leitores do mundo moderno. Sendo assim, é necessário traçar estratégias novas e relevantes para determinar como os educadores podem usar os livros digitais no processo de auto capacitação e na formação do educando, priorizando o desenvolvimento da capacidade de abstração e do pensamento sistêmico, fomentando a habilidade de solucionar problemas do seu cotidiano, pois adeptos ou não às inovações tecnológicas, ‘os professores devem reconhecer que, graças a elas, a informação não é mais privilégio de poucos, e o que vale não é apenas possuí-la, mas interpretá-la, em outras palavras, transformar informação em conhecimento’ (SILVA; SERAFIM, 2016, p.70). percurso didático, envolvendo um conjunto de atividades, focalizando apenas determinado aspecto do conteúdo envolvido, ou formando, com exclusividade, a metodologia adotada para determinado trabalho (SPINELLI, 2007). 105 Baseando-se na ideia de que os e-books abrangem maior circulação que os livros impressos (STRIPHAS, 2009), facilitando a democratização do acesso ao conhecimento, este trabalho tem como objetivo apresentar um livro digital que traz exemplos de como identificar e romper os obstáculos epistemológicos, através da aplicação de uma Sequência de Ensino Investigativa (SEI) pautada no tema resíduos sólidos urbanos. O e-book educacional O termo e-book é simplesmente a abreviatura de eletronic book (livro eletrônico ou livro digital). Esse termo é utilizado desde a década de 1970, com o surgimento do Projeto Gutemberg4, voltado para a digitalização e disponibilização de livros de domínio público na internet (DUARTE, 2011). Eles diferem bastante dos livros impressos, a começar pela facilidade de acesso e armazenamento. Entretanto, enquanto suporte alternativo para o livro impresso, tal iniciativa trouxe discussões sobre a finalidade do livro digital, a sua 4 O Projeto Gutenberg é um esforço voluntário para digitalizar, arquivar e distribuir obras culturais através da digitalização de livros. Fundado em 1971, é a mais antiga biblioteca digital. A maioria dos itens no seu acervo são textos completos de livros em domínio público. O projeto tenta torná-los tão livres quanto possível, em formatos duradouros e abertos, que possam ser usados em praticamente quaisquer computadores (PEREZ, 2012). 106 aceitação e também a sua definição. Mais tarde, verificouse que podem ser criados e-books sem um correspondente impresso, sendo o mesmo produzido totalmente em formato digital. Os livros digitais possibilitam a disseminação de conhecimento, uma vez que permitem a inserção de vários recursos que vão desde imagens estáticas, até a possibilidade de múltiplas linguagens como as animações que reúnem imagens, sons e movimentos. (ARAÚJO, 2019). Atualmente, o e-book está sendo utilizado em diversos setores da educação no Brasil e no mundo, como forma de aproximação dos educandos com os saberes científicos, entretenimento e obras clássicas. As questões ergonômicas e ecológicas, em especial a redução na produção de papel, são fatores que contribuem significativamente para a abrangência e aceitação dos livros digitais. De acordo com Lima e Bidarra (2015) a integração de dispositivos digitais que explorem especialmente a mobilidade, com recursos dinâmicos e interativos, em propostas pedagógicas é uma proposição coerente e pertinente. Segundo esses autores, os e-books são uma das possibilidades de ampla utilização dessa perspectiva de mobilidade e interatividade na educação, principalmente para a ressignificação dos processos de ensino e aprendizagem. 107 A escola é um espaço de democratização, onde o conhecimento científico é efetivado. Para tal, é necessário que o docente, por meio de sua prática diária, tenha condições de contribuir com a efetivação do aprendizado do educando. Nesse sentido, o profissional da educação necessita de condições que favoreçam a sua prática docente. Diante de um cenário com amplas possibilidades e necessidades de integração das mídias em vários aspectos nos espaços individuais, sociais e profissionais, as escolas e universidades são chamadas a repensarem seus compromissos e propostas pedagógicas (LIMA; BIDARRA, 2015). É importante destacar que as atividades realizadas na sala de aula devem levar em consideração a realidade na qual a escola está inserida. De acordo com Reigota (1998), quando os processos educativos são relacionados com o cotidiano dos educandos, através de propostas pedagógicas, ocorre a interação de diferentes fatores, tendo como base uma concepção de educação e formação de sujeitos conscientes, possibilitando o gerenciamento e a solução de diferentes problemas. Junto ao avanço tecnológico, o conhecimento humano vem crescendo rapidamente, exigindo do professor uma postura diferente da tradicional, visando possibilitar que o educando “aprenda a aprender” e consiga ter acesso à informação disponível em fontes de pesquisas as mais variadas, inclusive na internet. Torna108 se necessário que o educando e o professor conheçam os recursos existentes e saibam lidar com eles, de maneira que possam agir, interagir e, como consequência, construir o conhecimento. Os e-books são recursos pedagógicos importantes para a construção do conhecimento, na formação e atuação pedagógica dos professores. Logo, a utilização desses recursos educacionais pelos profissionais da educação pode ser uma realidade quando se compreende a necessidade de suas adaptações, reestruturações e avaliações a partir do local e público para os quais serão destinados. Desse modo, a utilização de um e-book pode contribuir com contextos específicos, tornando a aprendizagem e o ensino mais dinâmicos. De acordo com Lemos e Lèvy (2010), vivemos um contexto de grandes possibilidades de autoria e maior participação social, político e cultural. Partindo dessa premissa, o e-book ENCI E A EPISTEMOLOGIA DE GASTON BACHELARD – POSSÍVEIS RELAÇÕES NA ABORDAGEM DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS surgiu como uma proposta de produto educacional vinculado ao projeto de dissertação (SILVA, 2022), a partir da dinamização dos dados obtidos durante o desenvolvimento da pesquisa de mestrado profissional sobre a utilização da metodologia Ensino de Ciências por Investigação (ENCI) na identificação e na ruptura dos obstáculos epistemológicos e pedagógicos apresentados 109 por Bachelard (1996) na abordagem dos resíduos sólidos urbanos (RSU). ENCI e Bachelard na educação ambiental De acordo com Rocha (2016), o educando precisa compreender que os problemas ambientais interferem na qualidade de vida dos seres humanos em diferentes escalas, para poder repensar a relação homem e natureza a partir de novos olhares. É neste contexto que as reflexões sobre mudanças dos valores culturais que sustentam o estilo de produção e consumo da sociedade em relação à geração de resíduos devem ser inseridas (LAYRARGUES, 2002). Com isso, espera-se formar cidadãos autônomos, que tenham um novo olhar sobre o mundo em que vivem, tomando decisões conscientes e sustentáveis, pautadas em princípios éticos e pensando no bem comum. A mudança de comportamento nas escolas, comunidades, famílias e sociedade como um todo é essencial. Acredita-se que utilizando o ENCI como ferramenta metodológica, na abordagem dos RSU, os educandos poderão fazer conjecturas, experimentando, interagindo com os colegas, com os professores, expondo seus pontos de vista, suas suposições, confrontando-os 110 com outros e com os resultados experimentais, para testar sua validade e pertinência. Bachelard (1996), considera que os educandos chegam à sala de aula com conceitos prévios. Dessa forma, ocorre a necessidade da criação de um espaço para que os mesmos discutam seus conhecimentos em grupo, passando a serem tratados e testados como hipóteses. Corroborando, Carvalho (2011) denomina esse espaço de “ambiente encorajador”, segundo aquela autora, um dos pontos fundamentais para o planejamento de uma Sequência de Ensino Investigativa (SEI) “é criar espaço durante a discussão em grupo pequeno, pois quando os conceitos espontâneos surgem neste contexto, eles passam a serem tratados como hipóteses para serem testadas, tirando a conotação negativa de quem os têm.” (CARVALHO, 2011, p.259). É a partir desses pontos que são fundamentais no pensamento bachelardiano que se pode refletir sobre as contribuições de Bachelard para o ENCI. O ensino de ciências por investigação tem suas bases na problematização dos objetos de estudo, proporcionando aos educandos a capacidade de conhecer e construir seus próprios conhecimentos de forma ativa, oferecendo condições para que sejam introduzidos em um processo de enculturação científica (CARVALHO, 2011). Esse é um ensino pautado por uma pedagogia 111 essencialmente crítica (FONSECA, 2008). De acordo com esse autor: Segue-se que tornar o científico mais pedagógico significa utilizar formas de pedagogia que situem os educandos como sujeitos críticos, que problematizem o conhecimento, que lancem novas questões, gerando novos desafios e novas questõesproblema/soluções, “retificando” a ciência e os métodos científicos. (FONSECA, 2008, p. 368). Para Carvalho (2011), na resolução de um problema, o mais importante são as ações manipulativas que permitam ao educando construir e testar hipóteses, fazendo parte de uma das etapas investigativas do ENCI. Bachelard (1971) também preconiza a proposição de hipóteses nas suas reflexões, denominadas por ele como estatuto epistemológico, ocupando papel central na construção do conhecimento. A hipótese dentro de uma perspectiva racionalista é classificada como fundamental na construção do conhecimento científico por possuir um fundo reflexivo (PRAIA, CACHAPUZ E GIL-PÉREZ, 2002). Em face do exposto, o livro eletrônico aqui apresentado tem como objetivo servir como material didático de apoio aos professores que ministram aulas de Ciências da Natureza na educação básica, com o intuito de reorientar as práticas de ensino em sala de aula. Visa 112 também contribuir para a disseminação do Ensino de ciências por Investigação e a Epistemologia de Gaston Bachelard na comunidade escolar, que são partes integrantes das estratégias educativas nele contidas. Metodologia O presente estudo foi desenvolvido durante o ano letivo de 2019 em uma escola municipal na cidade de Campos dos Goytacazes – RJ, cujo público-alvo foi 03 turmas do 6º ano do Ensino Fundamental, totalizando 60 educandos, com faixa etária entre 11 e 17 anos. Vale ressaltar, que uma turma era formada por educandos oriundos de um programa de aceleração de estudos, denominado Correção de Fluxo, justificando a extensa faixa etária. Inicialmente, o projeto da pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – HUCF da Universidade Federal do Rio de janeiro e aprovado sob o número CAAE: 35442920.7.0000.5257. Após a aprovação pelo CEP/HUCFF/UFRJ, o primeiro questionário foi aplicado com a autorização dos responsáveis legais. O questionário aplicado aos educandos continha 06 perguntas fechadas e 04 abertas que abordavam o lixo em seu cotidiano, separação dos 113 resíduos, como ocorre o descarte em sua residência e o destino do lixo no seu município, para saber se o tema fazia parte do cotidiano do educando. Entende-se que este foi o instrumento de coleta de dados que mais se adaptava a este momento da pesquisa, pois garantiu, da melhor maneira possível, o anonimato das respostas e, pela pesquisadora ser a professora das turmas, procurou-se o maior distanciamento possível, evitando uma maior influência nas respostas obtidas. Contudo, como se trata de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, é possível o envolvimento da autora, pois, segundo Vergara (2011), quando ocorre esse tipo de abordagem o pesquisador é parte da pesquisa. Tendo como objetivo pedagógico identificar e superar os obstáculos epistemológicos dos estudantes, quanto aos conceitos científicos referentes a resíduos sólidos urbanos, a abordagem metodológica adotada está pautada nos quatro pontos fundamentais para o planejamento das atividades investigativas (CARVALHO, 2013). Dessa forma, a metodologia utilizada foi dividida em quatro etapas consecutivas: 1) Relevância de um problema para início da construção do conhecimento científico; 2) Sistematização dos conhecimentos elaborados nos grupos; 3) Da ação manipulativa para a ação intelectual; contextualização social do conhecimento e 4) Atividade de avaliação. 114 Na etapa 1 é apresentado o objeto de conhecimento ao educando, que se constitui em um problema, que pode ser experimental ou não, porém deve favorecer a contextualização necessária para envolvê-lo na procura de uma solução, permitindo elaborar e testar suas hipóteses. Na etapa 2 foram criadas, pelo professor, condições nas quais os educandos são estimulados a contar como resolveram o problema. Essa etapa tem como objetivo a sistematização dos conteúdos discutidos. Na etapa 3, foram discutidos os procedimentos convencionais e alternativos de destino e tratamento dos resíduos sólidos como: (lixão, aterro sanitário, aterro controlado, queimadas, incineração) mostrando o impacto ambiental de cada um deles, através de imagens e vídeos, projetados de forma dialogada. Por fim, a etapa 4 consistiu em uma avaliação formativa, para que todas as partes envolvidas durante o desenvolvimento dessa SEI confiram se estão ou não alcançando o aprendizado dos conceitos científicos, das atitudes e valores relacionados à cultura científica. A avaliação foi desenvolvida em 02 (duas) atividades diferentes: produção de desenho e produção de paródia. Dependendo da complexidade dos conteúdos curriculares, faz-se necessário um planejamento de vários 115 ciclos dessas atividades. Logo, o professor está livre para desenvolver mais etapas da SEI, de acordo com o contexto escolar. Através da realização das etapas da SEI, foi possível organizar as ideias, de forma lógica e estruturadas, no e-book. Resultados e discussões Considerando que a superação de obstáculos não é um fato mensurável, é importante ressaltar o fato de nossa análise não ter objetivos quantitativos e definitivos, pois se trata de uma análise epistemológica e, conforme assegura LOPES (1993, p. 130) – os obstáculos epistemológicos não são objetos contabilizáveis. Segundo Bachelard (1994), as experiências pessoais, recusas e conquistas vividas ao longo da vida são acomodadas em forma de convicções, muitas vezes de foro afetivo, que dificultam a objetivação. Não haveria melhor maneira de determinar a dimensão psicológica de um conceito particular do que descrever a conceptualização ao longo da qual ele se formou. Ora, essa conceptualização é mais a história de nossas recusas que de nossas adesões. Um conceito nítido deve trazer a 116 marca de tudo o que recusamos incorporar a ele (BACHELARD, 1994, p. 23). Assim, para a construção do cenário de investigação (ETAPA ZERO) os educandos foram orientados a responder a um questionário com 10 (dez) questões. Sendo que para uma das perguntas “O que é reciclagem?”, algumas respostas foram: E1 “quando alguém faz um carrinho de caixa de leite isso é reciclagem” (sic); E2 “É a separação do lixo cada um no seu lugar” (sic); E3 “E recicla os materiais que podem ser usados” (sic); E4 “É reciclar tudo que nós já usamos e vamos jogar no lixo” (sic); E5 “Reciclagem e quando você separa o lixo para cada lixeira” (sic). Outra pergunta pertinente foi “Qual é o destino do lixo da sua cidade?”, sobre a qual algumas respostas foram: E6 “O destino e que ele vai para o lixão” (sic); E7 “para deposito de lixo” (sic); E8 “Caminhão de lixo” (sic); E9 “Deposito de lixo” (sic); E10 “O destino dele é sempre ir para o lixão” (sic). Analisando as respostas acima, constatamos que o tema escolhido fazia parte da cultura dos educandos. 117 Seguramente, como afirma Bachelard (1996), o educando chega à aula com conhecimentos empíricos já constituídos, com uma cultura experimental, sendo necessária a mudança dessa cultura, derrubar os obstáculos já acumulados pelo cotidiano. Resta, então, a tarefa mais difícil: colocar a cultura científica em estado de mobilização permanente, substituir o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer enfim à razão razões para evoluir. (BACHELARD, 1996, p.24) Bachelard (1996) é um defensor do descontinuísmo da razão. Ele considera que a racionalidade do conhecimento científico não é um aperfeiçoamento da racionalidade do senso comum, porém, o oposto, rompe com suas concepções, exige uma nova compreensão que é construída na medida em que são superados os obstáculos epistemológicos. O educando só irá aprender se lhe derem motivos para confrontar seus conhecimentos prévios. Para que isso ocorra, o professor, no decorrer das suas aulas, precisa fornecer condições ao educando, resultando na ruptura do conhecimento comum. Analisando as respostas dos educandos, foi possível observar que os mesmos não sabem o que é reciclagem, confundem com reaproveitamento, como 118 observado na fala do E1 “quando alguém faz um carrinho de caixa de leite isso é reciclagem”; e nem qual é o destino adequado dos resíduos sólidos produzidos como verificado na fala do E6 “O destino e que ele vai para o lixão”. Vale ressaltar, que o destino do lixo da cidade de Campos dos Goytacazes é o aterro sanitário, e os resíduos sólidos urbanos encaminhados a cooperativas. Assim sendo, constatamos a necessidade de planejar uma SEI que trouxesse questões capazes de mobilizarem as ações dos educandos, permitindo explicitarem seus pontos de vista, levando-os a construir o conhecimento científico – “o homem movido pelo espírito científico deseja saber, mas para, imediatamente, melhor questionar.” (BACHELARD, 1996, p.21). E a partir dos resultados, criar um e-book com os exemplos, de como identificar e caracterizar obstáculos epistemológicos, através da aplicação da SEI. As atividades apresentadas na SEI, possuem como objetivo, promover condições em sala de aula que vão além da construção do conhecimento científico, buscando levar os educandos a apoderarem-se de práticas científicas para resolverem os problemas relativos aos conteúdos científicos e aos relacionados ao seu cotidiano (SOLINO; GEHLEN, 2014). 119 Construção do e-book através da aplicação da SEI Uma sequência de ensino investigativo (SEI) precisa ser planejada visando conduzir os educandos a uma reflexão que edifique o seu conhecimento e compreensão do mundo em que vivem, baseando-se essencialmente numa relação dialógica, para além do intercâmbio de ideias e trabalhos com conceitos científicos. Nesse contexto, o professor precisa planejar suas aulas sem imposições dogmáticas, a dinâmica do racionalismo, fazendo compreender ou, no estágio mais avançado, fazer compreender melhor (LOPES, 1993). Daí a necessidade de que os professores tenham consciência dos obstáculos que se impregnam em suas práticas docentes. No e-book foram apresentadas estratégias para a realização da primeira etapa da SEI. (Veja Figura1). Nessa etapa, foram desenvolvidas condições na sala de aula, para os educandos poderem participar sem medo de errar, dando-lhes liberdade intelectual. Os questionamentos incentivaram os educandos a discutirem os conhecimentos advindos do cotidiano, os conceitos que já possuíam a respeito dos resíduos sólidos, obtidos em casa, escola ou na internet. 120 Figura 1: Estratégias para o desenvolvimento da ETAPA 1 da SEI Apresentação do problema. Fonte: Autores, 2022. Vale ressaltar que nesse momento o educando expressa o que ele sabe, o que ele traz de conhecimento para aula, a sua cultura experimental (BACHELARD, 1996). Sabendo que a racionalidade do conhecimento científico não é um aperfeiçoamento da racionalidade do conhecimento comum, porém o oposto, romper com suas concepções exige uma nova compreensão, que é construída na medida em que são superados os obstáculos epistemológicos. Cabe ao professor, no decorrer das suas aulas, fornecer condições para o 121 educando confrontar seus conhecimentos prévios, promovendo a transição de um conhecer estático por um dinâmico, para que ocorra essa ruptura. Na formação do espírito científico, a experiência primeira é a manifestação mais forte de conhecimento. Esse obstáculo inicial recebe lições do dado concreto, que parece claro, nítido, seguro, constante. Está apoiado nas sensações empíricas e no sensualismo. E coloca-se acima de qualquer crítica. É carregado pela observação das manifestações, sem controle, do cotidiano e tem como ponto de partida para uma atividade cognitiva opiniões e sensações, sem propor análises mais profundas, mais gerais ou mais abstratas e sem apresentar novas ideias. Para Bachelard (1996) [...] a experiência primeira ou, para ser mais exato, a observação primeira é sempre um obstáculo inicial para a cultura científica. De fato, essa observação primeira se apresenta repleta de imagens: é pitoresca, concreta, natural, fácil. Basta descrevê-la para se ficar encantado. Parece que a compreendemos. (BACHELARD, 1996, p. 25) Por sua vez, o conhecimento geral é o obstáculo genuinamente racionalista. Sucede às primeiras observações, quando já não há mais nada a observar. 122 Segundo Bachelard (1996) a falsa doutrina do geral, “[...] que dominou de Aristóteles a Bacon, inclusive, e que continua sendo, para muitos, uma doutrina fundamental do saber [...]” (p.69) em muito prejudicou o progresso do conhecimento científico. Sendo “possível constatar que essas leis gerais bloqueiam atualmente as ideias”; e nelas “estacam os espíritos de pouco fôlego” (p.71). O obstáculo verbal (os “hábitos de natureza verbal”) consiste em hábitos verbais, remete a uma falsa explicação, obtida a partir de palavras ou conceitos que se constituem em sólidos empecilhos ao desenvolvimento das ciências. Solidificam-se palavras que se apresentam como inadequadas para exprimir os novos conceitos, ou nela inexistindo termos apropriados. [...] o obstáculo verbal, isto é, a falsa explicação obtida com a ajuda de uma palavra explicativa, por essa estranha inversão que pretende desenvolver o pensamento ao analisar um conceito, em vez de inserir um conceito particular em uma síntese racional. (BACHELARD, 1996, p.86). Vale destacar que a identificação dos obstáculos não é sistemática, existindo uma relação de continuidade apenas entre o obstáculo da experiência primeira e do conhecimento geral, mas não entre os demais (MOTA, 2010). 123 Dessa forma, os participantes vão tomando consciência das suas ações no desenvolvimento da atividade e construindo, através das interações verbais, atitudes científicas, como a compreensão dos fenômenos imbricados no problema, como mostrado na Figura 2. Figura 2: Etapa 2 Resolução do problema pelos educandos – ações manipulativas. Fonte: Autores, 2022. Nessa etapa os educandos participaram de forma diferente, uns mais tímidos, outros mais convictos, sendo a professora a mediadora dos diálogos, solicitando quando necessário mais informações ou esclarecimentos. Nessa atividade, o papel do professor é muito importante, pois cabe a ele proporcionar espaço e tempo para a sua realização (CARVALHO, 2013). Segundo Ferraz e Sasseron (2017) o professor, para proporcionar um ambiente de troca de ideias e consonância de significados, precisa compreender a 124 necessidade dos educandos de terem espaço para fornecerem e elaborarem múltiplas explicações e que a argumentação é um processo interativo e colaborativo na assimilação dos conceitos científicos. Corroborando, Carvalho (2018) afirma que “isto é dar liberdade intelectual 5para os educandos” (p.767). Contudo, o problema deve estar relacionado ao contexto teórico estudado (CARVALHO, 2018). De acordo com Ana Maria Pessoa de Carvalho “Essa sistematização é praticada de preferência por meio da leitura de um texto escrito quando os educandos podem novamente discutir, comparando o que fizeram e o que pensaram ao resolver o problema, com relato no texto.” (CARVALHO, 2013, p.9) Os educandos trocaram ideias, tiraram suas dúvidas no livro e no diálogo com a turma, o que permitiu melhor entendimento do tema, auxiliando na condução de uma explicação sobre a diferença dos resíduos sólidos urbanos produzidos. A terceira etapa da SEI é uma decorrência das etapas anteriores, na qual o educando reorganiza suas ideias, mediante as novas informações, levantamentos de dados e hipóteses, a chamada tomada de consciência, Para saber mais ler “CARVALHO, Anna Maria Pessoa de et al. Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: cengage learning, v. 164, 2013.” 5 125 demandando mais tempo de execução. De acordo com Sasseron e Duschl (2016) a tomada de consciência não ocorre espontaneamente. A intenção foi levar os educandos a uma reflexão sobre seus hábitos e responsabilidades no consumo e geração de resíduos sólidos. Essa etapa é fundamental para que haja aprofundamento do conhecimento. É preciso promover a contextualização do tema trabalhado, levar o educando a observar a importância da aplicação do conhecimento, construído no seu cotidiano. O seu planejamento buscou contemplar as questões propostas para investigação, promover uma reflexão crítica sobre os hábitos de consumo e descarte e as responsabilidades sobre a geração de resíduos sólidos. A etapa 3 é essencial para saber se todos os educandos entenderam o objetivo do problema, momento no qual o professor precisa fazer o uso de uma linguagem mais formal, a fim de nomear os fenômenos, associando todo o processo da solução do problema e o conceito científico, como pode ser visualizado na Figura 3. 126 Figura 3: Etapa 3: A tomada de consciência de seus atos para a construção do conhecimento. Fonte: Autores, 2022. Nessa etapa foi possível trabalhar os conceitos de doenças, constituição dos materiais, construção de gráficos, conceito de porcentagem e unidades de massa. A capacidade do educando de escrever sobre um determinado tema é considerada fundamental para atividade científica e consequentemente para o ensino de ciências (YORE, BISANZ E HAND, 2003). Corroborando, Carvalho (2013) afirma que o uso da escrita se apresenta como instrumento de aprendizagem que realça a construção pessoal do conhecimento. Por outro lado, Bachelard (1996) afirma que é negando as experiências anteriores que uma experiência vai se firmar como nova, demonstrando que o espírito 127 científico deve dialetizar todas as formas de conhecimento, sem dar privilégio às explicações generalizantes. A sensação plena de que alcançou uma verdade só é possível quando o conhecimento é visto como um tecido de erros positivos, o que implica a correção de erros subjetivos, de forma que o espírito científico somente pode ser construído destruindo o espírito não científico. Sob o ponto de vista pedagógico, as atividades desenvolvidas possibilitaram trabalhar os conceitos de doenças, constituição dos materiais, construção de gráficos, conceito de porcentagem e unidades de massa, de forma contextualizada com o tema resíduos sólidos. De acordo com Carvalho (2011) para fazer, falar, ler e escrever ciência é necessário combinar de várias maneiras o discurso verbal, as expressões matemáticas e as representações gráficas. É fundamental desenvolver essas habilidades e competências no educando, pois assim será possível converter a linguagem comum, utilizada no dia a dia da sala de aula, em linguagem científica. Na expectativa da formação integral do educando, através de uma educação transformadora, que supere não só os déficits educacionais, mas também os sociais, foram discutidas com os estudantes formas responsáveis de acondicionamento dos resíduos sólidos. 128 Bachelard (1996) propõe que o desenvolvimento do pensamento científico, é construído em etapas, abrangendo teorizações, experimentos, erros, retificações, recomeços. De acordo com Carvalho (2013), ao final do ciclo, ou dos vários ciclos da (SEI), é importante planejar uma avaliação. No entanto, não deve ter o caráter de uma avaliação somativa, que visa a classificação dos educandos, mas, sim, uma avaliação formativa que seja instrumento para que educandos e professor confiram se estão ou não aprendendo. E tais instrumentos de avaliação precisam ter as mesmas características que o ensino proposto (CARVALHO, 2013, p.18). Como a proposta da SEI utilizada nessa pesquisa está voltada para proporcionar uma relação mais sustentável e responsável dos indivíduos com o meio, na qual seus objetivos concentram-se tanto no aprendizado dos conceitos, como no aprendizado de ações, atitudes e valores próprios da cultura científica, e para isso utilizamos atividades lúdicas como ferramentas da avaliação da aprendizagem dos educandos no final do ciclo da SEI. De acordo com Carvalho (2011) o professor, além de ensinar ciências, precisa avaliar seus educandos. Dessa forma, a última etapa dessa SEI é a avaliação, na qual foi observado o comportamento do educando no pequeno 129 grupo, verificando que houve aprendizagem atitudinal (aos conteúdos relacionados a valores, atitudes e normas) e da aprendizagem processual do grupo (os educandos conseguiram assimilar o conteúdo trabalhado nas aulas) em vários momentos da realização das etapas da SEI. Para tal, consideramos que os educandos são diferentes, que nem todas as pessoas têm os mesmos interesses e habilidades, que nem todos aprendem da mesma maneira, logo não podem ser avaliados da mesma forma (MORAN, 2021). Dessa forma, no empenho de compatibilizar os objetivos de ensino, desenvolvidos pelas etapas da SEI, com a avaliação da aprendizagem dos educandos, desafiamos os mesmos a produzirem desenhos sobre a destinação dos resíduos sólidos até a disposição final do lixo, uma vez que o processo de desenhar está interligado a capacidade de percepção, tornando as aulas mais dinâmicas, facilitando a assimilação e a conservação dos conceitos discutidos (EDWARDS, 2005). Esses momentos de livre produção dos estudantes são sustentados pela fenomenologia6 de Bachelard, ao afirmar que a criação é um ato feliz sobre a Para Bachelard a fenomenologia consiste “... num estudo do fenômeno da imagem poética no momento em que ela emerge na consciência como um produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado na sua atualidade”. (BACHELARD, 1974 p.342) 6 130 qual a razão não pode explicar, pois é um instante único do indivíduo (BACHELARD, 1996). Os desenhos (veja Figura 4) expressaram as percepções dos educandos sobre a coleta seletiva e a reciclagem dos resíduos sólidos, apontando uma das ações discutidas nas etapas da SEI – a necessidade do descarte adequado dos resíduos para garantir a sobrevivência do meio ambiente. Dessa forma, podemos considerar essa postura dos estudantes como uma ruptura com a experiência primeira. Outro ponto de destaque no processo de produção dos desenhos foi observar que trabalhar com a liberdade de criação dos educandos proporciona uma mudança na visão desses e do professor no que compete às relações estabelecidas, no progresso de socialização e na evolução de competências e habilidades, destacando uma forma prazerosa de aprendizagem. Nesse contexto, pode-se afirmar que a exploração do cotidiano, unida a problematizações provocativas e coerentes, tende a contribuir com êxito na assimilação de conceitos. É dentro desta perspectiva que as paródias (veja Figura 4) podem ser utilizadas como ferramentas pedagógicas de avaliação, já que as mesmas possibilitam o desenvolvimento da criatividade, além de favorecer e estimular o processo de aprendizagem. Ao desafiarmos os estudantes à produção das paródias, inseridos em um 131 processo interativo de troca de ideias, observamos resultados individuais importantes, como a criatividade, a autonomia do pensar e a defesa de seus posicionamentos (ABRANTES, et al. 2016). Figura 4: Alguns exemplos dos desenhos e paródias produzidos pelos educandos. Fonte: Autores, 2022. Vale ressaltar que os grupos de educandos ficaram livres para escolher a paródia, podendo criar uma nova ou adaptar alguma já existente. Alguns grupos apresentaram dificuldades no início da atividade, porém afirmou-se a eles que era normal, mas que deveriam fazer um esforço e relembrar das discussões iniciais e de uma música que eles gostavam muito, não existindo certo ou errado. Era para expressar o que eles entenderam no decorrer das atividades. Ao final, quando todos já haviam terminado, os grupos expressaram de forma criativa a assimilação e a conservação dos conceitos discutidos, 132 através das suas paródias. Nesse e-book, também é possível encontrar dicas de livros, vídeos e outros materiais para a utilização em sala de aula. O desenvolvimento das atividades proporcionou aos educandos reflexões sobre a importância do descarte adequado e do consumo consciente. Embora eles apresentem uma faixa etária entre 11 e 17 anos, debateram de forma participativa para onde deve ir o lixo produzido pelas suas famílias, quando tomaram conhecimento dos diferentes destinos para os resíduos sólidos, no intuito de minimizar os danos ao meio ambiente. Observamos que uma atividade experimental é capaz de possibilitar que o educando desenvolva recursos cognitivos para aprender, desde que o professor não utilize experiências capazes apenas de contribuir para um falso interesse pela ciência, defendendo o estudante do simbolismo afetivo que cerca certos fenômenos (BACHELARD, 1996). Contudo, cabe ressaltar que, ao abordar os conteúdos, é necessário ter cuidado com a utilização de imagens e analogias, para que não seja considerada como completa ou definitiva a explicação apresentada sobre o fenômeno em estudo. Por fim, que o contexto apresentado não esteja desvinculado do conhecimento científico, limitando-se a uma simples comparação (BACHELARD, 1996). 133 Em suma, observa-se necessária a elaboração de mais etapas da SEI, a fim de construir a problematização, o planejamento e efetivação de uma reflexão mais crítica dos educandos, referentes ao consumo consciente e produção de resíduos sólidos, além da importância da coleta seletiva nas suas residências. Em vista do exposto, há indicativos de que os resultados corroboram com o ensino de ciências por investigação, cujo objetivo não é apenas ensinar os conhecimentos científicos, mas levar os educandos a apropriarem-se de práticas científicas para resolverem problemas que envolvem situações diversas do seu cotidiano. Considerações finais Baseado no contexto atual de que parte do sucesso dos estudantes é consequência do trabalho do professor (CUNHA, 2012), cabendo a ele o desafio de desenvolver situações motivadoras que estimulam o interesse dos educandos, para, dessa forma, proporcionar a aprendizagem dos conceitos científicos, o presente trabalho abordou o ensino de ciências por investigação como ferramenta didática, através de uma (SEI), pautada no tema resíduos sólidos. 134 A aplicação da sequência de ensino investigativo nas turmas de 6° ano da E.M. Frederico Paes Barbosa ocorreu através de uma associação sistêmica entre o pluralismo das ciências e a fenomenologia, que fundamentam epistemologicamente o pensamento de Bachelard. Dessa forma, os educandos mantiveram-se motivados, sendo possível demonstrar que a utilização de um modelo didático que incentiva a autonomia do estudante, no ato de conhecer, contribui para a interação da classe, proporcionando afetividade expressiva, favorecendo a cooperação entre os envolvidos, contribuindo para um processo de ensino–aprendizado dinâmico e construtivo dos conceitos relacionados aos resíduos sólidos urbanos. Neste trabalho, deparamo-nos com a existência de duas concepções que se constituíam como primeiras impressões sobre o conceito e o destino adequado do lixo doméstico: o lixo entendido como um elemento único e o processo de reciclagem sendo igualado a reaproveitamento e reutilização dos resíduos. Outra concepção dos estudantes era que a coleta seletiva é realizada pelos catadores de lixo, no lixão. Estas formas de conceber os conceitos eram organizadas como grandes obstáculos epistemológicos, que dificultavam a aceitação da versão científica dos conceitos e, portanto, comprometiam a compreensão dos mesmos. 135 Considerando os pressupostos apresentados, a SEI foi planejada e desenvolvida a fim de propiciar a superação desses obstáculos epistemológicos (BACHELARD, 1996), causando uma ruptura no pensamento do educando, assegurando momentos de investigação e argumentação, garantindo assim, a compreensão dos conceitos científicos, em um movimento gradativo, referentes a temática dos resíduos sólidos. Nesse sentido, observamos indicadores que apontam que os obstáculos epistemológicos e pedagógicos foram diagnosticados, porém não foram totalmente superados, apenas “enfraquecidos”. Bachelard (1996) afirma que “É impossível anular, de um só golpe, todos os conhecimentos habituais.” (p.18) Portanto, se faz necessária a inserção do ENCI nas aulas de forma contínua, rompendo de vez com o modo tradicional de ensino. Desse modo, é preciso proporcionar maior liberdade intelectual aos educandos, não só nas aulas de ciências, mas nas demais disciplinas, através de atividades que incentivam a proposição de hipóteses, tomada de decisões e proposição de alternativas relacionadas à poluição ambiental, meio ambiente, impacto ambiental/poluição, qualidade de vida, desenvolvimento sustentável, saúde e cidadania. 136 Foi observado que o aprendizado em ciências propicia ao educando a compreensão tanto dos processos científicos em si, quanto suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas, através da proposta didática Ensino de Ciências por Investigação – ENCI. É possível trabalhar vários conceitos durante o desenvolvimento das etapas da SEI, havendo maneiras distintas de se desenvolver atividades investigativas com os educandos. No decorrer do desenvolvimento da SEI os educandos foram motivados a participarem das atividades, facilitando a aprendizagem, além de contribuir na sua formação e exercício da cidadania. Junto com essas características, percebemos uma parceria entre a professora e os educandos, na qual a professora procurou falar com os estudantes e não aos estudantes, possibilitando o papel ativo dos mesmos na construção de sua autonomia. Conforme mostra Carvalho (2018) “A interação professor/educando, que é base para a liberdade intelectual do educando, [...]” (p.789) Não podemos deixar de ressaltar que o uso das atividades lúdicas como ferramentas de avaliação da aprendizagem, por exemplo, a livre produção de desenhos como parte da atividade da SEI e a produção de paródias, possibilitou um envolvimento maior do educando com os conceitos apresentados, o que tornou a avaliação da aprendizagem mais dinâmica. 137 Podemos, então, concluir que, através do ENCI, o conceito de resíduos sólidos apresentado pelos educandos foi desmistificado, uma vez que essa estratégia de ensino permite e promove a aprendizagem dos conceitos e também dos conteúdos procedimentais que envolvem a construção do conhecimento científico. Com isso, os educandos desenvolvem uma noção mais crítica, individual e intelectualmente, e fazem uso destas noções para a solução de problemas diários. Buscamos com esse trabalho mostrar que o ebook apresenta as atividades desenvolvidas em sala de aula, em que as potencialidades do ENCI foram aplicadas como uma ferramenta de formação de sujeitos críticos, pensantes e autônomos. Em associação aos pressupostos de Bachelard, as concepções prévias dos educandos foram confrontadas. Apoiadas no debate e na livre expressão artística, tais concepções foram trabalhadas de forma não linear, não contínua e por sucessivas retificações. Espera-se que esse material didático auxilie aos docentes nos seus desafios diários na sala de aula. Ademais, o produto educacional em suporte digital, ou seja, o e-book propõe sua utilização como prática integradora e interdisciplinar, e traz como contribuição a possibilidade de formação humana para a transformação, emancipação e aquisição da visão crítica e de mundo pelos educandos. 138 Referências ABRANTES, K. N. C. et al. ♫CANTANDO LIGAÇÃO QUÍMICA♫. 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Não é preciso ter vivido um século para notar o prejuízo levado ao meio ambiente pela poluição e pela exploração de recursos de fontes não renováveis, causando aumento drástico no desequilíbrio ambiental. Dentro desta realidade, a Educação Ambiental (EA) e a Educação Ambiental Crítica (EAC) têm um papel emer144 gente na formação de cidadãos críticos e conscientes, dado o seu potencial para transformar a vida humana em escala local, regional e global (CAMARGO, 2020; CAMARGO et al., 2022). De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a EA deve ser abordada de forma transversal e integradora, dentro das propostas pedagógicas, em concordância com a Lei nº 9.795/1999, o Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE)/Conselho Pleno (CP) nº 14/2012 e a Resolução CNE/CP nº 2/201218 (BRASIL, 2018). Contudo, o que a análise crítica da BNCC pontua é que a EA não é tratada de forma relevante pela mesma, como denuncia Menezes e Miranda (2021). De fato, a forma como a EA é citada na BNCC não faz dela ‘necessariamente’ (aspas nossas) um elemento fundamental para a formação integral das e dos estudantes da Educação Básica (EB) (MENEZES; MIRANDA, 2021). Mesmo que a palavra ‘ambiental’ (aspas nossas) seja citada quarenta e três vezes em todo o documento, a dissonância entre o discurso e as entrelinhas deste plano político é visível. Apesar disso há quem prefira “esperançar” e contemplar a “boniteza” que a EA apresenta ao estar associada aos conceitos de consciência socioambiental e sustentabilidade socioambiental, que são temáticas trabalhadas dentro da EAC (CAMARGO et al., 2022). Feito este breve preâmbulo, o presente trabalho compartilha algumas reflexões sobre a prática formativa 145 continuada de uma docente, vivenciada (de forma desigual e combinada) durante o desenvolvimento de sua monografia, do Curso de Especialização em Ensino de Química (CEEQuim), do Instituto de Química (IQ), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesta, escolheu-se trabalhar com a EAC de forma transversal a partir do Tema Gerador (TG) polímeros (CAMARGO, 2020). Para isso, foram elaboradas e implementadas duas Sequências Didáticas (SD), empregando o TG polímero (apresentadas de forma simplificada nos APÊNDICES A e B), em aulas de ciências e de química, como forma de mediar a EAC. Para tanto, trabalhou-se com a teoria sociointeracionista (VYGOTSKY, 1998; REGO, 2013), na qual o desenvolvimento humano ocorre através do compartilhamento de vivências nos processos de interação e de mediação. Considerações sobre a BNCC Dentre as competências específicas de ciências da natureza para o Ensino Fundamental (EF) a BNCC ‘incentiva’ (aspas nossas) que os alunos aprendam a: “construir argumentos com base em dados, evidências e informações confiáveis e negociar e defender ideias e pontos de vista que promovam a consciência socioambiental” (BRASIL, 2018, p. 324). Enquanto para o Ensino Médio (EM) a BNCC destaca formas de desenvolver habilidades nos alunos, a partir da popularização da ciência e a EAC: 146 Comunicar, para públicos variados, em diversos contextos, resultados de análises, pesquisas e/ou experimentos, elaborando e/ou interpretando textos, gráficos, tabelas, símbolos, códigos, sistemas de classificação e equações, por meio de diferentes linguagens, mídias, tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), de modo a participar e/ou promover debates em torno de temas científicos e/ou tecnológicos de relevância sociocultural e ambiental. (BRASIL, 2018, p. 552) Segundo a BNCC, o ensino de Ciências deve promover situações nas quais os alunos possam ser incentivados a desenvolverem ações de intervenção para melhorar a qualidade de vida individual, coletiva e socioambiental, de modo a possibilitar aos alunos revisitar de forma reflexiva seus conhecimentos e sua compreensão acerca do mundo em que vivem (BRASIL, 2018). Neste trabalho não iremos problematizar o discurso excludente e neoliberal da BNCC, nem “as intenções sobre qual educação (rasa e precária), a classe trabalhadora deve ter acesso” (UCHOA; SENA, 2019, p. 24). Contudo, cabe pontuar que a ideia aqui é pensar na implementação da mesma como forma de resistência. Nesta perspectiva, a EAC pode fortalecer o senso crítico dos alunos a respeito das boas práticas de reciclagem, incentivando a Economia Circular, bem como alguns instrumentos presentes na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), dentre os quais são citados a EA, a pesquisa científica e tecnológica, uma vez 147 que o consumo e o descarte correto dos materiais são de responsabilidade compartilhada (BRASIL, 2010). Contextualizando o tema gerador O acúmulo de material plástico nos oceanos e rios, assim como nos aterros sanitários tem chamado a atenção em todo mundo (BORRELLE et al., 2017). Antes mesmo do início da pandemia ocasionada pela COVID19, o gerenciamento de resíduos plásticos era considerado uma importante questão ambiental, devido à poluição de ecossistemas terrestres e marinhos. Outro fator preocupante é a dependência dos recursos fósseis, visto que a quantidade de petróleo utilizada na produção de plásticos pode aumentar o consumo total desse insumo de 4 para 20% em 2050, caso não haja mudanças no uso desta matéria-prima fóssil (CAMARGO, 2020). Os conceitos de polímeros, biopolímeros, biodegradabilidade e reciclagem podem e devem ser discutidos em aulas de ciências e de química, possibilitando uma abordagem transversal da EA. Isto porque o tema Meio Ambiente permite desenvolver os conceitos químicos, evidenciando as relações entre ciência, tecnologia e sociedade (SANTOS; SCHNETZLER, 2000), que propicia aos discentes o entendimento e reconhecimento de seu papel socioambiental. Neste contexto, é importante a aplicação da EAC como possibilidade para abordar questões ambi148 entais atuais, (OLIVEIRA; NEIMAN, 2020). Dentre os instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) são citados a pesquisa científica e tecnológica e a EA, uma vez que o consumo e o descarte correto dos materiais são de responsabilidade compartilhada (BRASIL, 2010). Os biopolímeros são obtidos a partir de matériasprimas renováveis, como a cana-de-açúcar, e despertam interesse por diversos fatores socioambientais, incluindo os menores impactos ambientais causados em sua produção, comparado aos polímeros oriundos do petróleo. A degradação de polímeros biodegradáveis ocorre pela ação de micro-organismos de ocorrência natural, como bactérias, fungos e algas, podendo ocorrer em semanas ou meses sob condições favoráveis (CAMARGO, 2020). Contudo, justificar o descarte incorreto de um material pelo fato dele ser biodegradável significa transferir o hábito de consumo desenfreado de polímeros sintéticos de origem fóssil para os biopolímeros biodegradáveis, gerando um acúmulo de resíduo sólido orgânico na natureza. Economia Circular é um conceito estratégico para a redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia. Dentro deste contexto, podemos citar a logística reversa como um dos instrumentos que impulsionam a aplicação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. De acordo com a PNRS a logística reversa é “um instrumento de desenvolvimento 149 econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada” (BRASIL, 2010). Dentre os aspectos importantes a serem considerados a fim de visar à sustentabilidade, no que diz respeito à reciclagem de plásticos, estão as possibilidades de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, reduzindo a demanda por matérias-primas primárias e removendo substâncias nocivas (QURESHI et al., 2020). De acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (ABIPLAST), os dados do estudo realizado pelo Plano de Incentivo à Cadeia do Plástico (PICPlast) apontam que em 2020 o percentual de resíduos plásticos pós-consumo reciclados no Brasil corresponde a 23,1%. O mesmo estudo revela que no ano de 2020, marcado pela pandemia do COVID-19, no Brasil foram consumidas 1,4 milhão de toneladas de resíduo plástico na reciclagem, o que representa um crescimento de 5,8% em comparação a 2019. Um milhão de toneladas são de plástico pós-consumo, incluindo os materiais provenientes dos domicílios e 368 mil toneladas de plástico são pós-industrial, como as sobras dos processos industriais petroquímicos e de transformação (ABIPLAST, 2021). 150 Em 2020 a produção de resina plástica pósconsumo (PCR - Post-Consumer Resin) foi de 884,4 mil toneladas e a sua distribuição por regiões brasileiras está representada no gráfico de barras da Figura 1, onde podemos destacar a região sudeste como a maior produtora (ABIPLAST, 2021). Figura 1: Apresentação da produção de PCR no Brasil no ano de 2020. Fonte: Adaptado de ABIPLAST 2021. PCR é uma resina obtida a partir de outros materiais plásticos já consumidos, principalmente embalagens. Material pós-consumo é aquele gerado por residências, comércio, indústria e instituições, incluindo o material descartado pela cadeia de distribuição, mas exclui o material pré-consumo (scrap de produção), conforme 151 definido pela Organização Internacional para Padronização ISO 14021 (MUNDO DO PLÁSTICO, 2022). O consumo de plástico no Brasil tem aumentado de forma significativa. A produção física de resina pré consumo no Brasil em 2021 foi de 7,1 milhões de toneladas enquanto o consumo aparente foi de 7,6 milhões de toneladas. Apesar de a reciclagem tender a acompanhar de forma proporcional, é importante atrelá-la a um reflexo do aumento da pobreza no país, uma vez que a coleta de materiais recicláveis tem sido realizada majoritariamente por trabalhadores informais, conhecidos como catadores, que tentam complementar seu sustento com essa atividade. Infelizmente, ainda falta responsabilidade ambiental por parte da população e políticas públicas de coleta seletivas eficientes, além da mudança de hábitos de consumo que cultuam o descartável. Para alcançar tais objetivos é necessário continuar incentivando a EAC. Professora e educadora ambiental O docente pode assumir em sua práxis o papel de mediador, podendo atuar não apenas na escola, mas também fora dela, estimulando os sujeitos a terem uma visão crítica (KOLOSZUKI et al., 2022). A EAC poderá ser levada ao ambiente escolar de maneira dialogada, a partir da problematização, estimulando questionamentos, buscando integração entre a escola e o ambiente, local e regi152 onal, no qual estão inseridos. É importante o educador situar-se como mediador das relações socioeducativas, coordenando ações, pesquisas e reflexões, não apenas escolares, mas também administrativas, que oportunizem novos processos de aprendizagem (CARVALHO, 2004; TEIXEIRA et al., 2007; KOLOSZUKI et al., 2022). Neste contexto, a alfabetização científica é de suma importância para evitar a alienação da sociedade frente à atualidade, pois o conhecimento científico pode permitir que a própria sociedade projete seu futuro de forma objetiva. Para este fim é necessário que o desenvolvimento científico e tecnológico seja funcional, ou seja, que as inovações neste meio caminhem em parceria com as necessidades da sociedade, justificando o consumo de matéria do planeta. Tal perspectiva legitima o quão importante é a EA, para formar uma geração de consumidores, com a implantação de novos hábitos, para atender uma proposta de sustentabilidade. A escolha do TG polímeros teve início a partir de uma pesquisa prévia a respeito da aplicação de experimentações de baixo custo, de forma que a EAC pudesse ser abordada de uma maneira transversal (CAMARGO, 2020). De acordo com essa revisão bibliográfica - realizada durante a monografia - verificou-se o emprego pedagógico de materiais poliméricos como garrafas de polietileno tereftalato (PET) para confecção de materiais didáticos (CAMARGO et al., 2022). 153 São muitas as possibilidades para implementar essa temática. Conforme proposto por Souza e colaboradores (2018) é possível contextualizar o ensino de química aplicando materiais recicláveis. Enquanto Fonseca e colaboradores (2018) confeccionaram experimentos com foguetes de garrafa PET, adequados ao nível da IV Mostra Brasileira de Foguetes, para aulas de físico-química na Educação Básica; Becker e Martins (2016) confeccionaram bancos acolchoados (puff) a partir de garrafas PET, a fim de contemplar a EA no ensino de química. Estes são alguns exemplos de trabalhos que levaram em consideração que o descarte de garrafas PET chama atenção da sociedade, devido a sua vasta produção e descarte desenfreados (CAMARGO, et al, 2022). Neste contexto podemos destacar como um dos objetivos da EAC a promoção da compreensão dos problemas ambientais em todas as suas dimensões (social, biológica, subjetiva), considerando o ambiente como um conjunto de inter-relações entre o mundo social e o natural, mediadas pelos saberes locais, científicos e tradicionais (CARVALHO, 2004; TEIXEIRA et al., 2007; KOLOSZUKI et al., 2022). Além da própria monografia que deu origem à elaboração do presente capítulo, intitulada “Polímeros como tema gerador: uma proposta didática para a EAC” (CAMARGO, 2020), destacamos alguns trabalhos para que os leitores interessados possam se aprofundar neste 154 assunto, dentre os quais “Química dos plásticos: uma proposta para o ensino de química orgânica com enfoque em ciência, tecnologia, sociedade e ambiente – CTSA” (SCAPIN, SILVEIRA, 2016), “Abordagem do tema plásticos como proposta interdisciplinar no ensino de química” (VILELA et al., 2016), “O plástico como um tema gerador no ensino de química” (FARIA, 2014), “O ensino de polímeros por experimentação - produzindo plásticos biodegradáveis com alunos do ensino médio” (REZENDE; MELO; OLIVEIRA, 2016) e “Plásticos e ensino de química: uma experiência na especialização em ensino de ciências” (BOUHID; GOLDBACH, 2009). Metodologia A metodologia adotada consiste em um relato da experiência formativa que apresenta um viés epistemológico qualitativo1, de natureza mista2 e compartilha as re1 A pesquisa qualitativa implica em uma interação direta do pesquisador com o contexto que será investigado, e por esse motivo foi escolhida como metodologia (nota da autora). 2 Creswell e Clark (2011) definem os métodos de natureza mista como aqueles que envolvem procedimento de coleta, análise e combinação de técnicas quantitativas e qualitativas em um mesmo desenho de pesquisa. Assim o presente desenho metodológico possui natureza mista, uma vez que pesquisa pode ser classificada como qualitativa, quanto à forma epistemológica de abordagem dos problemas e também, como quantitativa, pois os alunos foram avaliados individualmente, pela aplicação de questionários, e em grupo, durante a aula experimental. 155 flexões que emergiram espontaneamente da prática pedagógica de uma docente ao longo das atividades que deram origem à monografia de uma egressa do CEEQuim (IQ/UFRJ), que defendeu sua pesquisa em 20203 (CAMARGO, 2020). Para tal, foram elaboradas e implementadas duas SD, empregando o TG polímero, em aulas de ciências (para o nono ano do EF II) e de química (para o terceiro ano do EM), com intuito de mediar a EAC. Esse trabalho dialogou não só com a teoria sociointeracionista e os princípios da afetividade no processo de ensino e aprendizagem, mas também com a EAC (LOUREIRO, 2004; VYGOSTKY, 1998; REGO, 2013). A metodologia foi subdividida em: (1) Elaboração das Sequências Didáticas; (2) Ações Necessárias para a Confecção dos Roteiros Experimentais e (3) Reflexões sobre as Implementações das SD. 1 Elaboração das Sequências Didáticas A presença cada vez maior de materiais polimérico, e o impacto que estes podem ter no meio ambiente, motivou o emprego dessa temática como TG da SD elaboDe acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 510/2016, a pesquisa realizada não precisa passar pela avaliação do sistema de Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) pois a mesma se enquadra na condição de aprofundamento teórico de uma situação que emerge espontaneamente da prática pedagógica (MOURÃO JÚNIOR, 2019). 3 156 rada. O planejamento pedagógico, inicialmente elaborado para o nono ano do EF II (APÊNDICE A), foi adaptado para também ser empregado em turmas do terceiro ano do EM (APÊNDICE B). Ambos foram desenvolvidos para a implementação em turmas que tivessem duas aulas consecutivas (100 minutos). O desenho metodológico se baseou na aprendizagem colaborativa direcionada por experienciações coletivas. Para tal foi montado previamente um kit contendo: (a) roteiro experimental (com as tabelas necessárias para a interpretação dos fenômenos a serem observados); (b) amostras de polímeros; (c) materiais e reagentes necessários para os testes de densidade e; (d) questionário avaliativo para cada integrante do grupo. Cada turma foi dividida em grupos, de no máximo cinco alunos, e cada grupo recebeu um kit. 2 Ações Necessárias para a Confecção dos Roteiros Experimentais Para a confecção dos roteiros experimentais necessários à aplicação das SD – algumas ações foram desenvolvidas previamente. Desde a amostragem de polímeros, elaboração de tabelas de apoio à parte experimental e validação do ensaio de densidade. A amostragem baseou-se em escolher as amostras de polímeros, recortar o material escolhido em pequenos pedaços, mantendo parte da estrutura íntegra para que os alunos pudessem 157 identificar a embalagem de origem. Os polímeros selecionados para a atividade experimental foram: poliestireno (PS); PS expandido; polipropileno (PP); poli (etileno) de alta densidade (PEAD); poli (etileno) de baixa densidade (PEBD); poli (tereftalato de etileno) (PET); poli (cloreto de vinila) (PVC). A densidade de cada amostra de polímero empregada durante a parte experimental, segundo dados da literatura, pode ser visualizada na Tabela 1. Tabela 1: Densidade dos polímeros comerciais usados na aula experimental, para uso do professor e dos alunos. Polímero Densidade (g/cm³) poli (tereftalato de etileno) – PET 1,29-1,40 poli (etileno) de alta densidade – PEAD 0,952-0,965 poli (cloreto de vinila) - PVC (rígido) 1,30-1,58 poli (cloreto de vinila) - PVC (flexível) 1,16-1,35 poli (etileno) de baixa densidade – PEBD 0,917-0,940 polipropileno – PP 0,900-0,910 poliestireno – PS (sólido) 1,04-1,05 poliestireno (PS) (espuma) Menor que 1,00 Fonte: Autoria própria (2018). A partir da aferição em triplicata (com o picnômetro) das massas específicas dos materiais empregados como padrões, na determinação da densidade das amostras de polímeros selecionadas, foi elaborada a Tabela 2. 158 Tabela 2: Líquidos de referência e suas respectivas massas específicas Líquido Óleo de soja Água destilada Vinagre Glicerina 3 Massa específica (g/cm³) 0,9231 1,0044 1,0107 1,2677 Fonte: Autoria própria (2018). Reflexões sobre as Implementações das SD Participaram desse estudo 95 alunos, 11 alunos do nono ano do EF II e 84 alunos do terceiro ano do EM (distribuídos em três turmas distintas). Foram formados 24 grupos no total, em que se trabalhou com os alunos um total de 32 amostras, de 8 tipos de polímeros da classe termoplástico. Durante a atividade experimental, foi possível permitir a participação ativa dos alunos, pelo método de aprendizagem cooperativa, de forma que eles pudessem avaliar o comportamento dos polímeros por imersão em líquidos do cotidiano, empregados como padrões de densidade. Durante a atividade os alunos foram convidados a observar o comportamento das amostras dos diferentes polímeros, se flutuavam ou se afundavam no líquido. Foi disponibilizado aos alunos o diagrama representado na Figura 2, com os comandos necessários para a realização do experimento. Os alunos puderam fazer o 159 uso da Tabela 2 contendo a densidade absoluta dos líquidos usados. Os alunos foram instruídos a anotar os resultados observados e responder em grupo as perguntas contidas no material didático confeccionado e oferecido aos alunos pela docente. Após a finalização da etapa experimental, foi possível promover uma ampla discussão entre os grupos acerca dos resultados obtidos. Figura 2: Diagrama de blocos para a realização do experimento. 1- Coloque os recipientes com os líquidos em ordem crescente de densidade. 2- Coloque uma amostra de plástico no líquido de menor desnidade (óleo vegetal recipiente 1). 3- Verifique se flutua ou se afunda e anote. 4- Se afundar, coloque a amostra do plástico no seguinte líquido de maior densidade (água destilada recipiente 2). 5- Se afundar na solução 2, coloque a amostra no recipiente 3 (solução de vinagre) e assim por diante 6- Anote a faixa de densidades correspondentes. 7- Repita o procedimento para cada amostra de plástico e coloque os dados na tabela de resultados Fonte: Autoria Própria (2019). 160 Resultados e discussão O experimento foi realizado previamente para validar o procedimento desenvolvido na SD. Utilizaram-se recipientes de vidro contendo 200 mL de cada um dos padrões utilizados, sendo eles, óleo de soja, água destilada, vinagre e glicerina, além de amostras de polímeros conforme apresentado na Figura 3. Figura 3: Resultado experimental de identificação de polímeros, da direita para esquerda os líquidos de densidade conhecida são: óleo de soja, água destilada, vinagre e glicerina. Fonte: Acervo pessoal da autora (2019). Conforme ilustrado no Quadro 1, foram apresentados os resultados experimentais do teste de identificação dos polímeros pela densidade do polímero no líquido de referência. Vale ressaltar que o quadro foi elaborado a partir dos valores obtidos experimentalmente das massas específicas dos líquidos empregados como padrão (Tabela 2) e das informações sobre a faixa da densidade de cada 161 amostra de polímero obtidas na literatura (Tabela 1). Contudo, como se trata de dados experimentais, os valores podem variar durante a aula experimental em sala de aula. Quadro 1: Dados experimentais obtidos durante teste de densidade dos polímeros para validação prévia de experimento. Densidade Óleo de Água des- Vinagre absoluta Glicerina soja tilada = ( ) g.cm-3 = 1,2677 = 0,9231 = 1,0044 1,0107 Polímero PS (sólido) Afunda Afunda Afunda Flutua (1,04-1,05) PS (espuma) Flutua ou Flutua Flutua Flutua afunda 1,00 PP Flutua Flutua Flutua Flutua (0,900-0,910) PEAD Afunda Flutua Flutua Flutua (0,952-0,965) PEBD Flutua ou Flutua Flutua Flutua (0,917-0,940) afunda PET Afunda Afunda Afunda Afunda (1,29-1,40) PVC (rígido) Afunda Afunda Afunda Afunda (1,30-1,58) PVC (flexível) Flutua ou Afunda Afunda Afunda (1,16-1,35) afunda Fonte: Autoria própria (2018). Os alunos trabalharam em grupo fazendo uso do roteiro experimental. Durante a atividade os alunos observaram e anotaram o comportamento das amostras de 162 polímeros nos líquidos de referência. A partir dos dados experimentais os grupos responderam às perguntas contidas no roteiro e determinaram a densidade das amostras de polímeros estudadas. A aplicação da aprendizagem cooperativa facilitou o processo de ensino-aprendizagem, valorizando o trabalho em equipe, resgatando os valores sociais e os princípios da solidariedade, que poderão ser usados durante toda a vida do estudante como cidadão. Trabalhar a composição dos polímeros, decodificando as siglas comumente presentes nas embalagens dos diversos produtos domésticos, resgatou conceitos discutidos nas aulas anteriores do 3° ano do EM. Foram trabalhados vários aspectos teóricos sobre o TG e desconstruídos conceitos como o de que bioplástico é sinônimo de biodegradável. Essa etapa foi fundamental para a conscientização da importância das boas práticas de reciclagem no ambiente escolar e doméstico. A sequência didática aplicada no 9º ano do EF II, também teve o intuito de contextualizar a EAC, ao se empregar conceito já conhecido por esses alunos: a densidade, para identificar os polímeros para a reciclagem. Os alunos participantes conseguiram realizar a identificação das amostras de polímeros, a partir do emprego do kit experimental elaborado para esse estudo. A atividade foi realizada em grupo e sob mediação docente. As amostras analisadas durante as aulas experimentais, bem como os 163 alunos realizando o experimento, podem ser observados na Figura 4. Figura 4: À esquerda amostras de polímeros e suas embalagens de origem: (a) poliestireno - PS; (b) PS expandido; (c) polipropileno PP; (d) polietileno - PE; (e) polietileno de alta densidade - PEAD; (f) polietileno de baixa densidade - PEBD; (g) poli (tereftalato de etileno) - PET; (h) cloreto de poli (vinila) - PVC. À direita alunos realizando o experimento. Fonte: Acervo pessoal da autora. As turmas foram participativas, os alunos gostaram da atividade, apresentaram senso crítico tanto nas questões abertas presentes nos questionários avaliativos, quanto na discussão que encerrou a atividade. Os grupos foram avaliados quanto à habilidade em realizar a atividade experimental como uma equipe, estimulando a participação de todos os integrantes. 164 Foi observado se os alunos interpretaram corretamente o comportamento das amostras durante o teste de densidade, atentando-se ao tempo necessário para observar o fenômeno de decantação ou flutuação do material polimérico de estudo no líquido de referência, a partir de suas anotações. Cerca de 92 % dos alunos do 3º ano do EM identificaram seu conjunto de amostras corretamente, fazendo o uso das tabelas de densidade dos líquidos padrões e dos polímeros. Os alunos do EF II mostraram maior dependência do professor, mas 86% acertaram a identificação dos polímeros, apesar de terem tido dificuldade em analisar a tabela fornecida. A abordagem do TG polímeros foi uma boa proposta para desenvolver a EAC em sala de aula. Neste sentido, destaca-se que 89% dos alunos conseguiram explicar corretamente a importância da reciclagem dos polímeros e 79% dos alunos conseguiram reconhecer que o petróleo é a fonte para a sua produção, portanto obtidos de fontes não renováveis. Dentre as perguntas feitas pelos alunos neste estudo, podemos destacar as que compõem o elemento gráfico representado na Figura 5. Em um segundo momento as dúvidas levantadas pelos alunos puderam ser trabalhadas no formato de roda de conversas. 165 Figura 5: Dúvidas levantadas pelos alunos durante as aulas. Fonte: Própria autoria (2019). A partir da roda de conversa foram construídas nuvens de palavras como exercício de fixação, para que a associação entre termos e significados fossem empregados como disparadores durante a roda de conversa, conforme o exemplo ilustrado na Figura 6. Figura 6: Nuvem de Palavras. Fonte: Própria autoria (2019). 166 A abordagem da atividade pedagógica com o TG polímeros foi importante para desenvolver a EAC. Verificou-se que os alunos conseguiram aplicar significado em seu aprendizado. A avaliação individual foi teórica e após o experimento observou-se um ganho significativo de aprendizado dos novos conceitos atrelados ao TG discutido durante a aplicação da SD. A partir das atividades propostas foi possível conscientizar os alunos que o consumo e o descarte correto dos materiais são de responsabilidade compartilhada, atendendo as recomendações da BNCC e da PNRS, incentivando as boas práticas de reciclagem e a implementação da economia circular. Considerações finais A abordagem da EAC de forma contextualizada, avaliando a realidade em que o discente está inserido, permite que os alunos compreendam que os impactos causados pela ação humana são de responsabilidade de todos. Nessa perspectiva foram elaboradas e aplicadas duas SD, mediada pelo TG polímeros, que contemplou transversalmente os preceitos da EAC em turmas do Ensino Básico, direcionadas para o nono ano do ensino fundamental e para o terceiro ano do ensino médio. O desenho metodológico dialogou com a aprendizagem colaborativa, valorizando o trabalho em equipe, conforme des167 taca Vygotsky. A SD enfatizou a importância da reciclagem de materiais poliméricos para a economia circular, com vistas a preservação ambiental e propiciou um amplo diálogo a respeito de questões socioambientais envolvendo a temática proposta. As turmas mostraram-se participativas e tiveram bom desempenho nas avaliações realizadas. Observou-se que estimular a autonomia discente durante o processo de aprendizagem, possibilitou que os sujeitos envolvidos fizessem um paralelo entre o conhecimento escolar e o conhecimento científico, bem como questionassem seus valores socioambientais. As SD pautadas tanto na problematização da EAC e nas atividades experimentais propiciaram uma atmosfera de liberdade, permitindo que as turmas interagissem e compartilhassem conhecimentos prévios, questionamentos e dúvidas sobre o TG polímeros. Também foi possível conscientizar os alunos sobre a importância da reciclagem de polímeros para a economia circular. A escolha pelo método de aprendizagem cooperativa para a aula experimental permitiu que os alunos fortalecessem o espírito de equipe, o que possibilitou a socialização das turmas durante as atividades. Propor aos alunos que eles mesmos executassem os experimentos sob mediação docente conferiu a eles autonomia, estimulando o papel dos alunos como autores na construção do seu conhecimento científico escolar. Uma vez que para a realização da aula experimental proposta pelas SD, foram utilizados 168 materiais de baixo custo e fácil obtenção, bem como não foi necessário especificamente de um laboratório de química para as atividades serem desenvolvidas, as mesmas podem ser aplicadas em qualquer escola, possibilitando a popularização da química. Referências ABIPLAST. Associação Brasileira da Indústria do Plástico. Notícias 2021. Disponível em: http://www.abiplast.org.br/noticias/estudo-aponta-que-231-dosresiduos-plasticos-pos-consumo-foram-reciclados-em-2020-nobrasil/. Acesso em: 07/07/ 2022. BECKER M.M., MARTINS L.R. Educação ambiental no ensino de química através da confecção de puff's em PET. Revista de Ciência e Tecnologia. Volume 2. Número 3. 2016. BORRELLE, S. B.; ROCHMAN, C. M.; LIBOIRON, M.; BOND, A. L.; LUSHER, BRADSHAW, H.; PROVENCHER, J. F. Why we need an international agreement on marine plastic pollution. 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Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998. Apêndice A Sequência didática resumida – turma 9º an0 do EF II Fonte: CAMARGO (2020) Duração: 100 minutos (dois tempos de aula) Ementa: EAC; Desenvolvimento Sustentável, Lixo Tóxico; Ética; Polímeros; Reciclagem; Desafios da indústria do petróleo, Densidade; Experimentação. Objetivo geral: Reconhecer a aplicação dos polímeros e os impactos ambientais envolvidos no seu descarte incorreto. Aprender a identificar os principais plásticos presentes no nosso cotidiano por teste prático de diferença de densidade. Objetivos específicos:  Compreender a diferença entre fonte renovável e não renovável na obtenção de polímeros sintéticos; 174   Diferenciar os diversos polímeros presentes nas embalagens comerciais pela diferença de sua densidade; Reconhecer as vantagens e as limitações do uso dos polímeros em nosso cotidiano. Habilidades desenvolvidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC)   Analisar, compreender e explicar fenômenos, com base nos conhecimentos das Ciências da Natureza, a partir da experimentação em sala de aula. Estabelecer relação entre os conceitos teóricos abordados na aula teórica com os dados experimentais. Exercitar o perfil crítico dos alunos na construção do seu conhecimento científico escolar. De acordo com a BNCC a Educação Ambiental é um dos temas que afetam a vida humana em escala local, regional e global, e deve ser abordada, preferencialmente, de forma transversal e integradora dentro das propostas pedagógicas (Lei nº 9.795/1999, Parecer CNE/CP nº 14/2012 e Resolução CNE/CP nº 2/201218). Abordar a Educação Ambiental de maneira problematizada possibilita a sua abordagem crítica. Habilidades desenvolvidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)  Aplicar a atividade prática de química como uma forma de favorecer a consecução dos objetivos propostos pelos PCN no ensino de Ciências, para adquirir e construir conhecimento científico escolar. 175 Apêndice B Sequência didática resumida - Turma 3º ano do EM Fonte: CAMARGO (2020) Duração: 100 minutos Ementa: EAC; Química Orgânica; Polímeros; Reciclagem; Desafios da indústria do petróleo; Densidade; Experimentação. Objetivo geral: Reconhecer a aplicação dos polímeros e os impactos ambientais envolvidos no seu descarte incorreto. Aprender a identificar os principais plásticos presentes no nosso cotidiano por teste prático de diferença de densidade. Objetivos específicos:   Compreender a diferença entre fonte renovável e fóssil na obtenção de Polímeros sintéticos; Diferenciar os diversos polímeros presentes nas embalagens comerciais pela diferença de sua densidade; Compreender que os polímeros são formados por repetições de monômeros, identificando a sua presença nos plásticos e em biomoléculas (i.e.: carboidratos, proteínas e ácidos nucleicos) (SEEDUC 2012, p.10). Reconhecer as vantagens e as limitações do uso dos polímeros e biopolímeros em nosso cotidiano. 176 Habilidades desenvolvidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC)   Analisar, compreender e explicar fenômenos, com base nos conhecimentos Químicos, a partir da experimentação em sala de aula. Estabelecer relação entre os conceitos teóricos abordados na aula teórica com os dados experimentais. Exercitar o perfil crítico dos alunos na construção do seu conhecimento científico escolar. De acordo com a BNCC a Educação Ambiental é um dos temas que afetam a vida humana em escala local, regional e global, e deve ser abordada preferencialmente de forma transversal e integradora dentro das propostas pedagógicas (Lei nº 9.795/1999, Parecer CNE/CP nº 14/2012 e Resolução CNE/CP nº 2/201218). Abordar a Educação Ambiental de maneira problematizada possibilita sua abordagem crítica. Habilidades desenvolvidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)  Aplicar a atividade prática como uma forma de favorecer a consecução dos objetivos propostos pelos PCN no ensino de Química, para adquirir e construir conhecimento científico escolar. Apesar dos alunos já terem estudado o conteúdo de ligações químicas, funções orgânicas e grupos funcionais, na SD não foram abordadas correlações com esses conceitos. 177 AUTORES Adriana Baptista de Souza Professora da SME/RJ por 7 anos e hoje é professora do Departamento de Letras-Libras da UFRJ. Doutora em Estudos da Linguagem (PUC-Rio) e Licenciada em Letras: português/inglês (UVA). Pesquisadora no GP Linguagem, Cultura e Trabalho (PUC-Rio) e Líder do GP Surdez & Acessibilidade (UFRJ), com pesquisas voltadas para a educação de surdos. Amanda Ramos de Mattos Thomé É graduada em Licenciatura em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em Ensino de Química pela mesma universidade. Atualmente, ministra aulas de química para turmas de ensino médio e está cursando uma pós-graduação em Ensino de Ciências com Ênfase em Biologia e Química pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Antonio Carlos de Oliveira Guerra Licenciado em Química (UFRJ), mestre em Química Inorgânica (UFRJ) e doutor em Química Inorgânica (UFRJ). Professor do Instituto de Química da UFRJ. Atua na área do Ensino de Química, desenvolvendo projetos de pesquisa na educação básica Atualmente é professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Química e do Curso de Especialização em Ensino de Química (UFRJ). 178 Angela Sanches Rocha Possui Bacharelado em Química pela Universidade Federal da Bahia, Licenciatura em Química pela Fundação Técnico Educacional Souza Marque, Doutorado em Físico-Química pela UFRJ. Realizou pós-doutorado na Université de Caen (França) no Centro de Catálise e Espectroscopia. Fez Especialização na Uninter em Metodologia do Ensino na Educação Superior, trabalhando com metodologias ativas de ensino. Carla Márcia Alvarenga da Silva Mestranda do curso do PEQUI UFRJ, atualmente professora de química da secretaria de estado de educação do Rio de Janeiro, atua como bolsista do Consorcio CEDERJ e na prefeitura de Campos como professora de ciências. Pesquisa sobre a epistemologia de Gaston Bachelard e o ensino de ciências por investigação. Célia Regina Sousa da Silva Possui graduação em Química Industrial pela Universidade Federal do Maranhão, e doutorado em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pela COPPE - UFRJ. Tem experiência em ensino na modalidade a distância, tendo realizado cursos de formação na área. Fernanda Arruda Nogueira Gomes da Silva Licenciada em Química pela UFRJ, Mestre em Engenharia Metalúrgica e de Materiais COPPE/UFRJ. Doutora em Química pelo Instituto de Química (IQ)/UFRJ. Tem experiência na área Mineral com ênfase em Caracterização de Minérios. Atua em Projetos de Extensão que fomentam a 179 inserção de meninas nas carreiras profissionais das Ciências Exatas e da Terra “Meninas na Química”. Flávio Matheus Rosa Graduando no curso de Licenciatura em Química pela UFRJ. Participa como pesquisador do Projeto de extensão da UFRJ “Laboratório de tradução audiovisual acessível e interpretação Libras-português – TradInterLab” e também já participou do projeto Acessibilidade IQ como redator. Joaquim Fernando Mendes da Silva Professor Associado do Departamento de Química Orgânica da UFRJ. Possui graduação em Farmácia pela UFRJ e em Licenciatura em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano, mestrado e doutorado em Química Orgânica pela UFRJ. Joyce Braga Camargo Licenciada em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Egressa do curso de especialização em Ensino de Química CEEQUIM/UFRJ. Mestranda do Programa de Ciência e Tecnologia de Polímeros do Instituto de Macromoléculas Professora Heloisa Mano (IMA) da UFRJ. Atua em pesquisas educacionais voltadas para a abordagem da Educação Ambiental Crítica no ensino de química na educação básica. Participou de iniciação à docência e estagiou no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia /IFRJ. 180 Lohrene de Lima da Silva Professora de Química formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É Mestra em Ensino de Química (PEQUI/UFRJ) e Doutoranda em Educação em Ciências e Saúde (Instituto Nutes/UFRJ). Atualmente é professora substituta no Departamento de Química Inorgânica da UERJ. Priscila Tamiasso-Martinhon Licenciada e Bacharela em Química (UFF), com complementação de estudos em Empreendedorismo & Inovação, especialização em EJA e em Ensino na Educação Superior. Mestra e doutora em Físico-Química (UFRJ), pósdoutora em Eletroquímica (UPMC) e em Biossensores (Fiocruz). Professora extensionista do Instituto de Química (UFRJ). Docente do CEEQuim; do PEQUI e do PROFQui. Coordenadora do Laboratório FQME e do GIMEnPEC. Pesquisadora do GIEESAA. Rodrigo Volcan Almeida Pós-doutorado pela UFRJ; Doutor e Mestre em Engenharia Química pela COPPE / UFRJ; Graduado em Engenharia Química pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande; Professor do Departamento de Bioquímica, do Programa de Pós-graduação em Bioquímica e do Mestrado Profissional em Ensino de Química, todos do Instituto de Química da UFRJ. Membro do Grupo Interinstitucional e Interdisciplinar de Estudos em Epistemologia (GI2E2). Valeria Fernandes Nunes Pós-doutorado, doutorado e mestrado em Linguística pela UERJ. Especialização em Interpretação da Libras (UNIP) e em 181 Língua Portuguesa (Simonsen). Licenciatura em Letras – Port/Ing e Port/Lit (Simonsen). Licenciatura em Teatro, em curso (UNIASSELVI). Foi professora na Educação Básica (SME/RJ e SEEDUC/RJ). Atualmente, é professora de Libras no magistério superior (UFRJ). Autora de artigos científicos, roteiros e peças teatrais. Viviane Gomes Teixeira Professora Associada do Departamento de Química Analítica da UFRJ. Possui graduação em Química Industrial pela Universidade Federal Fluminense, mestrado em Ciência e Tecnologia de Polímeros pela UFRJ e doutorado em Ciência e Tecnologia de Polímeros pela UFRJ. 182