[go: up one dir, main page]

0% acharam este documento útil (0 voto)
5 visualizações21 páginas

Vinhetas Insólitas da MTV: Identidade Televisiva

A MTV, desde sua criação nos anos 1980, utiliza vinhetas experimentais e nonsense, conhecidas como IDs, para construir sua identidade televisiva voltada ao público jovem. Essas vinhetas refletem um posicionamento contestador e inovador, rompendo com convenções e gerando novas significações. O insólito, como elemento central, amplia as possibilidades de interpretação e estabelece uma conexão emocional com os espectadores.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
5 visualizações21 páginas

Vinhetas Insólitas da MTV: Identidade Televisiva

A MTV, desde sua criação nos anos 1980, utiliza vinhetas experimentais e nonsense, conhecidas como IDs, para construir sua identidade televisiva voltada ao público jovem. Essas vinhetas refletem um posicionamento contestador e inovador, rompendo com convenções e gerando novas significações. O insólito, como elemento central, amplia as possibilidades de interpretação e estabelece uma conexão emocional com os espectadores.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 21

O INSÓLITO COMO IDENTIDADE TELEVISIVA: AS VINHETAS DA MTV

PONTE, Raquel*
NIEMEYER, Lucy**

Resumo: Desde sua criação nos anos 1980, a MTV, primeiro canal segmentado de televisão, tem veiculado vinhetas
experimentais com forte aspecto nonsense. Essas vinhetas, chamadas de ID pela emissora, compõem sua identidade
televisiva, comunicando o perfil do canal para seu público-alvo. Seu aspecto insólito transmite o posicionamento da
MTV, que deseja ser vista como uma programadora contestadora com estética voltada para um público jovem. Quase
um século depois das experiências surrealistas e algumas décadas após o Psicodelismo, é interessante notar o impacto
que o insólito continua a exercer ao apresentar significações inabituais que fogem ao código convencionado.

Palavras-chave: Insólito; MTV; Identidade Televisiva; Semiótica.

Introdução
O termo insólito tem por etimologia o verbo soer que significa ser comum, frequente, vulgar
e o prefixo in, que nega este sentido. Desta forma, o Dicionário Michaelis (1998) registra o verbete:

Insólito adj (lat insolitu) 1 Que não é habitual. 2 Estranho. 3 Que é contrário ao uso, às
regras, aos hábitos; extraordinário. 4 Incrível.

O insólito faz-se presente, portanto, em toda ruptura de costumes, quebrando as expectativas


que decorrem do hábito. Podemos compreendê-lo, sob a ótica da Semiótica de Charles Sanders
Peirce (1839-1914), como uma reversão do simbólico, pois ele objetiva romper padrões, criando
sentimentos inusitados no intérprete. Nas artes plásticas, alguns movimentos de vanguarda fizeram
uso do nonsense no âmbito visual seja como meio de contestação aos valores preestabelecidos, seja
como proposta de novas formas de pensar, como uma outra opção de se relacionar com o mundo.
O design, que utiliza signos visuais, também pode incorporar uma estética do absurdo, desde
que ela seja adequada à comunicação de uma peça com seu público-alvo específico. Por ser uma
atividade projetual, o design deve identificar a conformidade entre o uso do insólito em um produto
e seu receptor, a fim de usá-lo como um importante ferramental que vise gerar uma identificação
entre a peça de design e o consumidor, satisfazendo suas necessidades e seus desejos.
O canal segmentado MTV – Music Television, por meio de pesquisas, identificou os
interesses de seu público-alvo, composto por jovens de classes A e B, e criou uma identidade
televisiva, expressa em suas vinhetas de identidade, também chamadas de ID´s, que transmitem os
conceitos, valores e promessas da emissora. Desde sua criação, em 1980, essa identidade prima por
imagens insólitas, com relações nonsense entre si, que se transformaram na marca registrada da
empresa. Tais vinhetas se firmaram como uma revolução visual em comparação aos demais canais
mais tradicionais e influenciaram toda uma geração. Apesar do sucesso de sua identidade televisiva
e do público atualmente já estar mais familiarizado com o insólito, que vem sendo usado há quase
um século nos meios visuais, ainda há reações à quebra das convenções nas significações, que ora
são relacionadas com o humor, ora com pesadelos.

O Insólito como Quebra do Simbólico


O filósofo americano Charles Sanders Peirce dedicou-se a várias campos científicos durante
sua vida: Química, Astronomia, Física, Biologia, Filosofia, Literatura etc (Cf. SANTAELLA, 2005:
30). Legou uma obra extensa, embora nunca tenha terminado ou editado um livro. Seus escritos se
compõem apenas de ensaios publicados em periódicos e de manuscritos, que se encontram na
Universidade de Harvard, parte deles publicada em coletâneas e parte – a maior, cumpre frisarmos –
, não tendo sido sequer transcrita. Mais conhecido por seus estudos em Semiótica, também chamada
por ele de Lógica, desenvolveu uma arquitetura filosófica complexa, que compreende
Fenomenologia, Metafísica, Estética, Ética, Cosmologia, entre outros campos de estudo. Sempre em
diálogo com outros filósofos, não se limitou a criticar as respostas dadas por seus antecessores, das
quais discordava, mas também apresentou soluções que a ele pareciam melhor representar o
universo em que vivemos.
A Semiótica, para Peirce, compreende três subdivisões. A Gramática Especulativa, primeiro
ramo que serve de suporte para os demais, estuda a natureza do signo – aquilo que representa algo
para uma mente –, fazendo uma classificação e uma tipologia de seus elementos constituintes: o
representâmen, o objeto e o interpretante. A Lógica Crítica pesquisa os tipos de argumento:
abdução, indução e dedução. E a Metodêutica ou Retórica Especulativa analisa os métodos
científicos.
A definição de signo e a classificação de seus tipos insere-se no primeiro ramo da Semiótica:
a Gramática Especulativa. Signo, para Peirce, é “(...) aquilo que, sob certo aspecto ou modo,
representa algo para alguém” (Peirce apud SANTAELLA, 2004: 12). Como tratado no livro
Elementos de Semiótica Aplicados ao Design (NIEMEYER, 2007: 25), “o signo tem o papel de
mediador entre algo ausente e um intérprete presente”. Essas frases são reveladoras de alguns
aspectos do signo. O primeiro aspecto refere-se ao caráter de mediação, de representação do signo:
é pela relação de um primeiro com um segundo que se gera – determina – um terceiro. O segundo
aspecto é a exposição, nas citações anteriores, dos três elementos constituintes do signo:
representâmen (ou signo em si), objeto (algo / algo ausente) e interpretante.
O representâmen é o primeiro correlato da relação triádica do ponto de vista lógico, pois
medeia a relação de representação, sendo por meio dele que o intérprete tem contato com o signo.
Assim, o representâmen pode ser entendido como o aspecto perceptivo do signo, como a forma pela
qual o signo se apresenta. “A primazia lógica é do signo, mas a primazia real é do objeto. O objeto é
determinante, mas só nos aparece pela mediação do signo” (SANTAELLA, 1998: 44).
Esse primeiro correlato é determinado por um segundo, seu objeto. Como nos diz Peirce: “O
signo representa algo [...], não em todos os sentidos, mas em referência a um tipo de ideia [...]"
(Peirce apud SANTAELLA, 2004: 12, grifo nosso). Assim, o signo só pode representar
parcialmente seu objeto. De outra forma ele seria o próprio objeto e não sua representação. É
possível, entretando, conhecer um pouco mais do objeto representado por experiência colateral, isto
é, pela mediação de outros signos que se refiram ao mesmo objeto. No caso da identidade
televisiva, por exemplo, pode-se ter acesso aos conceitos que o canal deseja transmitir – seu objeto
– não apenas pelos signos visuais, mas também pelos sonoros, o que contribui para um melhor
conhecimento da mensagem que o canal deseja transmitir. Importante frisar que esse segundo
correlato não corresponde apenas a um objeto material, existente, real, do universo físico. Pode ser
imaterial, do universo do pensamento, tal qual uma ideia, um pensamento, um sonho, um conceito,
como no exemplo anterior etc.
O objeto determina o signo, que por sua vez determina um efeito em uma mente
interpretadora – intérprete – existente ou potencial: um interpretante. Quando se usam os termos
mente interpretadora e intérprete não se está tendo uma visão antropocêntrica da semiose, pois ela
não se restringe à mente humana. Desta forma, um animal, uma célula, uma inteligência artificial ou
qualquer outro intérprete que tenha, como consequência de uma semiose, uma qualidade de
sentimento, uma reação ou um entendimento geral é uma mente interpretadora. A semiose, para
Peirce, é “um processo muito mais vasto e fundamental envolvendo o universo físico no processo
da semiose humana, e fazendo da semiose humana uma parte da semiose da natureza” (DEELY,
1990: 23). No ato de interpretação atuam “filtros fisiológicos (acuidade de percepção), filtros
culturais (ambiente, experiência individual) e emocionais (atenção, motivação)” (NIEMEYER,
2007: 27). Além disso, baseando-se na teoria da comunicação, o repertório, entendido aqui como
“uma espécie de vocabulário, de estoque de signos conhecidos e utilizados por um indivíduo”
(COELHO NETTO, 2007: 123), relacionado ao já citado filtro cultural, também influencia na
interpretação.
Definidos os três elementos da tríade sígnica e suas subdivisões, vale acrescentar que, para
Peirce, cada um desses elementos constitui um signo. Assim o objeto – um signo – determina um
signo, que determina, por sua vez, um interpretante – também signo. Essa seria a semiose genuína,
que impulsiona o crescimento e a continuidade, pois se um interpretante é um signo, ele passa a
determinar um novo interpretante (igual ou mais desenvolvido) e assim sucessivamente. Da mesma
forma, podemos retroceder pelo objeto que, sendo também um signo, está no lugar de um objeto
anterior, numa regressão infinita. Esse processo infinito é chamado semiose ilimitada.
Importante destacar que Peirce ampliou consideravelmente a noção de signo, tratando uma
simples qualidade de sentimento como signo. Para ele, além dos signos genuínos, que apresentam
relações triádicas (cada elemento sendo um signo), existem também os degenerados (não há nesse
termo nenhum aspecto pejorativo) ou quase-signos, que não geram processos ilimitados. Na
verdade estes últimos signos são os mais comuns em nossas experiências, sendo o signo genuíno
“muito mais um constructo teórico do que um signo atualizado e utilizável” (SANTAELLA, 2004:
71).
Vale frisar que o processo de semiose, para Peirce, depende de uma mente interpretadora,
sendo o elemento interpretante imprescindível para a realização do signo. Para ele, a tríade constitui
o signo como “um representamen (sic) do qual algum interpretante é a cognição de uma mente”
(PEIRCE apud NÖTH, 2008: 134). Por isso, a semiótica peirceana é diretamente vinculada com as
ciências cognitivas, pois a cognição, na semiose ilimitada, é um “signo-pensamento [...] traduzido
ou interpretado por um subsequente” (Peirce apud NÖTH, 2008: 134).
Peirce estabeleceu algumas tricotomias, que tratam das relações entre os elementos
constituintes do signo. A mais conhecida descreve a relação do signo com seu objeto, que pode ser
icônica, indicial ou simbólica. No ícone, o que existe é uma relação de semelhança e não relacional,
por se tratar de uma mônada. Sendo assim, o representâmen é idêntico ao objeto. Isto pode ocorrer
por qualidade imagética (ícone puro), estrutural (diagrama) ou conceitual (metáfora). Sua baixa
referencialidade e maior indeterminação proporcionam alto poder evocativo. O foco, no signo
icônico, encontra-se no primeiro elemento lógico da tríade – o representâmen.
O índice tem sua ênfase no próprio objeto (o segundo), por ser uma díada, mantendo uma
relação existencial com ele, estando fisicamente conectados. Os signos indiciais “ (...) referem-se a
individuais, unidades singulares (...)” (Peirce apud NÖTH, 2008: 83). A fotografia é um dos
exemplos desse tipo de signo, pois a luz refletida de um objeto impressiona os grãos de prata.
Assim, o objeto fotografado deixa um traço, um resquício, ao gerar o representâmen.
No símbolo, a relação entre representâmen e objeto baseia-se na arbitrariedade
(convencionada por hábito ou lei). O terceiro elemento (seu interpretante) é que nos permite
conhecer o objeto, pois não há nenhuma relação natural de semelhança ou existência entre ele e o
representâmen. O uso de alianças, por exemplo, representa o compromisso matrimonial (se usado
na mão esquerda) ou o noivado (se usado na direita) para um grupo específico de intérpretes, os
cristãos, que identificam o objeto por partilharem da mesma convenção. Qualquer outro grupo que
conheça essa regra, ainda que não seja cristão, poderá compartilhar da mesma interpretação, ao
contrário de quem o desconhece. No símbolo, portanto, faz-se necessário conhecer o código para
interpretar o signo, identificando seu objeto. Em relação aos demais tipos dessa tricotomia, o
símbolo apresenta menores possibilidades de interpretação, pois é convencionado. Quanto mais
tendemos para a iconicidade, maior a amplitude interpretativa de um signo.
O insólito, portanto, subverte a lógica do simbólico, pois quebra a expectativa que se cria em
um hábito. À medida que um estímulo se repete e que se firma uma convenção, passamos a notar
uma regularidade e prevemos sua ocorrência futura. Quando as relações esperadas são rompidas,
cria-se um estranhamento, ampliando as possibilidades de interpretação, que antes seriam pequenas
na presença de um código. A interpretação não ocorre mais em um nível de entendimento racional e
não se traduz em uma resposta de ação, mas paira em um primeiro patamar de recepção: no
emocional. O insólito, ao negar intencionalmente o simbólico, estabelece relações novas entre os
signos visuais. A falta de convencionalidade na relação entre o interpretante e o representâmen faz
com que o terceiro elemento não seja mais a chave para a compreensão do signo. As novas
significações criadas deverão ser muito mais sentidas que racionalizadas.

Insólito nas Artes Visuais e no Design


Nas artes visuais, o insólito apareceu como forma de contestação das convenções do início
do século XX, muito influenciada pela irracionalidade das duas grandes guerras. Já na década de
1960, período de grandes revoluções sociais, culturais e políticas, o nonsense retorna aos
movimentos de vanguarda, em uma releitura decorrente de um momento histórico de crise em que a
sociedade ocidental se encontrava.
Dadá foi um movimento de contestação de todos os valores na literatura e nas artes
plásticas, que surgiu em 1916 na suíça Zurique, a única cidade européia onde se podia ter
tranquilidade naquela época de guerra (Cf. TELES, 1972: 100), e que, por isso, recebeu escritores e
artistas refugiados de toda a Europa. “São os anos da Primeira Guerra Mundial, cuja mera
conflagração pôs em crise toda a cultura internacional. Pôs em crise, ao lado dos demais valores, a
própria arte; esta deixa de ser um modo de produzir valor, repudia qualquer lógica, é nonsense, faz-
se (se e quando se faz) segundo as leis do acaso” (ARGAN, 2002: 353). A falta de lógica da guerra
colocava em xeque o movimento racionalista, que pretendia promover o progresso social. Uma
série de movimentos acreditava que a arte seria o elemento que reconduziria a humanidade para a
razão, como o Construtivismo, a Bauhaus e a arquitetura funcionalista. Outros, como o Dadaísmo,
entendiam a opção pela guerra como uma tomada de decisão errada, decorrente da ciência e da
tecnologia, e que se devia, portanto, retornar ao zero para recomeçar.
Imbuídos de uma “[...] decepção amarga e raivosa com a cultura, a moral, a religião, em
suma, a civilização, que não impedia a guerra [...]”, (CAVALCANTI, 1978: 165) os dadaístas
buscavam desmistificar os valores culturais, ao criar manifestações desordenadas e desconcertantes
em atos de improviso, utilizando materiais de maneiras inabituais. O acaso estava muito presente
nas concepções do grupo, tanto que o nome Dadá foi escolhido aleatoriamente ao abrir um
dicionário. Escreve o poeta romeno Tristan Tzara (1896-1963): “Encontrei o nome casualmente ao
meter uma espátula num tomo fechado do Petit Larousse e tendo logo, ao abrir-se, a primeira linha
que me saltou à vista: DADÁ” (apud TELES, 1972: 102).
O Dadaísmo, entretanto, era uma vanguarda negativa, pois visava apenas contestar os
valores, sem propor uma nova relação entre sociedade e arte, uma vez que os artistas julgavam ser
isto impossível. Assim, para os dadaístas, a verdadeira arte seria a antiarte. “Dadá não quer produzir
obras de arte, e sim ‘produzir-se’ em intervenções em série, deliberadamente imprevisíveis,
insensatas, absurdas” (ARGAN, 2002: 354). O que se busca é inverter a lógica corrente: atribuir
valor ao que não era valorizado, caso do mictório de Marcel Duchamp (1887-1968) exposto em um
museu, e destituir de valor o mitificado, caso da Gioconda de bigodes, também de Duchamp.

Figura 1: Fonte de Duchamp | 1917: Mictório Invertido1


Figura 2: L.H.O.O.Q de Duchamp | 1919: Monalisa com Bigodes2

O movimento Dadá foi influenciado pelas descobertas do inconsciente feitas por Sigmund
Freud (1856-1939), pai da psicanálise, divulgadas na Suíça naqueles tempos. Após o fim do grupo
em 1922, por divergências entre o subgrupo alemão e o francês, o Dadaísmo evoluiu, por obra desse
último, em 1924, para o Surrealismo, que aprofundou ainda mais o insólito nas artes plásticas,
porém sem o negativismo do Dadá. Os surrealistas, fossem escritores, pintores, cineastas e
dramaturgos, exploraram as relações inusitadas entre os elementos em suas criações artísticas, pois
“[...] coisas que se afiguram distintas e não relacionadas para a consciência revelam-se interligadas
por relações tanto mais sólidas quanto mais ilógicas e incriticáveis” (ARGAN, 2002: 360). Para
eles, o inconsciente não era apenas uma dimensão psíquica mais bem explorada pela arte, visto
trabalhar com a imagem, mas a própria dimensão da existência estética. Nele estavam os impulsos
mais essenciais da personalidade, que podiam ser percebidos nos sonhos.

Figura 3: A Tentação de Santo Antônio de Salvador Dalí | 1973 (LARKIN, 1974)


O Surrealismo se apropriou de ações dadaístas, criando peças que fugiam do sentido
habitual delas. Na pintura muitas vezes utilizavam-se técnicas tradicionais, o que acentuava o
nonsense, já que se buscava uma representação visual das partes o mais próxima do visível, sendoo
todo, porém, desconectado das relações que o consciente capta no cotidiano convencionado. O
movimento, em seu manifesto, definia-se como puro automatismo psíquico revelador das
manifestações inconscientes fora do controle da razão, que, por isso, eram absurdas e ilógicas.
Como disse o poeta francês André Breton (1896-1966), “o irreal é tão verdadeiro quanto o real. O
sonho e a realidade são vasos comunicantes” (apud CAVALCANTI, 1978: 174). Os surrealistas, ao
retratar sonhos e imagens inconscientes, tendiam para o uso do humor, pois, ainda que as relações
insólitas possam ser angustiantes por fugirem da lógica tradicional, elas também podem seguir para
uma direção oposta: criar situações absurdas e risíveis ao reverter expectativas.

Figura 4: A Lâmpada Filosófica de René Magritte | 1936 (PAQUET, 1995: 69)

O Surrealismo influenciou vários movimentos estéticos, tendo penetrado no mundo do


Design de Produto e no Design Gráfico. A curadora da exposição Surreal Things realizada em 2007
no Museu Victoria and Albert (V&A) em Londres, Ghislaine Wood, disse: “Nós esperamos nessa
mostra explorar como o surrealismo penetrou o mundo do design, criando uma nova linguagem
visual de modernidade. Ele capturou a imaginação popular e ainda é tremendamente poderoso
hoje”3. Uma característica comum entre as 250 peças de design de cunho surrealista expostos nessa
mostra é o seu caráter de objeto de luxo. Orientados por uma lógica de consumo, seu público-alvo
eram os clientes excêntricos e ricos4

Figura 5: Telefone de Lagosta de Salvador Dalí | 19385


Figura 6: Mesa com Patas de Meret Oppenheim | 19396

Na década de 1960, o insólito se fez ainda mais presente no design com o Psicodelismo. O
termo deriva de psicodelia, do grego psiké=alma e delos=manifestação, referindo-se, portanto, às
manifestações de aspectos da mente antes escondidos. A experiência psicodélica poderia ser
induzida pelo uso de narcóticos e era, naquele período, associada à estimulação da criatividade, à
libertação dos sentidos, à abertura das portas da percepção – o livro As Portas da Percepção de
Aldous Huxley (1894-1963), de 1954, abordou a utilização da mescalina pelo autor e influenciou a
cultura hippie, servindo de inspiração para o nome da banda americana The Doors. Esse movimento
libertário, surgido nos Estados Unidos, desejava opor-se à cultura de consumo vigente, aos valores
até então estabelecidos e à guerra do Vietnã. Grupos minoritários – negros, mulheres, gays etc –
desejavam firmar seu espaço na sociedade, mudando seus papéis.

“Começavam a se delinear, assim, os contornos de um movimento social de caráter


fortemente libertário, com enorme apelo junto a uma juventude de camadas médias
urbanas e com uma prática e um ideário que colocavam em xeque, frontalmente, alguns
valores da cultura ocidental, especialmente certos aspectos essenciais da racionalidade
veiculada e privilegiada por esta mesma cultura” (PEREIRA, 1986: 8)

O caráter contestador do Psicodelismo e sua busca por formas não racionais e não ocidentais
de expressão desenvolveu-se na música, na moda, na pintura, no cinema e nas artes gráficas: capas
de discos, pôsteres para shows, cartazes de filmes etc. Teve um ciclo de vida curto, porém exerceu
grande impacto em toda a sociedade ocidental.

Figura 7: Capa do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, com direção de arte de Robert Fraser e
design de Peter Blake | 19677
Figura 8: Pôster dos shows de The Grateful Dead, Junior Wells e The Doors, de Wes Wilson | 19678

O insólito nas cores, nas formas, nas relações entre os elementos advinha das experiências
alucinógenas, que ofereciam novas percepções sensoriais, que não ocorriam no dia a dia. Muitos
designers escolhiam suas paletas de cores a partir do efeito visual do LSD. Com esse ácido,

“[...] o usuário entra num estado de grande sugestionabilidade: sua capacidade de


receber e analisar de forma estrutural as informações do ambiente fica distorcida. A
experiência pode induzir a um estado de cruzamento dos sentidos [...]. A percepção
espacial também é alterada e as cores têm suas intensidades realçadas; imagens
caleidoscópicas e tridimensionais flutuam no vazio” (BOTTINO: 2006).

Apesar do caráter questionador do Psicodelismo em face das formas sociais estabelecidas,


ele foi incorporado pela lógica de consumo, pois as grandes empresas descobriram o grande
potencial de mercado que eram os jovens. Como diz Bottino (2006), “Toda uma linha de produção
– discos, roupas, espetáculos – foi concebida a partir deles para eles. [...] O consumo transformava a
contestação [...] num rendoso produto de consumo”.
Como pudemos ver, a contestação da racionalidade em momentos de crise na sociedade, seja
no início do século XX com as duas grandes guerras, seja na década de 1960, com as mudanças de
paradigmas econômico e político (Cf. HARVEY, 2007), abriram espaço para o nonsense, o
absurdo, o onírico nas diversas formas de expressão humanas. Nas artes visuais e no design, os
elementos constituintes que puderam ser revertidos foram as cores, formas, funções ou relações
entre eles. Por estar o insólito associado a uma ruptura com os padrões preestabelecidos e pela
proximidade histórica de um movimento altamente influente como o Psicodelismo – há apenas
quarenta anos que nos separam dele – a estética nonsense passou a ser grande referência para o
universo jovem. A emissora de televisão MTV, que dialoga com um público juvenil e traz um novo
conceito de canal, segmentado e voltado exclusivamente para música jovem – basicamente rock em
seus primórdios – soube abordar o insólito em sua identidade televisiva, fazendo dele sua marca
registrada nas vinhetas de identidade.

A Identidade Televisiva
A identidade televisiva é um sistema sígnico, composto de signos sonoros (timbres, ritmos,
intensidade etc), visuais (como cores, formas, linhas, tipografias, grafismos, estilos, texturas etc), e
verbais, signos esses que representam os valores, os conceitos e as promessas de uma marca: seu
objeto. Ela tem grande importância estratégica para uma emissora, pois, por ser um serviço
intangível, a televisão apresenta consequente perecibilidade: a audiência de um programa em
determinado horário não pode mais ser aumentada depois de sua transmissão. E grande audiência
para a televisão é sinônimo de alto número de anunciantes. Para que o canal possa atingir o máximo
de telespectadores, incrementando seu lucro, há a necessidade de atrair os clientes e mantê-los.
Tanto na TV aberta quanto na fechada, o zapping é um procedimento comum do espectador.
A programação da televisão aberta é gratuita e, no caso da fechada, paga-se por um conjunto de
canais e não por emissoras individualmente. O assinante passa a ter disponível uma gama de
emissoras que ele pode ir testando, já que, sendo a televisão ser um serviço, o consumo ocorre
durante a apreciação do programa. A fim de manter o público para uma próxima atração, a
identidade televisiva primeiramente cumpre a função anunciar a programação, de forma a aumentar
a curiosidade do espectador. As vinhetas interprogramas de identidade, ou vinhetas on-air, que são
transmitidas entre os blocos de programação, isto é, nos intervalos comerciais, apresentam a grade
não só para os que já estão sintonizados na emissora, como também para aqueles que, zapeando,
acessam o canal durante o intervalo comercial.
Uma outra função da identidade televisiva é resolver o problema do alto grau de
intangibilidade inerente aos serviços. Por serem abstratos, há necessidade de se usarem indícios que
legitimem a vantagem de se escolher um ou outro canal. As vinhetas interprogramas de identidade
ajudam a criar uma sólida imagem organizacional, se transmitirem adequadamente seus valores e
mantiverem uma coerência entre sons, imagens e textos. “Por causa da intangibilidade e da falta de
fontes objetivas de informações para avaliar os serviços, o tamanho do risco percebido nas compras
de serviços é geralmente maior do que aqueles associados a compra de bens” (HOFFMAN &
BATESON, 2006: 34). E risco percebido não se relaciona a preço necessariamente, mas a risco
emocional também. Quando um indivíduo, ao final de um dia, busca distrair-se com a televisão,
almeja que o programa escolhido cause a emoção por ele desejada, seja prazer, medo, tensão, etc,
com o risco de que esse desejo se torne frustração. Por isso, uma imagem organizacional respeitada
promove a diminuição do risco percebido pelo cliente em potencial, o que gera mais segurança para
que o serviço seja consumido.
Desenvolver lealdade da marca faz com que clientes, que se sentem seguros, não busquem
experimentar outros canais de televisão. A satisfação do cliente mantém sua fidelidade à emissora e
fidelidade gera hábito de consumo. Ao assistir habitualmente um canal, o público passa a conhecer
a grade de programação, aprendendo a lógica de sua emissora. Isso faz com que seja mais difícil
para ele mudar de canal, pois toda mudança envolve um novo custo de aprendizado. A
familiaridade contribui para que o consumidor já saiba o que esperar daquela emissora. A falta de
conhecimento de um determinado canal torna o espectador perdido, pois ele desconhece o produto
que pode ser oferecido, o que aumenta a percepção de risco.
Porém essa lealdade alcançada não decorre apenas do conhecimento do canal, nem da
satisfação que o programa pode gerar, nem de uma imagem organizacional sólida. Uma das
principais funções da identidade televisiva é a apresentação de signos que veiculam significados
que os consumidores possam compartilhar. Como escreve Bauman (2008: 24) “a ‘subjetividade’
dos consumidores é feita de opções de compra – opções assumidas pelo sujeito e seus potenciais
compradores; sua descrição adquire a forma de uma lista de compras. O que se supõe ser as
materializações da verdade interior do self é uma idealização dos traços materiais – ‘objetificados’ –
das escolhas do consumidor”. No consumismo das sociedades pós-modernas, o ato de consumir
significa o investimento por parte do consumidor na sua própria ‘vendabilidade’. Ele deseja
incorporar significações veiculadas pelas mercadorias para aumentar sua atratividade, isto é, seu
valor social. Segundo Bauman, a próprio indivíduo vira mercadoria. “Tornar-se e continuar sendo
uma mercadoria vendável é o mais poderoso motivo de preocupação do consumidor, mesmo que
em geral latente e quase nunca consciente” (BAUMAN, 2008: 76). A identidade televisiva expressa
nas vinhetas on-air, ao transmitir os valores corporativos, torna-se produto de consumo. Ao assistir
determinado canal de televisão, por exemplo, o telespectador torna evidente sua identidade para a
sociedade.
Portanto, diferentemente das vinhetas de abertura dos programas, que buscam transmitir as
mensagens condizentes com o próprio programa, as vinhetas on-air referem-se à identidade
corporativa do canal. Elas são a embalagem da emissora e buscam diferenciar e identificar o canal,
sintetizando sua personalidade. As vinhetas interprogramas de identidade ou ID´s, como você está
assistindo, a seguir, voltamos já etc, além das vinhetas que apresentam apenas a assinatura visual –
logotipo e símbolo – da emissora, compreendem a identidade televisiva do canal, que,
diferentemente da identidade visual, apenas restrita ao sentido da visão, veicula, além de textos e
imagens em movimento, sons que devem ser coerentes entre si para representar a marca do canal.

[...] as complexidades que se apresentam para a leitura da infografia devem-se ao fato


de que a chave semiótica da computação gráfica não está só na imagem, mas nas
ligações indissolúveis da imagem computacional com a forma de engendramento que é
constitutiva da sintaxe sonora. A rigor, a questão do tempo como passagem,
sucessividade, evanescência, não pertence à lógica da visualidade, mas sim à lógica da
narrativa, que é eminentemente verbal e muito mais especialmente à lógica da música,
que se constitui no território onde o tempo reina soberano (SANTAELLA & NÖTH,
2005: 89).

A grande questão das emissoras é criar uma identidade consistente sem o excesso de rigidez
e estabilidade que ocorria nas aplicações das identidades visuais tradicionais. Por trabalhar com
imagens de maior dinamismo e com a transmissão de informações cada vez mais veloz, a identidade
de uma emissora exige maior fluidez – sem perder a força –, o que reflete a mudança de paradigma
ocorrida na segunda metade do século XX. “Enquanto consistência sempre funcionou bem em
impressos, displays e embalagens, a imagem em movimento sempre foi capaz de ter variações e
mudanças constantes de forma controlada9” (MERRITT, 1987: 19).
Uma das características de fluidez da identidade televisiva em relação à identidade visual
tradicional é a possibilidade de atualização periódica das vinhetas. Enquanto o logotipo e a
assinatura visual são mais estáveis, visando durar décadas sob a mesma forma, a identidade
televisiva pode ser modernizada de 3 em 3 anos, 5 em 5 anos. Assim, a essência da marca se
mantém a mesma, uma vez que os valores de marca não foram alterados, mas podem-se fazer
pequenos ajustes à mudança dos interesses e das necessidades da audiência. Enquanto uma
alteração na identidade televisiva configura-se como um ajuste da marca aos seus consumidores,
uma mudança na assinatura visual representa uma transformação radical na essência do projeto de
marca.

“Um canal de televisão não é um organismo estático e imutável. Muito ao contrário, sua
essência é mutável e apresenta constantemente diferentes caras de forma alternativa. [...]
A consequência disso é a impossibilidade de conceber sua imagem de marca como um
valor imutável. Ela deve ser flexível, fluida, sensível às mudanças ocorridas em seu
entorno10” (RÀFOLS & COLOMER, 2006: 83)

A identidade televisiva, portanto, tem por principal objetivo transmitir os valores, promessas
e missão da marca aos telespectadores, sendo um tipo de materialização da marca em signos
sonoros, visuais e verbais. Ela participa de um processo de semiose de crescimento e evolução,
fazendo com que seu sistema sígnico gere outros signos indefinidamente. A identidade televisiva
busca, por meio de uma constância de suas aplicações, criar uma identificação com o consumidor,
por comunicar significações afins com os interesses e os desejos, aumentando a credibilidade da
emissora.

A História da MTV
A MTV – Music Television foi lançada em 1º de agosto de 1981 nos Estados Unidos com a
frase "Ladies and gentlemen, rock and roll11", dita por um dos seus criadores, John Lack, ao som de
Video killed the radio star, da banda New Wave The Buggles. Pertencente ao grupo multinacional
de entretenimento Viacon Inc, foi o primeiro canal 24hs exclusivamente voltado para música.
Inteiramente integrada à indústria cultural, representou uma revolução para as empresas ligadas ao
meio musical.
A indústria de rádio americana, com uma programação voltada principalmente para um
público adulto, vivia uma crise no final da década de 1970, assim como a indústria fonográfica, que
sofria uma baixa em suas vendas (Cf. SOARES: 9). A dependência da gravadora com relação a esse
meio de comunicação de massa ficava evidente, pois as emissoras, ao veicularem as músicas,
contribuíam para alavancar a vendagem dos LPs. Nesse sentido, a criação da MTV supriu uma
necessidade comercial importante da indústria fonográfica, que se podia valer não só do som, mas
também das imagens, para divulgar seus cantores e grupos, fortalecendo o star system. Como diz
Teixeira (2006: 25), “Alguns músicos conseguiram aproveitar ao máximo a superexposição
proporcionada pela MTV, utilizando esta inclusive para ‘alavancar’ suas carreiras. Madonna e
Michael Jackson são casos clássicos. Não foi à toa que eles se tornaram grandes ídolos da ‘geração
MTV’ ”.
A programação era composta de videoclipes que se sucediam, em contraste aos programas
das televisões tradicionais, que tinham unidade de significação. Essa sequenciação se aproximava
da lógica do rádio e, por isso, os apresentadores dos clipes eram chamados de VJs (videojóqueis),
como referência aos DJs (disc-jóqueis). O slogan I want my MTV ficou famoso nas vinhetas do
canal ao ser narrado por astros da música internacional. “Transformar a televisão num meio musical
significou, a partir de sua natural disposição audiovisual, potencializar a sua característica de
‘áudio’, fazendo com que o ‘visual’ fosse atrelado a uma dinâmica dos artistas da música popular
massiva” (SOARES: 8).
A MTV foi um dos primeiros canais segmentados com uma programação voltada para
jovens na faixa etária de 12 a 34 anos (Cf.TEIXEIRA, 2006: 20), que geram grande volume de
consumo. Com essa especialização, diferentemente da TV generalista que visa atender um público
de massa e, por isso, tende a nivelar as variações entre receptores por meio de programas mais
indiferenciados (Cf. SANTAELLA, 1996: 33), a emissora segmentada pode ter sua comunicação
mais bem controlada. O executivo que lançou a MTV, Robert Pittman, falou na época: “Eu amo
pesquisa. [...] eu uso pesquisa para descobrir o que as pessoas gostam e o que elas estão fazendo”12.
Esse movimento de segmentação do mercado no setor televisivo foi uma reação natural à maior
competitividade que ocorreu a partir da década de 1980 com a inserção de novos entrantes devido
ao movimento de liberação e desregulamentação no setor das telecomunicações ocorrida em
diversos países, que diminuiu o poder dos Estados Nacionais (Cf. TORRES, 2005: 31).
Apesar da dificuldade financeira inicial na criação da emissora, ela logo se consolidou como
uma das mais populares na década de 1980. Nos oito primeiros meses, ganhou U$7 milhões em
receita de anúncios e em maio de 1983 já tinha 125 anunciantes, que divulgavam 200 produtos13,
incluindo empresas como PepsiCo e Kellogg. No final daquele mesmo ano, a receita de anúncios
foi de U$1 milhão e, em 1984, já recebiam U$1 milhão por semana.
Atualmente a MTV Networks utiliza o sistema de franquias e tem filiais espalhadas pelo
mundo inteiro: MTV Europa, MTV Latino, MTV Brasil, MTV Japão, MTV Ásia, MTV Mandarim
(China e Hong Kong), MTV África do Sul, MTV Austrália e MTV Rússia. Ela, como licenciadora,
vende sua marca e produtos às franqueadas, oferecendo atendimento. Seu sucesso decorre da
aplicação de seus valores às culturas locais, seguindo o princípio de administração Think Globally,
Act Locally – pense globalmente, aja localmente. Por isso, apesar de manter os mesmos ideais da
matriz americana, a equipe é contratada pelas filiais e a programação desenvolvida nos países onde
ela é transmitida. Além disso, como escreve Teixeira (2006: 21), “[...] há um constante intercâmbio
de idéias e programas entre as diversas filiais” e uma comunicação constante com o público-alvo a
fim de captar os principais interesses e se manter constantemente atualizada.
No Brasil, a MTV estreia em 20 de outubro de 1990 no canal 32 UHF, em São Paulo, e 9
VHF, no Rio de Janeiro, com a frase da VJ Astrid Fontenele: “Oi, eu sou a Astrid e é com o maior
prazer que estou aqui para anunciar para vocês que está no ar a MTV Brasil!” (LYRA, 2008: 54).
MTV Brasil é uma joint-venture entre o grupo Abril S.A. e a MTV Networks e foi o primeiro canal
de TV segmentada da televisão brasileira. O slogan I Want My MTV foi substituído por Te vejo na
MTV, pois a agência DPZ, que coordenou a campanha de lançamento, julgou ser muito apelativa e
agressiva para o público brasileiro Eu quero a minha MTV. Foram criadas vinhetas com artistas
dando depoimentos e finalizando-os com o slogan da emissora. Os projetos dessas vinhetas eram de
designers brasileiros, americanos e europeus.
No início, não havia muito espaço para os músicos brasileiros na programação, em
decorrência sobretudo da baixa produção nacional de videoclipes. Para preencher esse vazio, o
próprio canal pagou a produção de alguns clipes, como ocorreu com a música Pólvora, do grupo
Paralamas do Sucesso. Atualmente a MTV Brasil é considerada uma das mais regionais das filiais
mundiais, pois a maior parte da programação é formada por programas nacionais voltados para o
interesse do público brasileiro. A partir de 1995, ela passou a ser a única filial a ter sua própria
edição do Video Music Awards, que premia os clipes dos músicos locais. Em 1996, realizou-se o
primeiro Acústico MTV, versão do formato Unplugged MTV, alcançando grande sucesso de vendas
de seus CDs, feitos em parcerias com gravadoras. Isto reafirma a importância desse canal para a
indústria fonográfica, pois além da exibição e da divulgação de seus artistas nos videoclipes, outros
produtos incrementam os lucros das gravadoras, como CDs e, atualmente, DVDs.
Em 1999, houve uma reformulação na programação a fim de aumentar a lucratividade da
empresa. O incremento do número de canais oferecidos nessa época tornou o setor mais
competitivo, o que tornou o perfil das emissoras ainda mais comercial (Cf. SEMPRINI, 2006: 74).
Um ano antes, havia a risco de a MTV Brasil ser retirada do ar, caso não gerasse lucro para o grupo
Abril e para a Viacon. André Mantovani, novo diretor geral do canal, optou por popularizar a
emissora, estabelecendo uma grade de programação com faixas de horário para cada programa,
instituindo o padrão tradicional de televisão. Foram incorporados programas de humor e
entretenimento no horário nobre para aumentar a audiência e houve uma diminuição do número de
clipes veiculados. O espaço dedicado à música brasileira aumentou de 30% para 50%, o que gerou
mais trabalho para as produtoras nacionais e impulsionou a carreira de novos artistas, que agora
dispunham de um espaço para se promoverem. Houve uma incorporação de ritmos mais populares –
sertanejo, axé, pagode e funk – antes marginalizados pela emissora, que exibia fundamentalmente
rock e pop. Para isso, foi necessário mudar o time de VJs. Em vez de conhecedores de música,
foram incluídos modelos e atores, “[...] que não se importam em apresentar clipes que sejam de
artistas fora do seu gosto musical” (TEIXEIRA, 2006: 37). Além disso, os comerciais passaram a
ser mais integrados com a programação, o que ajudou a vender melhor os produtos. Todas essas
transformações refletiram-se em um aumento da ocupação comercial da emissora, que dobrou de
1999 para 2000, fazendo com que a MTV Brasil se tornasse uma emissora autossustentável.
A atração do anunciantes foi possível também devido à alta segmentação da emissora. No
Brasil o público-alvo é composto por pessoas na faixa etária dos 15 aos 29 anos das classes A e B.
São espectadores fiéis, ainda que não exclusivos. Essa segmentação contribui para a criação de
comerciais exclusivos para o canal, pois há uma melhor compreensão do consumidor a que ele se
destina. A MTV Brasil, a fim de se manter atualizada com relação a seu público, conserva a
estratégia de Robert Pittman em seus primórdios: pesquisa. Duas vezes por ano, a emissora realiza
pesquisa de audiência e, mensalmente, por telefone, call out. Além disso, a internet é
disponibilizada como um canal de comunicação direto com o espectador.
A criação das vinhetas que compõem a identidade televisiva da MTV, tanto no Brasil como
no resto do mundo, orienta-se pela sua segmentação, seguindo uma lógica de mercado. Direcionada
a um público jovem, a emissora utiliza-se de um linguagem própria para melhor comunicar-se com
seu espectador, garantindo que suas necessidades e desejos sejam atendidos. Essa garantia é a forma
de manter seu público fiel e de captar novos espectadores, a fim de incrementar sua audiência e
gerar maior lucro pela atração de mais anunciantes e aumento do preço de venda de seu espaço.
O Insólito na Identidade Televisiva da MTV
Por ser direcionada para um público jovem, com uma programação voltada para música, a
contestação é um dos mais importantes atributos da MTV. Questionar os valores tradicionais e
propor novas formas de pensar faz com que a identidade da MTV procure transmitir tais conceitos
por meio de signos visuais e sonoros. A instabilidade habita essas duas dimensões – som e imagem
–, fugindo dos padrões normalmente utilizados por outros canais. A inconstância é marca registrada
das vinhetas pelos cortes bruscos, mudanças de estilos sem um motivo aparente e inserção de ruídos
audiovisuais.
O próprio logotipo da MTV já transmite essa inconstância. O M maiúsculo tridimensional
sem serifa sobre o qual é grafitado o TV foi projetado para ser adaptado a qualquer situação. Ele
pode ser preenchido com diversas texturas e diferentes cores, pode tornar-se variados objetos e
assumir personalidades (Cf. LYRA, 2008: 56), criando grande instabilidade visual. Essa foi uma
grande novidade no campo do design implementada pelo canal, pois normalmente a identidade
visual de uma empresa mantém uniformidade a fim de ser melhor fixada por seu público-alvo.

Figura 9: Vinheta de identidade da MTV com diversas aplicações do logotipo (TEIXEIRA, 2006: 158)

Devido à adequação do conceito de inconstância ao seu público jovem e à uniformidade


dessa inconstância – o que parece paradoxal, mas não o é –, “[...] o canal da MTV é o mais
facilmente reconhecível, é o que tem a mais forte ‘identidade’ na televisão, graças sobretudo à sua
estética convulsiva e indomesticável, à sua ênfase na edição rápida e um certo surrealismo pop, que
permitiu uma vez à empresa definir-se a si própria como ‘the only that advertises itself as a fool’ (a
única que anuncia a si mesma como uma doida)” (MACHADO, 2003: 202).
Essa mutação do logotipo, em relação ao padrão adotado por outras emissoras, traz em si
outra característica marcante das vinhetas da MTV: o insólito. Procurando manter-se
contemporânea e antenada com os jovens, o nonsense nas imagens busca reverter os valores
preestabelecidos, quebrando expectativas. O que a MTV busca é apresentar signos sonoros e visuais
que fujam do repertório dos telespectadores, rompendo as relações convencionais do simbólico, a
fim de gerar emoções pelo inusitado.
Figura 10: Vinheta de verão 2009 da MTV

Na vinheta que a emissora fez para a programação especial de verão, não há ícones dos
elementos mais convencionadamente representativos dessa estação: Sol, praia, biquíni, cores
quentes, água etc. A ID se utiliza de cores mais frias com os tons de roxo sobre um fundo escuro,
qual a interferência que antigamente podíamos ver nas televisões. Esse ruído contrasta com
desenhos de cores chapadas e luminosas – numa referência ao psicodelismo –, que fogem de uma
representação convencional. Eles são estilizados e surrealistas, tais como o urso com um olho só, as
caveiras com asas, um ser incompreensível com uma seta transpassando seu corpo, um rosto de
macaco com fones de ouvido, entre outros. Além de cada figura ser nonsense em si mesma, as
relações entre elas são absurdas e a sua falta de conformidade com o tema verão, insólita. Os efeitos
sonoros distorcidos em sintetizador reforçam o clima fora do comum.
O insólito sempre esteve presente nas vinhetas desde a criação do canal, ainda que a sua
estética tenha sofrido algumas alterações. No início dos anos 1980, “a MTV foge da limpeza e do
minimalismo, rompendo com pensamentos modernistas, e das escolas tradicionais de design, e
chega até a uma proposital poluição visual através da disposição de elementos e cores em demasia,
conferindo certo aspecto caótico e underground”14, influenciada pelos movimentos alternativos
ligados à música, como o Punk, o Psicodelismo e o New Wave. No final dos anos 1980, o estilo
Grunge, nascido em Seattle, nos Estados Unidos, e relacionado ao movimento musical de bandas
como Nirvana, Alice in Chains e Pearl Jam, influenciou a identidade televisiva da MTV. Foram
usadas tipografias desconstruídas, ruídos visuais, imagens sujas feitas com colagens e figuras
fotocopiadas, gerando peças pouco legíveis a fim de demonstrar a sintonia da emissora com o
movimento rebelde da época. Em 1990, a “[...] recém-fundada Music Television brasileira
importava suas vinhetas da matriz americana, pode-se afirmar que a MTV Brasil teve,
primeiramente, uma identidade visual grunge inovadora para o padrão visual televisivo brasileiro, e
que logo conquistou a população underground brasileira” (LYRA, 2008: 56). Com o início da moda
tecno no final da década de 1990, a estética das vinhetas mudou para se adequar à novidade. Foram
utilizadas imagens computadorizadas, com quadriculados que remetiam ao pixel e efeitos dos
programas gráficos. Mas essa estética não aparece em todas as vinhetas atuais. Hoje há muito mais
uma mistura de estilos, que aumenta ainda mais a inconstância visual. Isso decorre do fato de a
MTV sempre ter primado pelas experimentações em animações e em computação gráfica na busca
do novo no audiovisual. Essa mistura de estilos na identidade televisiva deixa evidente a
importância que a emissora dá ao diálogo com seu público jovem, ao responder aos interesses de
cada momento.

Figura 11: Sequência de três vinhetas (LYRA, 2008: 59)

Essas vinhetas de identidade têm narrativas diferentes, sendo assim independentes, porém
com uma mesma estética e mesmo viés nonsense. No primeiro ID, dois homens, trajando ternos,
agem como pássaros, comunicando-se por meio de pios e do movimento característico das aves. A
sequência encerra-se com o logotipo da emissora sobre o colorbar, uma imagem colorida com um
som agudo usado pelos profissionais de videografismo para o ajuste do contraste, brilho e cor dos
monitores e da altura da banda sonora. Na segunda vinheta, um homem com roupa social atende um
celular, latindo como um cão. Por fim, a última narrativa apresenta dois homens sentados. Um mexe
na cabeça do outro, o que deflagra uma briga com tapas. Note-se que além de as ações serem
insólitas por fugirem do esperado (no mundo real homem não pia, nem late, nem se esbofeteia sem
razão), o cenário não é realista, sendo composto por um chão geometrizado, árvores secas, cachos
de banana, dando um toque surrealista ao grupo de vinhetas.
Figura 11: Vinheta piguim (LYRA, 2008: 59)

Nesta outra vinheta, um pinguim gigante com cabeça baixa, transmitindo melancolia,
aparece em diferentes cenários do campo e da cidade. O sentimento de tristeza é realçado pela
música de piano e pelas cores pouco saturadas, o que dá um tom acinzentado à peça. A marca da
MTV aparece quase camuflada, pouco contrastando com os fundos desenhados e pintados. O
insólito se dá pela falta de relação entre o ícone de um pinguim e a emissora, pelas relações
desproporcionais entre o animal e o cenário e pela falta de razão na escolha dos contextos em que
ele se encontra (cidade e campo).
Vemos que as referidas vinhetas apresentam estéticas totalmente diferentes, decorrentes da
liberdade nas pesquisas experimentais conferida ao designer contratado pela MTV. Na verdade,
essas experimentações não são apenas permitidas, mas desejadas, pois elas permitem manter a
emissora sintonizada com os movimentos alternativos que os jovens buscam.
Ainda que os modismos mudem, o insólito sempre buscará o novo em cada contexto, pois o
próprio conceito de nonsense é relativo aos padrões culturais e sociais de uma época. O que é
insólito hoje pode tornar-se corriqueiro no futuro. O que importa é atualizar o insólito, de forma que
os repertórios historicamente condicionados possam ser subvertidos. E é baseado no insólito que a
MTV constrói uma identidade forte e constantemente adaptável à mudanças de interesse e de desejo
de um público que já é, em si, inconstante: o jovem.

Repercussões da Estética Nonsense da MTV


O rompimento com o convencional não passa despercebido. Ao mesmo tempo que um
público receptor pode interpretar o absurdo como brincadeira, outro pode sentir-se angustiado pela
fuga aos códigos acordados pela sociedade. Desde o Dadaísmo, passando pelo Surrealismo até o
Psicodelismo, grande parte dos receptores mais tradicionais escandalizou-se com a quebra dos
padrões e a falta de sentido aparente das manifestações que buscavam o insólito na arte e no design.
A fim de averiguarmos as possíveis reações do público ao insólito na identidade televisiva,
buscamos extrair do site de relacionamentos Orkut – versão brasileira – uma amostragem das
comunidades que abordam as vinhetas da MTV. A escolha por esse canal decorreu de seu longo
histórico no uso do nonsense como característica predominante de sua identidade corporativa –
quase 30 anos.
Em 4 de janeiro de 2009, fizemos uma busca com a palavra-chave MTV e chegamos a 996
resultados, sendo que 48 comunidades se referiam às vinhetas da MTV. Por falta de vocabulário
mais específico, algumas delas chamavam as vinhetas de comerciais ou de propagandas.
Percebemos tratar-se de vinhetas pelo texto introdutório da comunidade, que descreve a sua
intenção. Agrupamos as comunidades em 5 temas:

1) Sem posicionamento – que trata de forma genérica as vinhetas da MTV, sem se


posicionar;
2) Não entendimento – que não compreende o significado delas, por fugir do convencional;
3) Medo – que considera o insólito das vinhetas assustador;
4) Avaliação negativa – que não gosta da identidade televisiva da MTV;
5) Avaliação positiva – que tem uma boa opinião sobre as vinhetas do canal.
Sem posicionamento
Comunidade Endereço Membros
Vinhetas MTV Brasil http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1360956 47
Desvendando as vinhetas da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1880384 159
2 comunidades 206

Não entendimento
Comunidade Endereço Membros
Não entendo o comercial da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=15523065 5
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=22386752 6
Vinhetas da MTV – quem as http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=34717374 5
entende?
Não entendo as vinhetas da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1093631 42.400
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1175061 2.067
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1104646 717
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1569021 198
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=17070040 14
Não entendo os comerciais da http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1585103 229
MTV
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=14492157 31
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=21495428 20
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=9401336 15
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=21174005 10
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=18206895 5
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=80591101 7
Não entendo comerciais da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1337871 1066
Não entendo propagandas da http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1413297 5006
MTV
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1188021 509
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1897058 181
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1880877 18
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=53792729 8
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1235990 123
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1302495 70
Vinhetas da MTV, vc as http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1377026 258
entendem?
Os comerciais mtv são mó brisa http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1708975 20
Comerciais da MTV – sem noção http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=26421677 43
26 comunidades 53029

Medo
Comunidade Endereço Membros
Tenho medo das vinhetas da http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=186969 47.087
MTV
Eu tenho medo das vinhetas da http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1767180 48
MTV
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=56603333 6
Medo dos comerciais da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1532967 38
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1318031 214
Eu tenho medo das prop. da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1411328 453
É assustadora a vinheta da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=2820489 36
Eu tenho medo da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1397461 6
Mensagens subliminares da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=5368966 745
9 comunidades 48633

Avaliação negativa
Comunidade Endereço Membros
MTV: Os comerciais + sem noção http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=921995 147
Comerciais MTV: nada a ver http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=19351025 60
MTV seus comerciais bizzaros http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=3602060 343
Odeio as propagandas da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1389728 286
Odeio propaganda tosca da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=4111534 21
Eu odeio os comerciais da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1515888 18
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=21771466 8
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=7119766 5
8 comunidades 888

Avaliação positiva
Comunidade Endereço Membros
Propagandas da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1129257 5
Propagandas estranhas da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=869459 163
Eu adoro as vinhetas da MTV http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=706390 1088
3 comunidades 1256

Como podemos ver, um grande número de comunidades e de membros – havia, em janeiro


de 2009, 26 comunidades, totalizando 53.029 membros no grupo não entendimento – ainda se
surpreende com o insólito no design das vinhetas da MTV, mesmo quase um século depois das
primeiras experiências dadaístas e surrealistas. Na maior comunidade sobre o assunto (Não entendo
as vinhetas da MTV), que comportava 42.400 pessoas, a descrição15 justifica a criação do grupo:
“Sempre quando aparece as vinhetas da MTV vc para... pensa...pensa mais um pouco...mas no final
da sua reflexão vc continua sem entender qual é o nexo que existe naquelas vinhetas? Bom, pode
ficar tranquilo pq vc não é o único... Essa comunidade foi feita pra vc, q nunca conseguiu desvendar
o sentido das vinhetas da MTV...16”. O que ocorre é que os padrões convencionados servem de
suporte para a convivência cotidiana em sociedade, pois são os códigos que normatizam a
diversidade humana, estabelecendo regras de conduta e de compreensão de mundo. A quebra do
convencional que o insólito intenciona gera uma reação inquisitiva, que tenta buscar ainda algum
sentido nas imagens e nos sons nonsense. A grande questão da estética do absurdo é exatamente
desnortear o esperado, muitas vezes com o objetivo de criar irreverência. É interessante notar que
na opinião de algumas comunidades, a falta de sentido é decorrente do uso de drogas, numa relação
entre alucinógenos e abertura das portas da percepção firmada durante o Psicodelismo na década de
1960, mas que se mantém até hoje.
A falta de sentido pode gerar angústia justamente por causa da perda de parâmetros em que
se sustentar. A maior comunidade relacionada com as vinhetas da MTV situa-se no grupamento
medo: Tenho medo das vinhetas da MTV com 47.087 membros. Somadas aos demais grupos,
totalizamos 48.633 pessoas de 9 comunidades que julgam as vinhetas da MTV aterrorizantes, sendo
que 745 membros acreditam haver mensagens subliminares na sua identidade, como demonstra o
trecho da descrição da comunidade Mensagens subliminares da MTV: “A MTV coloca imagens
sobre imagens nos seus comerciais que ninguém entende mas que contém gestos obcenos, estímulos
a homosexualidade, cadáveres, imagens satânistas, etc, que você só vai perceber se gravar e colocar
em câmera lenta”17. Isto decorre de um fato ocorrido em 2002, quando a emissora foi processada
por veicular uma vinheta que continha frames com imagens de sadomasoquismo. Devido à rápida
edição, elas não podiam ser vistas conscientemente, porém foram consideradas mensagem
subliminar, tendo sua veiculação proibida. Esse episódio foi um fato isolado na história da MTV,
que nunca mais se repetiu, sob pena de multa.

Figura 12: Frames da Vinheta Proibida da MTV18


Outro grupo de comunidades percebe o insólito nas vinhetas e toma uma posição reativa, ao
explicitar o seu desgosto com a identidade televisiva do canal. Essa visão negativa, além de ser
motivada pelo nonsense, questiona também sua estética. O experimentalismo é tido pela
comunidade Odeio propaganda tosca da MTV como falta de profissionalismo, e não como uma
decisão intencional. Por outro lado, outros grupos elogiam a concepção das IDs do canal por verem
no absurdo e no estranhamento diversão.
Apesar de tantos grupos criarem comunidades a fim de questionar a falta de sentido ou
expressar seu descontentamento ou medo com a identidade televisiva assumida pela MTV, o
crescimento e sucesso da emissora são incontestes, materializados no aumento de patrocinadores
decorrente das grandes taxas de audiência. Muitas das comunidades estranham o visual do canal,
que foge do padrão, e gostam de expressar seus sentimentos para as demais pessoas que visitam
esses grupos. A maioria delas utiliza textos irreverentes – numa atitude contestadora que o próprio
canal estimula –, mesmo aquelas que transparecem seu pavor com as vinhetas. A comunidade Eu
adoro as vinhetas da MTV sintetiza o espírito de tais comunidades, demonstrando por que a MTV
consegue tão bem se comunicar com seu público-alvo:

“Para todos akeles que adoram essas propagandas contraditórias e sem explicação.
Simplesmente uma ótima maneira de mostrar arte ao público da Mtv.
Para todos akeles que gotariam de um canal só de vinhetas criativas, que as pessoas
tanto adoram odiar, apenas por não entender o que talvez nem devesse ser entendido.

VIVA AS VINHETAS MTV!


ARTE SEM NOÇÃO PARA TELESPECTADORES COM FOME DE
SUBVERSÃO!19”

Conclusão
Como escreveu o pintor surrealista Salvador Dalí:

“Como querem que os demais compreendam os meus quadros, quando eu mesmo, que
os faço, não os compreendo. O fato de eu mesmo, no momento de pintar não os
compreender, não quer dizer não possuam nenhuma significação. Ao contrário, o
significado deles é de tal maneira profundo, complexo, incoerente, involuntário, que
escapa à análise da intuição lógica...” (apud CAVALCANTI, 1978: 177)

O insólito no design, assim como em qualquer manifestação cultural humana, deve ser
compreendido com outros olhos, que não os da razão. A emissora MTV, baseada em pesquisas de
audiência e de mercado, apostou que um público jovem – que normalmente não tem seus valores
ainda tão sedimentados, porque ainda experiencia muitas novidades – receberia o insólito em suas
vinhetas de identidade como elemento contestador, revolucionário, e, por isso, representativo desse
segmento, pois o nonsense amplia as possibilidades de interpretação, antes reduzidas no símbolo.
Apesar de ainda haver reações à quebra da convencionalidade simbólica, pode-se dizer que
o caso desse canal de televisão foi, e continua sendo, um sucesso perante os seus consumidores,
haja vista o crescimento da empresa e a longevidade de sua estética. O insólito nas peças de design
da identidade televisiva da MTV mostra que ele pode ser um ferramental útil para a eficácia da
comunicação. Se bem projetado, ele pode comunicar significações que vão muito além da esfera
racional, sensibilizando emoções que criam uma afinidade, às vezes muito mais profunda, entre
uma empresa e seu público-alvo.

Referências Bibliográficas:
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. 2ª reimp. São Paulo: Companhia das Letras. 2002.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a Transformação das Pessoas em Mercadorias. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BOTTINO, Clarissa. Objeto visual - Anos 60: Design e Psicodelismo, 2006. (Disponível em
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/ednacunhalima/2006_1_2/clarissa/Anos%2060.htm). Consultado em
11 mar 2009.
CAVALCANTI, Carlos. Como Entender a Pintura Moderna. 4 ed. Rio de Janeiro: Rio, 1978.
COELHO NETTO, J. Teixeira. Semiótica, Informação e Comunicação. 7 ed. São Paulo:
Perspectiva, 2007.
DEELY, John.Semiótica Básica. São Paulo: Ática, 1990.
GOMBRICH E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LCT, 1993.
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 2007.
HOFFMAN, K. Douglas & BATESON, John E.G. Princípios de Marketing de Serviços: Conceitos,
Estratégias e Casos. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006.
JARDIM, Silvia Cristina & Solange Wajnman. “Configurações da Percepção Contemporânea e
Metaformas na Televisão: Estudo de Formas Visuais da MTV Brasil”. In Revista FAMECOS.
Número 34. Dez. Porto Alegre: 2007.
LYRA, Guilherme. “MTV, a única com design pós-moderno: Análise da influência da Pós-
modernidade nas vinhetas da MTV”. In InfoDesign: Revista Brasileira de Design da Informação.
Volume 5, Número 1. 2008. [p. 52-61]
MERRITT, Douglas. Television Graphics: from Pencil to Pixel. New York: Van Nostrand Reinhold
Company, 1987.
NIEMEYER, Lucy. Elementos de Semiótica Aplicados ao Design. 2. ed. Rio de Janeiro: 2AB,
2007.
PAQUET, Marcel. René Magritte. Colônia: Benedikt Taschen, 1995.
PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é Contracultura. São Paulo; Brasiliense, 1986.
RÀFOLS, Rafael & COLOMER, Antoni. Diseño Audiovisual. Barcelona: Gustavo Gili, 2006.
SANTAELLA, Lucia. Cultura das Mídias. São Paulo: Experimento, 1996.
SANTAELLA, Lucia. A Percepção: uma Teoria Semiótica. 2. ed. São Paulo: Experimento, 1998.
SANTAELLA, Lucia. Teoria Geral dos Signos: Como as Linguagens Significam as Coisas. São
Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
SANTAELLA, Lucia. Matrizes da Linguagem do Pensamento: Sonora, Visual, Verbal. 1 ed. São
Paulo: Iluminuras, 2005.
SANTAELLA, Lucia. & NÖTH, Winfried. Imagem: Cognição, Semiótica, Mídia. 4 ed. São Paulo:
Iluminuras, 2005.
SEMPRINI, Andrea. A Marca Pós-Moderna. São Paulo: Estação das Letras, 2006.
SOARES, Thiago. Videoclipe e Televisão Musical: Uma abordagem de gêneros. (Disponível em :
www.midiaemusica.ufba.br/arquivos/artigos/SOARES3.pdf. Acessado em: 15/02/2009).
TEIXEIRA, Carla Cristina da Costa. A Linguagem Visual das Vinhetas da MTV: Videodesign como
Expressão da Cultura Pós-Moderna. Dissertação de Mestrado em Design, Pontifícia Universidade
Católica (Puc). 174 p. Rio de Janeiro: 2006.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro: Apresentação e
Crítica dos Principais Manifestos Vanguardistas. Petrópolis: Vozes, 1972.
TORRES, Rodrigo Murtinho de Martinez. O Mercado de TV por Assinatura no Brasil: Crise e
Reestruturação diante da Convergência Tecnológica. Dissertação de Mestrado em Comunicação,
Universidade Federal Fluminense (UFF). 154 p. Niterói, 2005.
-----. Coisas do Surrealismo – Surrealismo e Design (Disponível em
http://www.rodadamoda.com/post.php?id_post=198. Consultado em 10 mar 2009).
-----. Design Surreal (Disponível em
http://blog.jaehcamisetas.com/category/design/. Consultado em 10 mar 2009).
-----. Exposição mostra influência do surrealismo sobre mundo do design (Disponível em
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/03/070327_exposicaosurreal_ir.shtml.
Consultado em 10 mar 2009).
-----. Michaelis - Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998.
-----. Music Television (Disponível em
http://www.museum.tv/archives/etv/M/htmlM/musictelevis/musictelevis.htm. Consultado em 02
mar 2009).
-----. MTV – Music Television: History (Disponível em
http://student.valpo.edu/kpage/comm/history.html. Consultado em 02 mar 2009).
-----. Objeto visual - Anos 60: Design e Psicodelismo (Disponível em
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/ednacunhalima/2006_1_2/clarissa/Anos%2060.htm. Consultado em
10 mar 2009).
-----. O design da MTV (Disponível em
http://blogtelevisual.com/2008/11/17/o-design-da-mtv/. Consultado em 12 mar 2009).
-----. Photobucket (Disponível em
http://s7.photobucket.com/albums/y299/Fialho/?action=view&current=Duchamp.jpg. Consultado
em 10 mar 2009).
-----. Subliminar em Vinheta da MTV (Disponível em http://www.calazans.ppg.br/miolo02_06.htm.
Consultado em 12 mar 2009).
-----. Wikipedia (Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Fontaine_Duchamp.jpg. Consultado em 10 mar 2009).

* Mestranda em Design – UERJ | raquelponte@globo.com


** Doutor em Comunicação e Semiótica – PUC-SP | UERJ, Professor Adjunto | lucy@esdi.uerj.br
1
Wikipedia (Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Fontaine_Duchamp.jpg. Consultado em 10 mar 2009).
2
Photobucket (Disponível em http://s7.photobucket.com/albums/y299/Fialho/?action=view&current=Duchamp.jpg.
Consultado em 10 mar 2009).
3
Exposição mostra influência do surrealismo sobre mundo do design (Disponível em
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/03/070327_exposicaosurreal_ir.shtml. Consultado em 10 mar
2009).
4
Coisas do Surrealismo – Surrealismo e Design (Disponível em http://www.rodadamoda.com/post.php?id_post=198.
Consultado em 10 mar 2009).
5
Design Surreal (Disponível em http://blog.jaehcamisetas.com/category/design/. Consultado em 10 mar 2009).
6
Design Surreal (Disponível em http://blog.jaehcamisetas.com/category/design/. Consultado em 10 mar 2009).
7
Objeto visual - Anos 60: Design e Psicodelismo (Disponível em
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/ednacunhalima/2006_1_2/clarissa/Anos%2060.htm. Consultado em 10 mar 2009).
8
Objeto visual - Anos 60: Design e Psicodelismo (Disponível em
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/ednacunhalima/2006_1_2/clarissa/Anos%2060.htm. Consultado em 10 mar 2009).
9
“Where consistency has worked well in print, display and packaging design the moving image has always had the
capacity to have variation and constant but controlled changes” [tradução livre das autoras].
10
“Una televisión no es un organismo estático e inmutable, muy al contrario, su esencia es mutable y presenta
constantemente de forma alternativa diferentes caras. [...] La consecuencia inmediata de esta circunstancia es la
imposibilidad de concebir su imagen de marca como un valor inmutable. Tiene que ser flexible, fluida, sensible a los
cambios que se produzcan en su entorno” [tradução livre das autoras].
11
Music Television (Disponível em http://www.museum.tv/archives/etv/M/htmlM/musictelevis/musictelevis.htm.
Consultado em 02 mar 2009).
12
“I love research […] I use research to find out what people like and what they are doing” [tradução livre das autoras].
MTV – Music Television: History (Disponível em http://student.valpo.edu/kpage/comm/history.html. Consultado em 02
mar 2009).
13
MTV – Music Television: History (Disponível em http://student.valpo.edu/kpage/comm/history.html. Consultado em
02 mar 2009).
14
O design da MTV (Disponível em http://blogtelevisual.com/2008/11/17/o-design-da-mtv/. Consultado em 12 mar
2009).
15
Foi mantida, neste artigo, a grafia original em todas as citaçõesde comunidades do Orkut.
16
Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1093631. Consultado em 4 jan 2009.
17
Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=5368966. Consultado em 4 jan 2009.
18
Subliminar em Vinheta da MTV (Disponível em http://www.calazans.ppg.br/miolo02_06.htm. Consultado em 12 mar
2009).
19
Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=706390. Consultado em 4 jan 2009.

Você também pode gostar