Unidade de vizinhança
A unidade de vizinhança é um escalão urbano que se assemelha ao bairro e é resultado da reunião de várias unidades residenciais.[1] Ela foi idealizada como uma resposta ao crescimento dos grupos secundários[2] (característicos das grandes áreas urbanas) de forma que os grupos primários seriam reforçados, através de uma configuração urbana que propiciasse a convivência e os contatos sociais.[3]
Clarence Arthur Perry[3][4] estabeleceu a escola primária como equipamento central e o delimitador espacial de uma unidade de vizinhança: ela se estenderia de forma que sua população não ultrapassasse a capacidade de uma escola primária.
Origem
[editar | editar código-fonte]É possível notar no Plano de Barcelona, de Ildefonso Cerdá, preocupações na distribuição dos equipamentos urbanos e suas relações com os habitantes, de certa forma antecipando conceito de unidade de vizinhança.[5] No início do século XX, estudiosos constataram o desaparecimento das relações sociais entre vizinhos com o crescimento das metrópoles.[3] Esses grupos primários seriam importantes para uma vida saudável e a falta de convivência nesses grupos poderia até provocar desordens mentais.[6] A ideia então foi usar o planejamento urbano como forma de recriar essas relações.
Em 1923, Clarence Perry, inspirado em Ebenezer Howard, pela primeira vez mostra o conceito de unidade de vizinhança.[7] Para ele, os equipamentos urbanos deveriam estar próximos às habitações e estas não deveriam ser interrompidas por vias de trânsito de passagem, mas apenas tangenciadas, preservando a vida comunitária e dando segurança às crianças. Estas poderiam ir à escola sozinhas, já que os caminhos eram seguros e a distância era ideal para não cansá-las. Por isso, a escola primária era o equipamento básico de uma unidade de vizinhança.[8]
Enquanto Perry desenvolvia seus estudos, Henry Wright e Clarence Stein aplicaram conceitos parecidos nos conjuntos habitacionais de Sunnyside Garden e Radburn, próximos a Nova Iorque. Stein define a unidade de vizinhança como uma área residencial delimitada (mas não cortada) por vias de trânsito de passagem e que seriam projetadas para uma população que necessitasse de uma escola elementar.[3] Queen Carpenter confirma a função da unidade de vizinhança em recriar os laços de contatos primários, onde "os residentes se conhecem pessoalmente e têm o hábito de se visitar" e onde "os membros se encontram em terreno conhecido [...] para desenvolver actividades sociais primárias e contatos sociais espontâneos ou organizados".[9]
Difusão da ideia
[editar | editar código-fonte]O conceito de unidade de vizinhança se difundiu após os anos 20. Após a Segunda Guerra Mundial, os debates sobre a organização habitacional foram bastante influenciados pela unidade de vizinhança e modelos funcionais e organizacionais foram considerados muito importantes. A partir daí a unidade de vizinhança foi amplamente usada.[5] Seus conceitos foram usados, por exemplo, em Porto Rico, França, Inglaterra, Estados Unidos da América, Brasil, União Soviética e Áustria.[10]
Esse conceito pode ser dividido em duas correntes. A primeira, anglo-saxônica, baseia-se nas cidades jardins e em baixas densidades demográficas. É o caso do Plano da Grande Londres (a partir de 1944), de Patrick Abercombrie, e das novas cidades inglesas (da primeira e segunda gerações). A segunda corrente foi influenciada pelo racionalismo europeu e por Le Corbusier. Nela são explorados os edifícios habitacionais. São os casos das superquadras de Brasília, Conjunto Ceará em Fortaleza/CE e da Unité d'Habitation.[11]
Críticas
[editar | editar código-fonte]Por cerca de 40 anos a unidade de vizinhança foi ideia corrente no urbanismo, constituindo uma "fórmula mágica de constituir comunidades de habitantes".[11] Seu uso intenso e o tempo levariam à reflexão e às primeiras reações contra a unidade de vizinhança. Após anos de experimentação, chegou-se à conclusão de que as unidades de vizinhança não atenderam às expectativas em torno da recriação dos grupos primários.[8][12] As causas de tal fracasso seriam a própria tendência de a população urbana de se isolar (diretamente proporcional ao tamanho da cidade[8]), graças às relações sociais mais alargadas permitidas pelos meios de transportes e comunicação e à impossibilidade de evolução da forma urbana concebida, no tocante a oferecer postos de trabalho, tanto no setor terciário quanto no secundário.[12]
Apesar disso, uma das funções da unidade de vizinhança foi alcançada: dar proteção à criança.[7] Suas diretrizes de distribuição de equipamentos e serviços na área urbana também estão presentes hoje, como medidas de planejamento compatíveis com o desenho urbano[12]
Ver também
[editar | editar código-fonte]- ↑ FERRARI, 1991, p. 303
- ↑ FERRARI, 2001, pp.297-303
- ↑ a b c d LAMAS, 2004, p. 317
- ↑ FERRARI, 2001, p. 300.
- ↑ a b LAMAS, 2004, p. 318
- ↑ FERRARI, 1991, p. 298
- ↑ a b Citado por FERRARI, 1991, p. 301
- ↑ a b c FERRARI, 1991, p. 301
- ↑ Citado por LAMAS, 2004, p. 318
- ↑ FERRARI, 1991, pp. 303-304
- ↑ a b LAMAS, 2004, p. 320
- ↑ a b c LAMAS, 2004, p. 322
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- BRITO, Lauro Gurgel de; GÓIS, Veruska Sayonara de. A cidade de natal e o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV).In: Revista Constituição e Garantia de Direitos. V. 2, n. 001, 2008. Natal: Programa de Pós Graduação em Direito, UFRN. Disponível em: <http://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/view/4277>
- FERRARI, Celson. Planejamento municipal integrado. 7. ed. São Paulo: Pioneira, 1991.
- LAMAS, José M. Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenvolvimento da cidade. 3. ed. Porto: Fundação Calouste Gulbenkian; Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2004.