[go: up one dir, main page]

Academia.eduAcademia.edu
Tempo, modo e aspecto: como o uso dos itens verbais ocupar e invadir posicionam as notícias sobre o Movimento Sem Terra Karin Segalla Ferreira O presente ensaio tem como objetivo estudar títulos e corpus de notícias sobre o movimento dos sem terra (MST a partir de agora), a partir da perspectiva semântica da noção de modo, tempo e aspecto, apresentada por Gomes e Mendes (2018), na tentativa de responder a pergunta "aspecto, tempo e modos verbais podem marcar o posicionamento dos veículos de comunicação?", tendo como premissa a hipótese de que aspecto, tempo e modo indicam o propósito de uma informação. Selecionamos dois verbos que costumam aparecer em notícias sobre o MST: ocupar e invadir - bem como seus argumentos. Vejamos: MST ocupa fazendas da Suzano, fabricante de papel e celulose, no Sul da Bahia. (NETO, João Sorima. MST ocupa fazendas da Suzano, fabricante de papel e celulose, no Sul da Bahia. O Globo, 2023. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/03/ mst-ocupa-fazendas-da-suzano-fabricante-de-pa pel-e-celulose-no-sul-da-bahia.ghtml>. Acesso em 28 de jun. de 2023). O verbo ocupar, nesse exemplo, está no tempo presente, modo indicativo, ou seja, o modo realis, default. Verbos que indicam movimento, segundo Gomes e Mendes (2018, p.117) "conjugados no chamado presente do indicativo, expressam eventualidades futuras", e colocam o seguinte exemplo (ibidem, p.117): "Pedro viaja amanhã.", (grifos meus) → o verbo viajar, nesse caso, é intransitivo1, ou seja, não pede complemento. Entretanto, por estar no presente, é estranho dizer Pedro viaja, sem que o verbo esteja acompanhado de um argumento, ou indicar a habitualidade do evento, ou indicar que Pedro está fora da realidade, ou ainda, seja a resposta para uma pergunta de, ou indique, eventos futuros, como nos exemplos 1, 2 e 3: 1a. Faremos uma festa amanhã, vamos convidar o Pedro, você sabe se ele estará aqui? 1b. Pedro viaja. → indica um evento futuro; 2a. O que Pedro faz da vida? 1 O verbo "viajar" é intransitivo e transitivo. 2b. Pedro viaja. → indica a habitualidade de um evento; 3a. Porque Pedro não veio me ver ontem? 3b. Pedro viajou. → indica um evento passado, que não necessariamente aconteceu ontem, mas é marcado pela referência de algo que aconteceu antes do momento de fala; O verbo viajar no passado também aponta para o lugar que Pedro pode ter viajado, e no futuro, Pedro viajará, também aponta para um advérbio ou ainda um predicativo do sujeito, mas não indica a habitualidade do evento. O verbo ocupar, no presente, MST ocupa, dá a ideia de um evento que acontece habitualmente e não parece pedir complemento, necessariamente. O presente do indicativo indica uma situação que acontece e se estende, inclusive no momento de fala (MF a partir de agora), e no futuro, uma vez que, inclusive, a premissa do MST é a ocupação de terras improdutivas. Ao colocar o item verbal no passado, MST ocupou, notamos que pede complemento, e no futuro, MST ocupará, pede complemento (intuitivamente). Entendemos, então, que o tempo futuro pode ser expresso pelo presente do indicativo, ou seja, verbos no tempo presente apresentam não somente o aspecto do tempo em que estão conjugados. Portanto, o tempo por si só "não fornece instrumentos para distinguir entre os diferentes julgamentos de valor de verdade que damos às sentenças" (ibid. p.122). No corpo da notícia, por sua vez, o verbo ocupar e o substantivo ocupação foram citados, respectivamente, 5 e 3 vezes. O verbo invadir apareceu apenas uma vez, em nota da empresa Suzano, que teve suas terras ocupadas pelo movimento, ou seja, sofreu a ação do Movimento, vejamos: Em nota, a Suzano confirmou que três áreas produtivas de sua propriedade na Bahia, foram invadidas e danificadas pelo MST na última segunda-feira. (NETO, João Sorima. MST ocupa fazendas da Suzano, fabricante de papel e celulose, no Sul da Bahia. O Globo, 2023. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/03/ mst-ocupa-fazendas-da-suzano-fabricante-de-pa pel-e-celulose-no-sul-da-bahia.ghtml>. Acesso em 28 de jun. de 2023). Procuramos pela mesma notícia em um site de direita, com, abertamente, um posicionamento contrário à ideologia do MST, e encontramos esta, também veiculada em 1 de março de 2023: MST volta a atacar e invade três fazendas produtivas na Bahia. (JOVEM PAN. MST volta a atacar e invade três fazendas produtivas na Bahia. Jovem Pan: 2023. Disponível em: <https://jovempan.com.br/videos/programas/os-pi ngos-nos-is/mst-volta-a-atacar-e-invade-tres-faze ndas-produtivas-na-bahia.html>. Acesso em 30 de jun. de 2023). A notícia acima traz a ideia de que o movimento realiza ataques e invasões, e, entendendo o verbo "invadir" como: 1 entrar à força em; penetrar hostilmente em determinado lugar; apoderar-se, conquistar, tomar. (INVADIR. In: Michaelis, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 2023. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/ busca/portugues-brasileiro/invadir>. Acesso em: 2 de jul. 2023). Percebe-se que a intenção do texto é veicular a mensagem de que o MST entra de maneira hostil, e ocupa a terra produtiva por meio de violência. O verbo invadir está no tempo presente, e como citamos anteriormente, o presente do indicativo pode expressar eventos habituais, gerando assim, o efeito de que o movimento tem por hábito entrar à força em terras produtivas. Além de o item verbal invadir ser usado com o intuito de criminalizar o movimento, a notícia está sendo veiculada com um outro item verbal, também de maneira a direcionar o interlocutor a uma intenção negativa, como se os membros do Movimento fossem terroristas, agressores e exploradores. Percebemos que outros verbos, tais como atacar, agredir, dominar, aparecem em substanciais corpus de notícias veiculadas sobre o MST. Apesar de também indicarem a direção do veículo de informação, e estarem de maneira expressiva em tais reportagens, não serão nosso foco no momento, entretanto, a inquietude de chegarmos a mais dados pertinentes a este estudo, permanece. De acordo com a nossa análise, chegamos à conclusão de que os verbos invadir e ocupar sempre fazem referência à direção do veículo de informação em que estão sendo veiculadas as notícias. Os detentores das terras, privadas ou não, ocupadas, tendem a fazer o uso do item verbal invadir, e direcionam o interlocutor à crença de que o Movimento comete crimes. Já o Movimento e os jornais que entendem a luta pela terra como um direito legítimo garantido pela constituição, contribuem com a veracidade do propósito do MST, fazendo uso do item verbal ocupar. Referências GOMES, Ana Quadros; MENDES, Luciana Sanchez. Para conhecer semântica. São Paulo: Ed. Contexto, 2018.