Educação Digital-Competências Digitais
Educação Digital-Competências Digitais
DIGITAL:
COMPETÊNCIAS
DIGITAIS
Sara Dias-Trindade
Projeto Gráfico:
Maurício Freire
Elementos gráficos:
Freepik.com
Noun Project/achmad
Noun Project/Desainer Kanan
Noun Project/Gregor Cresnar
Noun Project/iconesia
s
Sumário
SOBRE A AUTORA 5
O CONCEITO DE COMPETÊNCIA 9
LITERACIA DIGITAL 22
FLUÊNCIA DIGITAL 26
SÍNTESE 45
REFERÊNCIAS 48
s
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SOBRE A AUTORA
Sara Dias-Trindade é Doutora em História - Didática pela
Universidade de Coimbra e pós-doutora em Tecnologias
Educacionais e da Comunicação pela mesma instituição.
Atua como docente no Departamento de História, Estudos
Europeus, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra e investigadora integrada no Centro
de Estudos Interdisciplinares (CEIS20) da Universidade de
Coimbra, integrando, atualmente, a equipe de Coordenação do
referido Centro. É também investigadora na Unidade Móvel de
Investigação em Estudos do Local da Universidade Aberta e em
vários grupos de pesquisa de diferentes universidades brasileiras,
colaborando também em cursos de pós-graduação de diversas
universidades no Brasil. Tem participado em diferentes projetos
internacionais relacionados com as Tecnologias Educativas e
com a Formação de Professores (coordenando atualmente o
projeto “Competências Digitais Docentes em Portugal”, sediado
no CEIS20).
As suas áreas de interesse e investigação são as da Didática,
da Formação de Professores, das Tecnologias Educativas e
do Cinema na Educação, tendo participado em diferentes
publicações nacionais e internacionais e sido oradora convidada,
tanto em Portugal como no estrangeiro, nessas mesmas áreas.
E-mail: sara.trindade@uc.pt
Fonte: Freepik
5
ORIENTAÇÃO AOS CURSISTAS
Car@s estudantes,
Este componente curricular desenvolve-se em torno do
conceito de competências digitais, fornecendo os conteúdos
gerais fundamentais para compreender como funcionar numa
sociedade, onde o digital se encontra cada vez mais presente.
Competência digital, como terão oportunidade de observar,
é um conceito relativamente novo e que diferentes autores
consideram de difícil definição. De fato, há apenas pouco mais
de 25 anos os ambientes digitais começaram a tornar-se mais
comuns, trazendo a necessidade de ir além da explicação sobre
quais as competências necessárias para trabalhar com recursos
tecnológicos em desenvolvimento, para compreender como
fazer um uso crítico desses mesmos equipamentos em diferentes
áreas da vida de qualquer cidadão ou cidadã.
Perante tão complexo construto, este componente curricular
visa fornecer-vos uma explicação possível para um conceito
que tem vindo a evoluir e amplificar significados, numa lógica
evolutiva, em que ser competente digital se concretiza enquanto
processo evolutivo da literacia digital até à fluência digital.
Para compreender estas ideias, serão tod@s convidad@s a
saber mais sobre três grandes conceitos: competência, literacia
e fluência, associados, naturalmente, ao digital.
Numa segunda parte deste componente curricular deverão
ficar a conhecer alguns referenciais, escolhidos por estarem
preparados não apenas para determinadas áreas pessoais,
profissionais ou faixas etárias, mas sim por se procurarem
adaptar à sociedade em geral. Interessante será procurarem
perceber de que modo estes referenciais podem ser usados por
cada um de vós, nos vossos espaços de trabalho ou na vossa
vida pessoal.
Especial destaque será conferido ao referencial europeu
DigComp – Digital competence framework fo citizens (Quadro
Europeu de Referência para a Competência Digital), pelas
6
suas características e possibilidades. Espera-se que consigam
compreender a forma como foi pensado, estruturado e,
sobretudo, a sua relação com a vida real. Aqui se encontra a
base de vários outros referenciais, em particular referenciais que
podem encontrar direcionados para ambientes educativos ou
para a administração pública. Poderá o DigComp ser um bom
referencial nos vossos ambientes profissionais?
A maior parte dos textos sobre estas ideias encontram-se em
língua inglesa. Procurei, contudo, selecionar materiais com uma
linguagem simples, vídeos de curta duração, mas muito focados
no essencial da informação a proporcionar e apresentar algumas
esquematizações para facilitar alguns raciocínios.
Um desafio que aqui deixo, é que este componente curricular
seja encarado não apenas como uma aprendizagem acadêmica,
mas uma construção pessoal. Todo o componente curricular está
focado na competência digital. Antes de iniciarem, convido-vos a
uma reflexão inicial: o que é competência digital? Que dimensões
deverão fazer parte deste conceito? No meu quotidiano, sinto-
me mais ou menos competente ao nível digital? Será que
existem diferenças neste conceito consoante os espaços físicos
ou digitais em que me movo?
No final do componente será interessante repensarem estas
ideias e procurarem observar de que forma elas se modificaram,
após todas as leituras realizadas e todos os vídeos observados.
Espero que as leituras sejam úteis e que este componente
curricular seja bastante útil não só na vossa vida profissional,
mas também pessoal. Desejo profundamente que encontrem
aqui as bases para compreenderem melhor as vossas próprias
competências digitais e também para auxiliarem aqueles que se
encontram em vosso redor a também conseguirem fazer a sua
própria caminhada, usando o potencial da tecnologia digital para
potenciar diferentes atividades, a partir de um conhecimento
mais aprofundado de toda a dimensão de competência digital.
Boas leituras e boas reflexões!
Sara Dias-Trindade
7
COMPETÊNCIAS E COMPETÊNCIAS
DIGITAIS: DEFINIÇÃO DE CONCEITOS
Ao longo dos últimos anos têm-se tornado cada vez mais fre-
quentes os documentos que se referem ao uso de competências
digitais tanto na vida em geral, como em ambientes específicos,
profissionais ou educacionais.
De fato, o crescente uso das Tecnologias Digitais de Informa-
ção e Comunicação (TDIC) na sociedade atual tem impulsionado
novas formas de viver e de trabalhar, exigindo, cada vez mais, a
todos os cidadãos, o desenvolvimento de competências digitais
para alcançar os objetivos desejados. Nesse sentido, a Sociedade
vem-se adaptando, gradativamente mais, a um mundo digital,
fazendo com que recursos e equipamentos outrora encarados
apenas como sociais ou lúdicos comecem a ganhar mais espaço
em todas as áreas da vida e ocupando um lugar mais relevante
nos ambientes profissionais.
Porém, é necessário compreender efetivamente o que são
“competências digitais”, e verificar a sua articulação com os con-
ceitos de “literacia digital” e de “fluência digital” e assim iden-
tificar como se processa a evolução entre estes dois conceitos,
no sentido de uma verdadeira e completa proficiência do uso da
tecnologia digital, em particular no que concerne ao seu uso em
contexto educativo. Estes conceitos têm vindo a ser definidos,
cruzando e misturando os seus significados, mas, dada a sua
complexidade, não tem havido real consenso entre autores.
Fonte: Freepik
8
O CONCEITO DE COMPETÊNCIA
A questão da definição de “competência” tem assumido
definições ligeiramente diferentes, consoante a sua utilização
por diferentes autores, havendo também aqueles que, como
Boterf (2005), assumem como difícil de concretizar sem reduzir
a amplitude do seu significado. Porém, é comumente aceite
que o conceito abarca um conjunto de saberes, conhecimentos,
atitudes, recursos cognitivos diversos e esquemas de ação e de
avaliação para, como indica Perrenoud (1999, 2001), dar resposta
a situações diversas.
De acordo com a OECD (2005), as competências englobam
construtos muito variados, que vão bastante além de
conhecimentos ou de capacidades, e que implicam a capacidade
de concretizar tarefas complexas, mobilizando e articulando
recursos psicossociais para atingir os objetivos desejados. Nesse
sentido, não é invulgar encontrar a definição deste conceito,
em particular no que diz respeito à competência para o uso
do digital, em referenciais ou documentos relacionados com
ambientes educativos, uma vez que é frequentemente associada
a necessidade de desenvolvimento de competências em geral (e
das digitais em particular) a partir da Escola, numa etapa inicial
de formação, e necessariamente tendo continuidade em faixas
etárias mais avançadas. De fato, a ideia de “competência” torna-
se um conceito em constante evolução passível de diferentes
definições, conforme objetivos, interesses ou áreas associadas,
que evolui também com o próprio evoluir da sociedade em que
nos encontramos.
9
A noção deste conceito de competência implica,
necessariamente, uma relação com o conceito de literacia, pelo
que se torna também importante a sua explicitação. Contudo, tal
como McGarry refere, este é um conceito relativo, pois pode diferir
o seu significado de local para local. Mais do que a capacidade
de usar a linguagem ou de interpretar símbolos gráficos, “a
literacia pode denotar uma capacidade mínima de descodificação
de impressões; pode denotar uma consciência crítica dos
pressupostos culturais, das normas éticas e do valor estético da
palavra impressa” (MCGARRY, 1993, p. 83). Efetivamente, um dos
pressupostos da literacia, para além da capacidade para ler e
escrever, inclui um carácter de aprendizagem (BAWDEN, 2001), o
que nos leva, precisamente, ao argumento de que competências
e literacias são conceitos diferentes, considerando que a literacia
é, justamente, um construto que se inclui na competência e que
se encontra em constante evolução, aproximando-se, a dada
altura, da noção de fluência (DIAS-TRINDADE; FERREIRA, 2020).
Atualmente, com todas as exigências de um mundo global,
veloz e onde a transição entre o analógico e o digital é uma
constante, torna-se necessário que este conceito integre,
também, a capacidade para um uso crítico e esclarecido de
diversos recursos tecnológicos digitais.
É por isso que este processo evolutivo e este encadear entre os
diferentes termos tornam, por vezes, complexa a sua definição
e uma efetiva compreensão sobre o que podem ou devem
englobar.
A Figura 1 apresenta os principais conceitos a serem
trabalhados ao longo deste componente curricular e a relação
entre eles, a partir de uma perspectiva, primeiro, de evolução
e adaptação destes conceitos a uma evolução tecnológica e
digital da sociedade e, segundo, de relação entre os conceitos
de literacia e de fluência como um processo evolutivo dentro do
conceito mais alargado das competências. Entendemos, assim,
que a competência digital de cada um pode ir evoluindo de
uma fase, onde as habilidades se encontram num estádio mais
primitivo, até ao momento em que se vai atingindo a fluência,
10
uma maior aptidão para o desenvolvimento de práticas mais
complexas no âmbito de determinadas competências.
11
A relação entre a tecnologia e a
evolução do termo “literacia”
Como Coiro e colegas (2008) referiam, hoje falamos,
escrevemos, lemos, comunicamos de forma muito diferente
daquela como fazíamos há 500 anos. Na verdade, a forma de
comunicar hoje é já profundamente diferente da existente há
cerca de 50 anos. Por esse motivo, a capacidade de ser letrado e
de compreender a informação, que nos é apresentada, assume
hoje muitas, mais e variadas características.
Com o desenvolvimento dos computadores, surge a
terminologia “literacia informática”, a partir dos anos 1980
do século XX. Este termo compreende, de forma sintética, a
capacidade de utilizar computadores de forma funcional. Porém,
o termo abarca muito mais do que esta afirmação. Entre as
definições mais antigas encontramos a de Anderson e Klassen,
que explicam que a literacia informática implicava “qualquer
que seja a compreensão, aptidões e atitudes necessárias para
funcionar eficazmente dentro de um determinado papel social
que envolva direta ou indiretamente os computadores” (1981, p.
131).
Porém, importante também é a reflexão feita por Morgan:
“A literacia informática significa assumir o controlo do seu
computador e não deixar que este o controle. É instruído em
informática quando sente que está a dizer ao computorizar o
que fazer e não o contrário” (1998, p. 39).
Esta ideia assume, essencialmente, que não se deveria limitar
a uma literacia funcional, ou seja, de uma capacidade apenas de
ler ou comunicar, mas sim ser capaz de compreender, de forma
crítica, a informação a que se está a aceder. Esta ideia permite-
nos continuar a argumentação de evolução, dentro da etapa
da literacia, até à capacidade de nos sentirmos efetivamente
fluentes.
Shapiro e Hughes desenvolvem as várias dimensões, que
devem ser incluídas na literacia informática e que vale a pena
observar:
12
• alfabetização de ferramentas - compreensão e utilização
de ferramentas informáticas, incluindo hardware, software e
multimédia;
13
utilizado pela comunidade das ciências da informação (BAWDEN,
2008). De acordo com Bawden (2001), aos poucos o conteúdo foi
adquirindo um significado mais amplo do que a sua formulação
original baseada em competências, começando a abranger
também aspectos de avaliação da informação, e uma apreciação
da natureza dos recursos de informação. Embora ainda centrada
na informação informatizada, que se acreditava ser a mais
problemática para os seus utilizadores, cresceu para englobar a
utilização de recursos impressos e, portanto, para se sobrepor a
conceitos como “literacia bibliotecária” e “literacia mediática”.
14
(COMISSÃO EUROPEIA, 2009).
Recordamos a ideia, atrás referida, sobre a evolução da
tecnologia e a sua influência no desenvolvimento de todos
estes conceitos. Nos anos de 1990, com a entrada num mundo
digital, surge o termo “competência digital” e a ele associado
encontram-se muitos outros. Ferrari, Punie e Redecker referem-
se a este termo como “um alvo em movimento” (2012, p. 79)
e lembram alguns dos termos que a Comissão Europeia tem
utilizado: “Literacia Digital, Competência Digital, e-Literacia,
Cibercompetência, eCompetência, uso de IST sustentado por
competências básicas em TIC, competências básicas em TIC,
competências de utilizador de TIC” (2012, p. 79).
A proliferação destes termos vem ajudar a confirmar o fato de
que o digital está cada vez mais presente em todos os momentos
da nossa vida. A OECD (2005), ao definir as competências
essenciais para a sociedade do século XXI, inclui a necessidade
de ser competente no uso de “ferramentas interativas”, entre as
quais se destacam linguagens, símbolos e textos interativos. De
fato, desde os anos de 1990, a brecha digital tem vindo a ser cada
vez mais referida, quer em relatórios técnicos internacionais,
quer em diferentes documentos acadêmicos, e que vão bastante
além do simples acesso ou não acesso à Internet. Em 2015, o
Fórum Económico Mundial referia que a capacidade de acesso a
recursos tecnológicos, a educação com acesso a recursos digitais
e a proficiência computacional iriam, progressivamente mais,
ditar a diferença entre os países mais e menos desenvolvidos
(WEF, 2015).
Também o Banco Mundial (BASHIR, 2020) aponta a importância
das competências digitais para o desenvolvimento da sociedade,
mas em particular no âmbito económico, por possibilitar um
acesso melhor e mais seguro a informação quer de serviços
governamentais, produtos e notícias, agregando toda a
sociedade com maior facilidade¹.
¹O Banco Mundial destaca a importância destas questões alertando concretamente para o fato
de que “os cidadãos que não têm capacidade para digerir fontes de informação digital complexas
e concorrentes e fazer julgamentos adequados podem cair nas armadilhas da economia digital,
incluindo a fraude financeira e (especialmente para jovens e crianças) física e outra formas de abuso
e exploração” (BASHIR, 2020, p. 7).
15
Porém, como definir o que são competências digitais? Este
construto engloba, naturalmente, a capacidade de trabalho em
ambientes digitais, associando a componente pedagógica à
componente tecnológica e digital. Contudo, “competência digital”
deve materializar-se na capacidade de mobilizar conhecimentos
e atitudes para um uso efetivo da tecnologia digital em contexto
profissional.
Deste modo, para o desenvolvimento destas competências, é
necessário que os cidadãos tenham espírito crítico, sobretudo
no que toca ao discernimento sobre o uso que pode ser dado
às diferentes tecnologias digitais e aos recursos a partir delas
acessíveis (EUROPEAN PARLIAMENT AND THE COUNCIL, 2006;
INTEF, 2017; ILOMAKI et al, 2016), bem como criatividade e
confiança para usar os diferentes recursos digitais para atingir
os objetivos desejados no que diz respeito a emprego, educação,
tempos livres, inclusão e participação na sociedade (INTEF,
2017). De fato, tal como Ilomäki, Lakkaka e Kantosalo explicam,
a definição de competências digitais liga-se, um pouco, a
questões políticas e regionais, “reflete crenças e até desejos
sobre necessidades futuras, e tem as suas raízes na competição
económica em que as novas tecnologias são consideradas como
uma oportunidade e uma solução” (2011, p. 1).
Assumem, assim, a generalidade dos autores, que as
competências digitais não se resumem a competências que
permitem o desenvolvimento de tarefas em prol pessoal, mas
que o domínio destas competências pode contribuir para atingir
também objetivos coletivos (ERSTAD, 2006; GANSMØ, 2009;
ILOMÄKI et al, 2016; FROM, 2017; FERRARI, 2012; CLARO et al,
2012).
Ilomäki e colegas (2016) fizeram um estudo sobre competências
digitais através de revisão sistemática de literatura, elaborando
o quadro que se apresenta na Figura 2 e que mostra claramente
o fato de que a competência engloba diversas literacias, entre
as quais se destacam as literacias mediáticas, da informação,
mas também, por exemplo, multimodais. Como argumenta
Löwy (1992), é um conceito que carece de uma certa imprecisão
16
e abertura para permitir que pessoas de diferentes tradições se
juntem no seu uso.
17
1. Competências técnicas e práticas na utilização de tecnologias
digitais, que são base central para a competência digital. Este
primeiro aspeto está próximo dos estudos tecnológicos.
18
Figura 3 - Partes que compõem uma definição de competência
digital
19
como colaboração, criatividade e capacidade de resolução de
problemas, para além de qualidades ao nível do caráter como
persistência, curiosidade e iniciativa (DIAS-TRINDADE; MOREIRA,
2017; WEF, 2015). Por outro lado, a pervasividade dos ambientes
e dos recursos digitais nas mais variadas esferas da vida de
qualquer um de nós torna fundamental este cruzamento entre
estas competências transversais e as competências elencadas
por van Laar e colegas.
Apesar disso, ainda se encontram muitos cidadãos pelo mundo
que enfrentam dificuldades em se movimentarem, de forma
fluída, por espaços que cruzam o físico e o virtual. Em 2020,
16% da população não usava a internet de forma regular e essa
percentagem aumentava bastante quando se reportava a zonas
de rendimentos mais baixos (por exemplo, na região da América
Latina e Caribe a percentagem chega a duplicar) (OECD et al,
2020). Para além disso, em 2019, 42% dos cidadãos europeus
ainda não tinham competências digitais básicas (CARRETERO
GOMEZ, 2021). A brecha digital agrava-se quando se analisam
os dados relativos às mulheres, aos menos academicamente
qualificados e aos mais velhos, que apresentam uma tendência
para ter níveis mais fracos de competências digitais e maiores
hipóteses de serem digitalmente excluídos (CARRETERO GOMEZ,
2021).
No caso da União Europeia, esta preocupação com a
capacitação digital dos seus cidadãos tem sido uma realidade
ainda, desde os anos 90 do século XX. Dias-Trindade e Carvalho
(2019) apresentam de forma detalhada os projetos europeus,
desenvolvidos a partir da iniciativa eEurope - an information
society for all, aprovada durante o Conselho Europeu em Lisboa,
em março de 2000, com o objetivo de que “as tecnologias
digitais estivessem em toda a Europa e que todos os cidadãos
europeus tivessem competências para as usar” (DIAS-TRINDADE;
CARVALHO, 2019, p. 29). À estratégia eEurope 2002, seguiram-se
a eEurope 2005, que visava reforçar a ideia de inclusão digital
dos cidadãos europeus; a iniciativa i2010, focada, sobretudo, na
relação das tecnologias digitais com o emprego e a economia
europeia e cujos objetivos continuaram na Agenda Digital
20
Europeia, que decorreu entre 2010 e 2020. É no âmbito desta
iniciativa que a União Europeia promove a definição do seu
primeiro referencial para as competências digitais dos cidadãos
(DigComp), cujas dimensões serão detalhadas no ponto seguinte.
O seu objetivo era mostrar o potencial das tecnologias digitais
não só na educação, contribuindo para a inovação pedagógica,
mas também na aprendizagem ao longo da vida e o necessário
aumento destas competências em diferentes áreas do quotidiano
de todos os cidadãos.
De fato, na maior parte dos países da OECD são os Ministérios
da Educação que têm a cargo a promoção de programas, que
visam o desenvolvimento de competências digitais a partir da
escola. Existem, porém, exemplos de outros países que procuram
a capacitação de grupos específicos da população, com vista
a diminuir a já referida exclusão digital³, ou que procuram a
capacitação, em geral, de toda a população. Exemplo disso
mesmo é o caso português.
Procurando a formação dos cidadãos portugueses, em
particular através de ações centradas na educação, uma vez
que o enfoque na formação dos jovens se revelará sempre
fundamental a médio e longo prazo, diferentes governos
têm vindo a introduzir estratégias apenas relacionadas com a
modernização do parque tecnológico português em geral e das
escolas em particular, mas também no sentido da formação e
inclusão digital de todos os cidadãos.
Esta aposta reflete-se no projeto iniciado em 2017 – Iniciativa
Nacional de Competências Digitais e.2030, Portugal INCoDe.2030
– para promover um quadro de competências digitais concebido,
especialmente, para o futuro e para as oportunidades que
podem surgir desta formação, e com um claro compromisso de
preparar as gerações mais jovens e responder a três grandes
desafios: generalizar a literacia digital de toda a população;
estimular a empregabilidade e a formação profissional na área
das tecnologias digitais; assegurar uma forte participação
³A OECD, em 2016, publicou um trabalho com alguns exemplos de boas práticas para a promoção de
competências digitais dos cidadãos. Vejam-se em pormenor esses exemplos em OECD. Working Party
on Measurement and Analysis of the Digital Economy. Skills for a digital world. Background Paper
for Ministerial Panel 4.2. 2016. Disponível em https://pmb.cereq.fr/doc_num.php?explnum_id=3105
21
internacional em redes de investigação e desenvolvimento
e produção de conhecimento em áreas digitais (PORTUGAL,
2017). Já no contexto da pandemia da COVID-19, o Conselho de
Ministros português aprovou o Plano de Ação para a Transição
Digital, que se assume ser “o motor de transformação do país”
(2017, p. 3), e que visa pôr em prática um conjunto variado de
medidas para proporcionar a digitalização do país. Estas medidas
estão organizadas em três pilares principais, sendo o primeiro
dedicado à formação e inclusão digital, e que inclui a educação e
requalificação digital e a formação profissional.
Literacia Digital4
Sendo, então, o termo “competência digital” considerado, como
acabámos de referir, um conceito tão complexo, compreende-
4
Estas temáticas relativas a literacia e fluência digital são reproduzidas do texto DIAS-TRINDADE, S.;
FERREIRA, A. G. Digital teaching skills: DigCompEdu CheckIn as an evolution process from literacy to
digital fluency. ICONO14, v. 18, n. 2, p. 162-187, 2020. https://doi.org/10.7195/ri14.v18i2.1519.
22
se que seja, de fato, de difícil definição. Será esta também uma
justificação para a dificuldade, tantas vezes encontrada, para
compreender que competência digital não significa a mesma
coisa que literacia ou fluência digital. Na verdade, entendemos
que estas são etapas dentro do construto “competência digital”.
O termo literacia digital começa a ser utilizado nos anos de
1990 e é com Lanham (1995) que encontramos o argumento para
diferenciar a literacia digital das literacias pré-digitais: a literacia
digital envolve a capacidade de decifrar, por exemplo, imagens ou
sons, para além de texto. A mesma fonte digital pode gerar todos
esses recursos, interligados, tornando-se, assim, necessária a
capacidade para compreender e assimilar estas novas formas de
apresentação. Já Gilster (1997) salienta que a literacia digital se
refere ao domínio de ideias, não de teclas de computador. Nesse
sentido, para Gilster ser digitalmente letrado implicava então a
compreensão sobre mais do que o uso de tecnologias digitais,
sendo necessário compreender que o uso desses equipamentos
poderia efetivamente ser feito, de uma forma intrínseca à vivência
de qualquer ser humano, praticamente, impossível de detalhar
em listas de capacidades. Gilster é um dos primeiros autores a
reconhecer na literacia digital uma “competência essencial à vida
humana”.
Bawden agrega quatro principais componentes da literacia
digital:
1. Fundamentos:
- alfabetização propriamente dita
2. Conhecimentos de base
- o mundo da informação
3. Competências centrais
- leitura e compreensão de formatos digitais e não-digitais
23
- avaliação da informação
- montagem do conhecimento
- literacia de informação
- literacia mediática
4. Atitudes e Perspectivas
- aprendizagem independente
24
a literacia digital foi rigorosamente definida como
a capacidade de utilizar tecnologias digitais, de
navegar, recolher, analisar e avaliar a informação e
o conhecimento, de construir nova informação, de
criar expressões digitais e de comunicar com outros,
tanto durante o processo de aprendizagem como no
desempenho das suas funções (KIM, 2019, p. 5).
25
Fluência digital
De acordo com diversos autores (CISMARU et al, 2018; SARI et
al, 2020), o termo fluência digital terá sido utilizado pela primeira
vez por Papert e Resnick (1995), ao se referirem à “fluência
tecnológica” como algo que implicava, para além de saber como
usar a tecnologia, saber produzir coisas importantes com essa
mesma tecnologia.
Como Briggs e Makice (2011) explicam, tal como quando
falamos de fluência numa dada língua ou na prática de um
instrumento musical, a competência digital requer efetiva
prática. Referem estes autores que “porque a experiência em
primeira mão é tão crítica para a aprendizagem, o processo para
se tornar fluente exige um investimento de tempo e paciência,
connosco próprios e com os que nos rodeiam” (2011, p. 61).
Assim, atingir a fluência digital requer o domínio de todo um
conjunto de outras valências, nomeadamente a capacidade de ir
além de um pensamento crítico para criar novos conhecimentos
e enfrentar novos desafios (MILLER; BATLETT, 2012; SPARROW,
2018), para além de saber “o que fazer” e “como fazer”, saber
também articular o “quando” e o “porquê” (BRIGGS; MAKICE,
2011). É nesse sentido que, num workshop organizado, em 2006,
pelo National Research Council, um dos participantes indicava
que enquanto a literacia é “funcional”, a fluência é “expressiva,
adaptativa e capaz de lidar com a ambiguidade” (NRC, 2006, p.
26
29).
Diferentes autores remetem, também, para a capacidade de
ir além do simples conhecimento e, a partir das competências
já adquiridas, conseguir reagir perante uma sociedade em
constante evolução e mudança, adaptar-se a novas situações
e construir novos conhecimentos (MILLER; BARTLET, 2012;
SPARROW, 2018; ASHFORD, 2015; GLEWA; BOGAN, 2007;
HSI; PINKARD; WOOLEY, 2005). Niessen (2013) refere, neste
contexto, que a fluência digital envolve criação e comunicação
de ideias complexas e de novos sentidos, bem como ser capaz
de compreender todas essas ideias e sentidos. Estes novos
significados, estes novos sentidos, esta capacidade de criar
sempre algo novo é o resultado de constantes evoluções,
sobretudo, no que diz respeito à articulação entre um mundo
que flui entre o analógico e o digital e onde esse mesmo digital
está em constante adaptação às necessidades das populações
(PAPERT; RESNICK, 1995; NIESSEN, 2013).
Mais do que literacia digital, a fluência digital exige que se
adquira:
27
uma capacidade de alcançar de forma fiável os
resultados desejados através da utilização de
tecnologia digital. Esta capacidade é ajudada ou
dificultada pelas forças situacionais e pela fluência
digital dos outros. Uma pessoa digitalmente fluente
sabe não só o que fazer com uma tecnologia e como
fazê-lo, mas também quando e porquê utilizá-la de
todo (2011, p. 120).
28
à medida que a evolução ocorre, os organismos
têm de tornar-se cada vez mais sofisticados, não
para adquirirem uma vantagem competitiva,
mas apenas para se manterem vivos enquanto os
outros organismos presentes no sistema evoluem
constantemente e se tornam mais competitivos
(2017, p. 5).
29
“adaptação às necessidades das populações”. Remete para a
consciência indispensável de que não basta apenas pensar no
que para si é mais útil (um dado recurso digital, uma estratégia,
um equipamento) para transmitir a sua mensagem, mas também
compreender as necessidades de outros e a capacidade destes
de aceder aos conteúdos e às estratégias delineadas por si.
De fato, neste contexto de rápida evolução tecnológica, estas
desigualdades, se não forem acauteladas, podem fazer aumentar,
cada vez mais, as disparidades entre países e mesmo entre
grupos sociais. Quando o uso de ambientes digitais se torna
mais frequente em todos os setores, é necessário compreender
as características técnicas, cognitivas e sociológicas que possam
definir as dimensões da competência digital.
Mas não foi apenas a União Europeia que se preocupou com
a preparação de um referencial para as competências digitais.
Desde que se começou a popularizar o termo “competência
digital”, diferentes instituições e acadêmicos têm procurado
elaborar referenciais que possam criar um quadro conceptual
mais claro, auxiliar na compreensão deste complexo construto
e, sobretudo, procurando fornecer diretrizes mais precisas sobre
as diferentes dimensões que devem ser promovidas (com uma
clara consciência de que esta formação começa na escola, mas
necessita ser desenvolvida também ao longo da vida) de forma
a contribuir para funcionar de forma efetiva num mundo onde o
digital está cada vez mais presente.
30
vida em sociedade, “tão necessária como uma carta de condução”
ou mesmo como “uma competência de sobrevivência”, como
referido por Gilster (1997).
A partir das análises efetuadas, definimos competência digital
como um construto que engloba mais do que competências
técnicas, que necessita de uma interação entre a capacidade de
operar com diferentes recursos e equipamentos digitais (bem
como a capacidade de constantemente aprender e adaptar-
se a partir da sua evolução) e a capacidade de construir nova
informação, de atingir os objetivos necessários (profissionais,
pessoais, económicos, etc.), a partir da mobilização de
competências transversais como o pensamento crítico digital,
a colaboração digital, ou criatividade digital. Uma completa
imersão em tudo o que está associado a este conceito será
então o que dita a evolução de estádios iniciais, a literacia digital,
para estádios mais avançados e que se podem considerar de
fluência digital. Quando o cidadão consegue articular todas estas
capacidades, de forma fluída, sabendo quando se movimentar
online e offline, conseguindo ir além do espírito crítico para,
efetivamente, usar a tecnologia digital para potenciar a forma
como atinge os seus objetivos – escolhendo não só que recurso
digital facilita a obtenção do resultado, mas compreendendo
qual o que melhor o auxilia – então pode considerar-se fluente
digital.
Vamos ver, no próximo capítulo, como diferentes instituições
têm vindo a organizar referenciais de competências digitais,
úteis para os cidadãos do século XXI.
31
REFERENCIAIS PARA AS
COMPETÊNCIAS DIGITAIS
Como atrás referido, conscientes da complexidade de
operacionalização do constructo “competência digital”, diferentes
organismos internacionais têm, nos últimos anos, procurado
elencar todas as competências que devem ser desenvolvidas
em contexto educativo, para ultrapassar o estádio da literacia
digital e chegar à fluência digital, tendo sido já produzidos vários
referenciais e modelos com vista à inclusão digital de todos os
cidadãos.
Apresentam-se, em seguida, alguns dos referenciais já
produzidos (Tabela 1), destacando-se, com algum pormenor,
os referenciais que se consideram mais relevantes no contexto
atual (da UNESCO e da União Europeia).
Referenciais de competências
digitais
Os referenciais apresentados na Tabela 1 são apenas alguns
dos mais conhecidos e citados em documentos oficiais ou acadê-
micos e foram selecionados também por terem sido preparados
para a população em geral 7.
7 Para mais informações sobre outros referenciais, pode consultar-se o texto de Ferrari, Punie e Redecker
(2012) ou o trabalho de Perifanou e Economides (2019), citados nas referências bibliográficas. Para
referenciais relativos a ambientes educativos, pode consultar-se o trabalho de Dias-Trindade e Moreira
(2021), também constante da bibliografia.
32
Fonte: Autoria própria, 2022
33
objetivos diferentes: quer uma progressão que tem em conta a
idade do público-alvo (na Irlanda, por exemplo, o ICT framework
for schools in Ireland tem os níveis organizados de acordo com o
ano de escolaridade dos alunos, associado ao seu nível esperado
de autonomia e trabalho independente), outros referenciais
vinculam os níveis de progressão ao trabalho ou c, cada vez
mais, com aplicativos digitais, ou à capacidade de progredir
de um nível de utilizador para o de programador. Outros ainda
preparam os níveis de acordo com uma evolução ao nível da
complexidade cognitiva (como é o caso do referencial DigEuLit)
(FERRARI, 2012).
a) Referencial de Eshet-Alkalai
Eshet-Alkalai realizou alguns estudos entre os anos de 2002 e
2004, a partir dos quais enunciou aquilo que entendeu serem as
dimensões fundamentais de um referencial para “sobreviver na
era digital”. Este trabalho apresenta os cinco tipos de literacia
que, segundo o autor, serviriam para conseguir viver em
ambientes digitais.
Os cinco tipos de literacia apresentados são:
• Literacia visual e fotográfica, ou seja, saber retirar informação
da imagem;
• Literacia da “reprodução”, chamando o autor a atenção para
a necessidade de ir além do ctrl C ou ctrl V, saber ir além de
uma reprodução exata, bem como transformar a informação
recolhida em mais informação e não ficar pela mera “cópia”;
• Literacia “lateral”: capacidade para navegar num mundo
digital que não é linear, sendo por isso necessário desenvolver
8
um pensamento multimodal e flexível ;
• Literacia da informação: como refere Eshet-Alkalai, “não
confiar em ninguém”. Articula-se esta ideia com a do pensamento
crítico, aliás considerado fundamental precisamente no que à
competência digital diz respeito, compreendendo a capacidade
8
A este propósito chamamos a atenção para a Teoria da Flexibilidade Cognitiva de Rand Spiro. Para
auxiliar na compreensão de sistemas complexos Spiro desenvolveu, nos anos 1980, a Teoria de
Flexibilidade Cognitiva, com o objetivo de preparar “as pessoas para selecionar, adaptar e combinar
conhecimento e experiência de novas maneiras, para lidar com situações que são diferentes daquelas
que encontraram antes” (SPIRO, 2002).
34
de saber filtrar, analisar e criticar toda a informação a que se
tem acesso; e
• Literacia sócio emocional, incluindo a capacidade de
trabalhar de forma colaborativa em novos ambientes, partilha
de informação e participação em comunidades digitais que
9
permitem amplificar o conhecimento a que se pode aceder .
No fundo, o autor agrega aqui algumas das ideias fundamentais,
que referimos no ponto anterior, para ser competente digital. O
modelo é interessante pois terá sido um dos primeiros a pensar
uma estrutura de referencial, a partir de algumas das informações
que, desde meados dos anos 1990, começavam a veicular quer
em termos de documentação política, quer acadêmica.
b) ACTIC (Acreditação de Competências em Tecnologias da
Informação e da Comunicação)
A Generalitat de Catalunya (Espanha) promoveu o
desenvolvimento de um projeto interdepartamental que, a partir
das orientações europeias, produziu o seu próprio referencial que
busca a formação dos cidadãos e a promoção das competências
digitais entre todos. A ACTIC tornou-se, assim, uma certificação
oficial da Catalunha, ainda hoje em curso, dividida em três
níveis – básico, intermédio e avançado – e que visa, a partir de
formação, o desenvolvimento de até oito competências (Tabela
2).
A Generalitat tem vindo a incentivar o desenvolvimento de
competências digitais da sua população, quer através do apoio à
concretização deste referencial, quer através de outros projetos,
muito próximos do referencial europeu – veja-se o exemplo do
referencial para as competências digitais na educação, preparado
pelo Instituto Nacional de Tecnologias Educativas y de Formación
10
del Professorado (INTEF), em 2017 .
9
Esta ideia relaciona-se muito com a proposta de George Siemens sobre o conectivismo. O conectivismo
é uma assunção de que o conhecimento é um ato coletivo, assente num processo de formação de
redes, que procura contemplar aquilo que podemos aprender com base nas ligações que temos, nas
conexões que fazemos, nas “redes” que criamos (SIEMENS, 2005).
10
O INTEF tem um intenso trabalho produzido a partir dos referenciais europeus, que pode ser
consultado em https://intef.es/quienes-somos/
35
Tabela 2 – Competências ACTIC por nível
Fonte: https://actic.gencat.cat/ca/actic_informacio/actic_competen-
cies_i_nivells/
36
• capacidade de resolução de problemas – 12 módulos.
Alguns dos módulos estão disponíveis no site da Fundação,
em acesso aberto, permitindo ao utilizador verificar a estrutura
11
formativa . Apesar de privado, é um bom exemplo de associação
de formação em diferentes áreas de competências digitais,
preparada a partir do referencial DigComp, permitindo aos
interessados o investimento em áreas de formação individual,
ao seu próprio ritmo, de acordo com as suas necessidades.
d) Digital Skills Framework
Desenvolvido pela organização NetHope, o referencial Digital
Skills foi preparado a partir do pressuposto de que a evolução
constante da tecnologia exige mais do que as habituais dimensões
inovação, criatividade, capacidade de resolução de problemas,
comunicação e colaboração e literacia digital e da informação,
que, no ponto anterior, foram amplamente referidas.
Este projeto defende, por isso, o estabelecimento de seis
dimensões, resultado de uma atualização das cinco dimensões
apresentadas no DigComp, adicionando-se uma dimensão
associada ao empreendedorismo:
• Informação e Literacia Digital conduzem a uma nova Literacia
Técnica, que constitui a base para todas as outras competências
no quadro.
• A dimensão Comunicação e Colaboração dá origem a
Colaboração Altamente Adaptativa.
• Resolução de Problemas evolui para uma competência de
resolução de problemas complexos.
• Segurança. Desenvolver uma identidade online positiva,
e construir uma reputação digital, ao mesmo tempo que ser
seguro, leva a uma competência em torno da Responsabilidade
Digital.
• A dimensão Criatividade & Inovação não sofre alterações e
continua a ser um pilar no referencial.
11
Veja-se um desses exemplos, em acesso aberto, em: https://icdleurope.org/digital-student/
information-literacy/
37
• Espírito Empreendedor é uma parte importante de um
13
conjunto de competências digitais. Envolve uma atitude
de fracasso rápido, e um sentimento de propriedade. Os
colaboradores podem olhar para problemas ou processos
antigos com novos olhos. Desafiam antigas formas de trabalho e
são abertos, cocriadores com um foco no lazer dos utilizadores e
clientes, e possuem uma forma ágil de trabalhar dentro de uma
12
organização.
Para cada uma destas seis dimensões, são apresentadas
propostas de leitura, de vídeo e de cursos adequados (pagos)
e workshops e materiais de acesso aberto preparados por
membros da NetHope13.
Curiosa a introdução desta sexta dimensão, empreendedora,
mas que nos parece bastante ajustada. A União Europeia
preparou, em 2016, um referencial para as competências
empreendedoras (EntreComp), entendendo, nessa mesma altura,
a importância de o articular com os outros referenciais que se
encontravam a ser organizados, em c+particular, precisamente,
o DigComp e o DigCompEdu.
e) Digital Literacy Global Framework
Em linha com o que foi referido no capítulo 1, sobre a
competência digital poder diferir consoante a região e os
objetivos associados, a preparação deste referencial teve
precisamente em conta a diversidade dos países e dos contextos.
Nesse sentido, para além do referencial propriamente dito, a
equipe de trabalho organizou dois percursos de competências
digitais diferenciados, tendo em conta as áreas da agricultura
e de governança, mostrando como as diversas dimensões de
competências digitais podem compreender diferentes práticas
(LAW et al, 2018).
Construído tendo por base o DigComp, o referencial da UNESCO
apresenta sete áreas de competência: fundamentos de hardware
e software; literacia de informação e dados; comunicação e
12
Retirado de: https://solutionscenter.nethope.org/resources/digital-skills-framework
13
Estes recursos ainda se encontram em desenvolvimento, podendo ser encontrados já 4 workshops
sobre Informação, Responsabilidade Digital, Espírito Empreendedor e Literacia Técnica, em: https://
solutionscenter.nethope.org/resources/digital-skills-workshops
38
colaboração; criação de conteúdos digitais; segurança; resolução
de problemas; e competências relacionadas com a carreira
profissional.
O que torna este referencial diferente do DigComp é o
fato de que as competências relacionadas com dispositivos
de manipulação foram acrescentadas como uma área de
competência 0 (por exemplo, ligar/desligar um equipamento,
interagir com a interface gráfica, etc.), as competências
relacionadas com a carreira profissional foram acrescentadas
como uma sexta área de competência (por exemplo, utilizar
sistemas de gestão de aprendizagem para educadores, ou
utilizar equipamento de fabrico assistido por computador para
engenheiros) e a competência 5.5 – pensamento computacional
– foi acrescentada na Área 5.
f) DigComp
O projeto desenvolvido pelo Joint Research Centre da União
Europeia, através do EU Science Hub, iniciou-se em 2005, com
a preparação de um referencial de competências digitais dos
cidadãos: o seu objetivo era mostrar o potencial das tecnologias
digitais não só na educação, contribuindo para a inovação
pedagógica, mas também na aprendizagem ao longo da vida e
o necessário aumento destas competências em diferentes áreas
do quotidiano de todos os cidadãos. Este documento serve de
base a todos os que lhe seguiram e que se articulam entre si,
cobrindo diferentes áreas de trabalho e da sociedade (Tabela
03); ficou pronto em 2013 e sofreu atualizações em 2016 e em
2017 (em janeiro de 2021 foi aberta uma consulta pública para
nova revisão deste referencial – DigComp 2.2 –, prevendo-se a
sua publicação em 2022).
39
Fonte: Autoria própria, 2022
14
Os principais objetivos do referencial DigCompOrg são encorajar a autorreflexão e a autoavaliação
no seio das organizações educativas, à medida que estas aprofundam progressivamente o seu
envolvimento com a aprendizagem e pedagogias digitais, e permitir aos decisores políticos (a nível
local, regional, nacional e internacional) conceber, implementar e avaliar programas, projetos e
intervenções políticas para a integração das tecnologias de aprendizagem digital nos sistemas de
E&T. Mais informação sobre este referencial pode ser encontrada em: https://ec.europa.eu/jrc/en/
digcomporg/framework.
15
De acordo com Brecko e Ferrari (2016), a competência digital do consumidor é definida como a
competência de que os consumidores necessitam para funcionar de forma ativa, segura e assertiva no
mercado digital. Esta definição baseia-se no trabalho existente sobre a competência dos consumidores
e sobre as competências digitais gerais, tal como definidas no quadro do DigComp 2.0. Este relatório
introduz o modelo conceptual de referência (DigCompConsumers) que apresenta 14 competências
e dá exemplos de cada competência em termos de conhecimentos, aptidões e atitudes (p. 2). Pode
consultar-se a sua versão em língua portuguesa em: https://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/
handle/JRC103155
16
Redecker (2017) reconhece a importância dos professores enquanto modelos fundamentais, para
demonstrar como se pode fazer um uso criativo e crítico das tecnologias digitais, mas, mais do que
isso, para auxiliar os seus estudantes no processo de aprendizagem e para construir com os seus
estudantes ambientes digitais de qualidade. Deste modo, o referencial DigCompEdu organiza as
competências digitais dos docentes em seis dimensões, que englobam quer o trabalho autônomo
do professor, quer a sua relação com os seus colegas, quer, também, na aplicação das competências
digitais não só nas suas aulas, mas também na capacitação dos estudantes. Mais informação sobre
este referencial pode ser encontrada nos trabalhos citados na bibliografia: Dias-Trindade e Ferreira
(2020) e Dias-Trindade e Moreira (2021).
17
O EntreComp é um modelo bastante abrangente e completo, compreendendo um total de quinze
competências relacionadas com o empreendedorismo e divididas em segmentos, que são definidos
através dos resultados da aprendizagem, sendo que estes resultados são mapeados em oito níveis
diferentes de progressão, do fundamental ao perito. Através deste documento podem ser disseminados
os conhecimentos, as habilidades e as atitudes de inovação, de resolução de problemas e de pensar
individual e coletivamente as grandes questões emergentes na sociedade atual, como sejam as
questões ecológicas, tecnológicas e da globalização. Para conhecer mais sobre este referencial, pode
consultar-se a sua versão traduzida para português em: https://tinyurl.com/539jeckr
18
O referencial europeu e-Competence foi preparado a partir do trabalho realizado por peritos e
profissionais da área de diversos países europeus, a partir do Workshop CEN ICT Skills, que se tem
vindo a realizar desde 2003. Entre 2008 e 2014 foi sendo preparado e atualizado, proporcionando
uma linguagem comum para descrever as competências, incluindo competências e requisitos de
conhecimentos dos profissionais, profissões e organizações de TIC em cinco níveis de proficiência, e foi
concebido para satisfazer as necessidades dos indivíduos, empresas e outras organizações dos setores
público e privado. Para mais informações sobre este referencial, pode consultar-se o URL https://
www.ecompetences.eu/
40
O Joint Research Centre da União Europeia é um gabinete
que se tem dedicado, nos últimos anos, à preparação de
quadros de referência que contribuam para o desenvolvimento
de competências de diferente natureza, fundamentais para a
construção de uma ideia diferente de cidadania para a sociedade
digital do século XXI.
É exemplo disso o primeiro relatório publicado em 2013, sobre
as competências digitais dos cidadãos, o DigComp, ao qual se
seguiram três: um para as organizações, o DigCompOrg, em 2015;
outro, em 2016, para os consumidores, o DigCompConsumers; e
finalmente, em 2017, o DigCompEdu, que resulta da consciência
de que é fundamental que os professores dominem um conjunto
de competências digitais específicas para usufruir do potencial
das tecnologias digitais e, assim, potenciar e inovar a educação
(REDECKER, 2017). Relativamente a este último quadro de
referência para as competências digitais, é importante destacar a
criação de uma escala de autoavaliação docente, o DigCompEdu
CheckIn, que permite aos professores identificar o seu nível de
proficiência digital e, em função das suas respostas, desenvolver
ações de capacitação que respondam às suas necessidades
específicas, tendo esta escala já sido traduzida e validada para
a população portuguesa por Dias-Trindade, Moreira e Nunes
(2019).
Estes quadros europeus de referência de competências,
empreendedoras e digitais têm vindo a ser trabalhados em
estreita articulação, com o objetivo de promover e disseminar
boas práticas e de desenvolver políticas comuns que visem o
crescimento global da União Europeia, em diferentes níveis que
são enriquecidos com o digital.
A preparação do DigComp, como pode ser observado na Tabela
3, já envolveu 3 atualizações e encontra-se, como já referimos,
numa quarta atualização em curso. Estas atualizações são o
reflexo prático do que foi referido no capítulo um, a propósito
da constante evolução da tecnologia e, consequentemente,
constante necessidade de aprendizagem e de adaptação a
novos recursos e novas possibilidades dos ambientes digitais.
41
Exemplo disso, na atualização do referencial DigComp, é o
reconhecimento da importância que a Inteligência Artificial tem
vindo a assumir nos mais variados contextos, pelo que deve ser
incluída em diferentes dimensões do referencial.
Outra questão importante no referencial DigComp, e que o
tem tornado num modelo constantemente usado como base
de trabalho para outros referenciais, é o fato de assentar no
pressuposto de que a competência digital abarca conhecimento,
capacidades e atitudes, devidamente articuladas de acordo
com a sua relevância para diferentes áreas de competências
e organizadas de acordo com níveis de proficiência que se
traduzem em resultados de aprendizagem.
De fato, a preparação deste referencial acompanhou as
recomendações produzidas por Ferrari, no relatório de 2012,
e que relatavam também a importância de que este tipo de
referencial acompanhe uma ligação prática à vida real (FERRARI,
2012).
Explica-se, em seguida, de forma sumária, a organização do
referencial DigComp, realçando-se a necessidade de acompanhar
a sua evolução e a sua atualização que será disponibilizada no
19
início de 2022 .
O DigComp apresenta cinco áreas de competência, com um
total de 21 competências, cada uma dividida em oito níveis de
proficiência, para além de exemplos de uso aplicados a dois
cenários diferentes: um de aprendizagem e outro de emprego
(Tabela 4).
20 20
Tabela 4 – Organização do referencial DigComp
19
O referencial europeu e-Competence foi preparado a partir do trabalho realizado por peritos e
profissionais da área de diversos países europeus, a partir do Workshop CEN ICT Skills, que se tem
vindo a realizar desde 2003. Entre 2008 e 2014 foi sendo preparado e atualizado, proporcionando
uma linguagem comum para descrever as competências, incluindo competências e requisitos de
conhecimentos dos profissionais, profissões e organizações de TIC em cinco níveis de proficiência, e foi
concebido para satisfazer as necessidades dos indivíduos, empresas e outras organizações dos setores
público e privado. Para mais informações sobre este referencial, pode consultar-se o URL https://
www.ecompetences.eu/
20
A versão 2.1 do referencial não apresenta a Dimensão 4, relativa a uma discriminação de exemplos
relativos a conhecimentos, atitudes e valores. Essa dimensão pode, contudo, ser consultada na primeira
versão deste referencial, em: https://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/handle/JRC83167
42
Fonte: Carretero Gomez, Vuorikari e Punie (2017), traduzido por Lucas e Moreira
(2017, p. 9)
43
cidadão em geral exemplos práticos de como pode combinar
as competências com as suas necessidades quotidianas. Como
referido na explicação deste referencial,
Fonte: Carretero Gomez, Vuorikari e Punie (2017), traduzido por Lucas e Moreira
(2017, p. 30)
21
Estes níveis de proficiência articulam, precisamente, a complexidade da tarefa, o nível de autonomia
e o domínio cognitivo.
44
Nesta articulação entre as competências e os exemplos de uso,
consegue-se que qualquer cidadão faça a sua própria análise
sobre as suas competências digitais e procure compreender de
que forma pode fazer a sua progressão de níveis mais iniciais,
dentro do estádio da literacia digital, para níveis mais avançados
e próximos da fluência digital.
SÍNTESE
Compreender, efetivamente, o conceito de competência digital
é fundamental, hoje, para funcionar em pleno na sociedade. A
progressão, cada vez mais veloz, da tecnologia, tem contribuído
para incluir, progressivamente, a competência digital na definição
de uma cidadania plena.
Nesse sentido, e apesar de ser praticamente impossível
apresentar uma definição de competência digital, é, sobretudo,
importante compreender o que ela pode abarcar, a articulação
entre técnica, cognição e atitudes, e, principalmente, que o que
isto significa é que a exposição às tecnologias digitais não é
condição para ser digitalmente proficiente.
Daí que várias instituições e profissionais têm, desde finais
dos anos 1990, procurado apresentar referenciais que consigam
auxiliar estudantes, profissionais em gerais ou da área das
tecnologias em particular a navegarem no oceano digital e
fazerem uso da tecnologia ao invés de serem usados por ela.
Alguns destes referenciais têm por objetivo encaminhar
45
para processos de aprendizagem ativa na área das tecnologias
digitais, outros visam, sobretudo, uma compreensão individual
do caminho que pode ou deve ser seguido.
Destacamos, neste texto, a importância do referencial
DigComp, importância essa reconhecida também por diversos
autores, dada a investigação por trás deste documento e a
preocupação dos seus autores em o aproximarem o mais
possível dos domínios multifacetados da competência digital
e que, como Ferrari, Punie e Redecker (2012) explicam, implica
uma articulação entre gestão da informação, colaboração,
comunicação, partilha, criação de conteúdos e de conhecimento,
ética, capacidade de resolução de problemas e, naturalmente,
conhecimentos técnicos e operacionais. Referido de diversas
maneiras ao longo da primeira parte deste texto, estas são as
áreas fundamentais da competência digital, espelhadas no
DigComp de uma forma muito articulada com o quotidiano da
sociedade.
A importância da competência digital está, precisamente,
em saber articular com o dia a dia, bem como saber que há
uma aprendizagem constante a fazer, a partir de um realista
conhecimento do potencial e das fragilidades individuais, para
conseguir aproximar-se da fluência digital, compreendendo,
também, que em determinadas áreas de competência se pode
ser mais fluente e, noutras, apresentar maiores dificuldades.
46
VÍDEO EM ACESSO ABERTO
Apesar do áudio em inglês, na página do projeto European
Digital Professions Roadmap, encontram-se 5 pequenos vídeos
sobre as cinco áreas do DigComp que vale a pena visualizar
47
REFERÊNCIAS
ANDERSON, R. E.; KLASSEN, D. L. A conceptual framework for
developing computer literacy instruction. AEDS Journal, v.
14, p. 128-150, 1981.
48
oito níveis de proficiência e exemplos de uso. Aveiro: UA,
2017.
49
DigCompEdu CheckIn as an evolution process from literacy to
digital fluency. ICONO14, v. 18, n. 2, p. 162-187, 2020. https://
doi.org/10.7195/ri14.v18i2.1519.
50
FERRARI, A. Digital Competence in Practice: An Analysis of
Frameworks. JRC Technical Reports. Luxembourg: Publications
Office of the European Union, 2012.
51
KIM, K. T. The Structural Relationship among Digital
Literacy, Learning Strategies, and Core Competencies
among South Korean College Students. Educational
Sciences: Theory & Practice. V. 19, n. 2, p. 3-21, 2019.
52
Education. Washington, DC: The National Academies Press,
2006.
53
REDECKER, C. European Framework for the Digital
Competence of Educators: DigCompEdu. EUR 28775 EN.
Luxembourg: Publications Office of the European Union,
2017. https://doi.org/10.2760/159770.
54
ZURKOWSKI, P. The information service environment:
relationships and priorities (Report ED 100391). Washington,
DC: National Commission on Libraries and Information
Science, 1974.
55