Ivonete Pinto
Universidade Federal de Pelotas (Federal University of Pelotas), Cinema and Animation, Associate Professor
Docente (Cinema/UFPel). Crítica de cinema (cinemaescrito.com e Teorema). Sócia-fundadora e ex-presidente da Accirs e Abraccine. Autora de Cinemas Periféricos - estéticas e contextos não hegemônicos; Descobrindo o Irã, Samovar nos Trópicos, A Mediocridade, Bernardet 80 - Impacto e Influência no Cinema Brasileiro (org); Ismail Xavier - um pensador do cinema brasileiro (org), 50 Olhares da Crítica Sobre o Cinema Gaúcho (org)
Address: Brazil
Address: Brazil
less
InterestsView All (10)
Uploads
Videos by Ivonete Pinto
Papers by Ivonete Pinto
Na trama, o jornalista policial Vladimir Gilyarovsky (Mikhail Porechenkov) é chamado pelo ator e diretor de teatro Konstantin Stanislavski (Konstantin Kryukov) para que seja levado ao bairro Khitrovka. Ele quer conhecer de perto como vivem os verdadeiros ladrões, os bêbados, os mendigos, as prostitutas do texto de Gorki que está encenando, Ralé. Já no bairro, a dupla depara com o corpo de um rico sikh indiano atingido por um dardo envenenado.
Enquanto discutimos o fora-de-campo, o horror estatal coexiste com nossas consciências. E não há Oscar que atenue as responsabilidades de quem é contemporâneo de governantes tiranos e carrascos. Aquela frase “o que vocês fizeram para impedir?” deveria ecoar em nossas cabeças o tempo todo, afinal, o que estamos fazendo?
Lançado no Festival de Berlin do ano passado, vê-se logo que A linha mira longe, correndo o risco do pedantismo. Mas a referência ao diretor russo, o público pode ou não fazer, de acordo com seu repertório e o voto de confiança do momento. Ela é pertinente, não para em si elevar o filme da diretora Ursula Meier à condição de obra-prima, apenas para concatenar elementos presentes no cenário e na atmosfera. Além do recurso do slow, há a neve, a corrida em desatino, em um país rico europeu e um personagem afetado pela loucura. Atualizando “loucura”, diríamos que é um distúrbio neurodivergente. Se em Tarkovsky tínhamos a ameaça da bomba atômica como pano de fundo, em A linha temos as doenças mentais do nosso século.
Pela composição destes júris, vê-se a diversidade cultural-geográfica do evento suíço e esta é uma marca que Locarno tenta investir. São filmes do mundo todo e nos últimos três anos, direcionados mais ainda às produções independentes. Meca do cinema indie e capital mundial do cinema de autor são definições que estão associadas ao festival.
As escolhas da Fipresci pelo ucraniano Stepne, de Maryna Vroda, e do iraniano Critical Zone, de Ali Ahmadzade, pelo júri oficial, estão alinhadas a este perfil do festival. O que chamo a atenção aqui é que se o júri oficial claramente fez uma opção política, o júri da crítica, mesmo com o contexto da guerra na Ucrânia, não se pautou por ela. Em outras palavras: embora considerando que todo gesto é político, etc., etc., o filme ucraniano foi premiado pelo seu valor artístico, enquanto o iraniano pelo seu valor político.
Essencial truths of the lake (Fil./Fra./Por./Sin./Suí./RU, 2023) tem apenas 215 minutos. As plateias que conhecem seus títulos anteriores podem até considerar que se trata de um curta-metragem, afinal, o que são 3 horas e 35 minutos perto das 11 horas de Evolução de uma família filipina? (2004).
Na trama, o jornalista policial Vladimir Gilyarovsky (Mikhail Porechenkov) é chamado pelo ator e diretor de teatro Konstantin Stanislavski (Konstantin Kryukov) para que seja levado ao bairro Khitrovka. Ele quer conhecer de perto como vivem os verdadeiros ladrões, os bêbados, os mendigos, as prostitutas do texto de Gorki que está encenando, Ralé. Já no bairro, a dupla depara com o corpo de um rico sikh indiano atingido por um dardo envenenado.
Enquanto discutimos o fora-de-campo, o horror estatal coexiste com nossas consciências. E não há Oscar que atenue as responsabilidades de quem é contemporâneo de governantes tiranos e carrascos. Aquela frase “o que vocês fizeram para impedir?” deveria ecoar em nossas cabeças o tempo todo, afinal, o que estamos fazendo?
Lançado no Festival de Berlin do ano passado, vê-se logo que A linha mira longe, correndo o risco do pedantismo. Mas a referência ao diretor russo, o público pode ou não fazer, de acordo com seu repertório e o voto de confiança do momento. Ela é pertinente, não para em si elevar o filme da diretora Ursula Meier à condição de obra-prima, apenas para concatenar elementos presentes no cenário e na atmosfera. Além do recurso do slow, há a neve, a corrida em desatino, em um país rico europeu e um personagem afetado pela loucura. Atualizando “loucura”, diríamos que é um distúrbio neurodivergente. Se em Tarkovsky tínhamos a ameaça da bomba atômica como pano de fundo, em A linha temos as doenças mentais do nosso século.
Pela composição destes júris, vê-se a diversidade cultural-geográfica do evento suíço e esta é uma marca que Locarno tenta investir. São filmes do mundo todo e nos últimos três anos, direcionados mais ainda às produções independentes. Meca do cinema indie e capital mundial do cinema de autor são definições que estão associadas ao festival.
As escolhas da Fipresci pelo ucraniano Stepne, de Maryna Vroda, e do iraniano Critical Zone, de Ali Ahmadzade, pelo júri oficial, estão alinhadas a este perfil do festival. O que chamo a atenção aqui é que se o júri oficial claramente fez uma opção política, o júri da crítica, mesmo com o contexto da guerra na Ucrânia, não se pautou por ela. Em outras palavras: embora considerando que todo gesto é político, etc., etc., o filme ucraniano foi premiado pelo seu valor artístico, enquanto o iraniano pelo seu valor político.
Essencial truths of the lake (Fil./Fra./Por./Sin./Suí./RU, 2023) tem apenas 215 minutos. As plateias que conhecem seus títulos anteriores podem até considerar que se trata de um curta-metragem, afinal, o que são 3 horas e 35 minutos perto das 11 horas de Evolução de uma família filipina? (2004).
76º Locarno (2023). O romeno Radu Jude, magistral e satírico como nunca
Alma viva (2020), por isto, nos remete a um Miguel Torga, que em sua obra soube tão bem recuperar o habitus das pessoas da região de Trás-os-Montes, no nordeste português (segundo os créditos, o filme foi rodado entre os municípios de Vinhais, Vimioso e Mogadouro). Um jeito de pensar, um jeito de agir e de falar associado ao mundo rural. E ao entrarmos nesta viagem pelo olhar de uma criança, o enredo pode ganhar até um caráter universal.
Inácio Araújo é uma figura ímpar no cenário da crítica cinematográfica brasileira. Ostenta o status de farol sobre tendências do cinema, sobre certos filmes que são lançados. É comum entre os críticos comentários do tipo "Já viu o que Inácio disse sobre?", "O Inácio detonou tal filme". Independente do leitor concordar ou não com ele, sua opinião é algo que pesa e nestes tempos onde ninguém mais lê ninguém (ninguém mais lê, ele diria), ter esta capacidade de mobilização é para poucos. Crítico da Folha de S. Paulo desde 1993, Inácio Araújo é dono de uma escrita direta, sem rodeios, conseguindo dizer em poucas palavras o que a maioria precisa de muitas páginas. Quando teve seu espaço reduzido para minguados caracteres, foi ali que se sobressaiu o espírito atilado que consegue enxergar a essência de um filme (ele diz na entrevista que foi uma questão de contingência). Como uma Pauline Kael de calças, tem uma escrita aguda, áspera às vezes, bem-humorada e, para alguns, um tanto rabugenta. É que, aos 70 anos, já viu tanta coisa, tanto filme, que talvez não tenha mais muita paciência. As novas gerações-e, claro, também seus antigos e fiéis leitores-vão poder ler e reler suas críticas no livro em sua homenagem que a Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) deve lançar em 2019. Nele haverá ensaios e textos escolhidos. Circular pelos livros não é novidade para este paulista. Inácio publicou em 1985 Casa de Meninas, apresentado como romance e roteiro cinematográfico. O romance juvenil Uma Chance de Vida saiu em 1994 e os livros sobre cinema Hitchcock, o Mestre do Medo e Cinema, o Mundo em Movimento, em 1995. Há oito anos Juliano Tosi organizou para a coleção Aplauso uma antologia de suas críticas publicadas em jornal. No mesmo ano, em 2014, o próprio Inácio publicou o livro de contos Urgentes Preparativos para o Fim do Mundo. Nesta entrevista, Inácio fala um pouco de sua atuação como roteirista, montador e diretor de cinema. Sua passagem pela Boca do Lixo inclui As Safadas (1982), filmado em um bordel, considerado um clássico da pornochanchada intelectual. Sobre o ofício da crítica, é possível notar na entrevista que se ele se destaca entre seus pares, certamente é porque carrega o talento para os insights e uma herança em sua formação: a influência de Jean Douchet, o crítico francês que defendia que a crítica é a arte de amar.
1986 no Baile Black do Quarentão, em Ceilândia (DF), durante os estertores da ditadura. Adirley Queirós tem o distanciamento do tempo e do fato de, na concepção e construção do filme, contar com os atores sociais que estavam lá, e que ainda sofrem as decorrências do episódio, e elaborando suas perdas por meio da fabulação.
SUMÁRIO
Prefácio
22 verbetes sobre conservação e imaginação em 2022 11
Juliano Gomes
Introdução
Dois ofícios, diferentes olhares e algumas convergências 23
Laécio Ricardo de Aquino Rodrigues
I. A crítica cinematográfica
Capítulo 1
A crítica de cinema se reconfigura: autoridade e
democratização no ambiente online 33
Rafael Oliveira Carvalho
Capítulo 2
Abundância, precarização e ineditismo: desafios para
a crítica de cinema na internet e o papel dos festivais 59
Marcelo Ikeda
Capítulo 3
A crítica de cinema na academia e nas associações 81
Ivonete Pinto
Capítulo 4
Escrever e programar a partir da América Latina:
respostas críticas e curatoriais à circulação europeia
do cinema latino-americano 101
Victor Guimarães
Capítulo 5
Crítica cinematográfica: a frágil utopia de
comunidades cinéfilas 123
Pablo Gonçalo
Capítulo 6
Crítica é conversa 141
Maria Bogado
Capítulo 7
Crítica de cinema e podcast: diálogo em construção 155
Isabel Wittmann e Raquel Gomes
Entrevistas - O campo da crítica 169
“Entre um extremo e outro, na zona de tensão entre
sujeito e objeto, é onde me parece estar localizada
este tipo de escrita a que chamamos de crítica” 171
Matheus Cartaxo Domingues
“A crítica que fica restrita a apenas um lugar dentro
do ecossistema do cinema me parece que fracassa
logo de saída. A crítica precisa circular” 179
Camila Vieira da Silva
“Ver tantos filmes quanto possível é sempre importante
e ler sobre eles é indispensável. Mas olhar o mundo à volta
do cinema também. Isso faz um bom crítico e um bom texto” 187
Felipe André da Silva
“Procuro escrever com clareza, sem erros de português,
com uma possível elegância, e ser o menos óbvio e
reiterativo possível. Acho que a crítica deve ao
menos aspirar a ser um gênero literário” 197
Carlos Alberto Mattos
II. A atividade curatorial
Capítulo 8
Para um glossário sobre curadoria 209
Moacir dos Anjos
Capítulo 9
Apontamentos sobre uma prática curatorial feminista 223
Maria Cardozo
Capítulo 10
Curadoria como exercício de cinema comparado 241
Mariana Souto e Érico Oliveira
Capítulo 11
Cinefilia virtual e curadoria hesitante:
Percalços de um itinerário particular 265
Fernando de Mendonça (Nandodijesus)
Capítulo 12
Curador, cão e as instituições 279
Luís Fernando Moura
Capítulo 13
Campos, contracampos e extracampos:
cinco sequências do cinema brasileiro em
uma era de antagonismos 287
Francis Vogner dos Reis
Entrevistas - O campo da curadoria 327
“Não é incomum que nós, curadores, descubramos
a curadoria apenas enquanto se dá, por exemplo, o
festival. É só quando ele termina que, digamos, temos
uma visão completa do museu” 329
Luís Fernando Lira Barros Correia de Moura
“O recorte identitário sempre esteve presente no circuito
do cinema, e sempre foi, repito, branco, cisgênero e
masculino. Assim, vejo as mudanças que têm ocorrido
como um abalo sísmico fundamental” 345
Rita Vênus Cordeiro Vieira
Entrevista
“O trabalho da curadoria se destina a cumprir uma
função necessária num mundo que produz mais obras do
que há espaço para exibi-las. Assim, antes de falar de
conceitos ou de programas, há que se lembrar disso:
ela atende uma imposição e um contexto prático” 349
Eduardo Novelli Valente
Sobre as autoras e os autores
Elucidar o enredo deste filme é enfrentar um “jogo de hipóteses”. A expressão é emprestada do texto inédito de Maria Rita Galvão, "Jogo de Armar", depositado na documentação da Cinemateca Brasileira/IPHAN (Em Memória, 1996, 28p).
A pesquisadora, que preparou a ficha filmográfica de Os Óculos do Vovô, faz um exaustivo exercício para buscar as origens deste que é o filme brasileiro de ficção preservado mais antigo que temos.
cinemas periféricos ou cinematografias periféricas. De saída, vale
esclarecer que parto aqui de dois entendimentos básicos sobre o conceito,
mesmo que persista uma espécie de flutuação de definições.
Primeiro, a circunstância geográ# ca, que localiza este cinema
fora dos grandes centros produtores. Ou seja, todos os países que
não detêm a hegemonia da produção, estariam neste grupo, portanto,
Estados Unidos e parte da Europa # cariam fora. Mas são várias
as Europas, no sentido geográfico, econômico e etnográfico. Nem
toda Europa produz de modo sistemático, nem todos os países europeus
têm garantidos seus lançamentos nem dentro, nem além de
suas fronteiras. Então, é preciso examinar caso a caso,