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Admin, Jurisdicao

Direito e jurisdição
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JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS

JosÉ JAPPUR*

Jurisdição e Competência. Efeitos. Natureza do Tribunal de ContaJ.


Conclusividade de suas decisões. Interpretação das Súmulas 346 e
347 do Supremo Tribunal Federal. A inconstitucionalidade das leis
pelo Tribunal de Contas. Sugestões e Conclusões.

o conceito de jurisdição supõe o poder de declarar o direito e assegurar efi-


cácia executória à decisão. O advento histórico da jurisdição estava no direito
romano. Designava-se, então, esse duplo poder através da jurisdictio e impe-
rium, subdividindo-se este em merum e mixtum. Era mixtum o imperium
a que inerisse a jurisdição - cui etiam jurisdictio inest. Daí vinha a distinção
da jurisdictio em plena e semiplena, competindo esta aos magistrados meno-
res, que não exerciam senão o imperii quam jurisdictionis. Hoje, porém, en-
sina Mattirolo, a distinção não tem mais razão de ser, embora conserve ainda
alguns traços.1 Mortara entende, de outro lado, que a execução é um efeito
da jurisdição, mas não lhe marca como elemento essencial. Quando a Cons-
tituição Federal fala, no art. 6Q, são poderes da União - Legislativo, Exe-
cutivo e Judiciário - quer referir-se, antes de tudo, à jurisdição e não à
competência.
A competência é apenas a medida da jurisdição. A jurisdição é o direito,
o direito de o magistrado pronunciar o jus dicere. Por isso, sempre se entendeu
que a competência é o círculo legislativamente limitado, dentro do qual o
juiz pode exercitar validamente a jurisdição. João Mendes disse muito bem:

• Auditor do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul.


I Castro Nunes. In: Da Fazenda Pública em lul1.o. 1960, Liv. Freitas Ba5tos, 1960. p. 63.

R. Dir. adm., Rio de Janeiro, 129:356-365 juL/set. 19n


"a jurisdição é o poder de julgar constituído; a competência, o poder de
julgar organizado."2

2. A jurisdição não é, de forma alguma, atributo exclusivo do Poder Judi-


ciário. A especialização e a descentralização resultou no reconhecimento da
chamada "jurisdição das contas". Em 1955, o Ministro Pereira Lima analisou
o problema no trabalho intitulado: "O tabu da unidade jurisdicional".3 Foi
aprovado pelo Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil em Porto Alegre,
de 17 a 25 de novembro de 1962:

"Os Tribunais de Contas estão constituídos para o exercício pleno de sua


jurisdição, à semelhança de outras justiças especiais, como a eleitoral e a do
trabalho, devendo observar regras processuais adequadas à sua função ju-
risdicional. "

No referido conclave, o Prof. Ruy Cirne Lima analisou, também, a matéria,


através de trabalho oferecido com o título de A jurisdição do Tribunal de
Contas, enfatizando o seguinte:

"Entre dizer o direito (jurisdictio) e julgar (judicium) a diferença é conside-


rável. O jus edicendi é, por definição, estatal; o judicillm pode ser atividade
privada, como, ainda hoje, se verifica no juízo arbitral."4

A Constituição Federal atual fala expressamente, no art. 72, que o Tribunal


de Contas da União tem jurisdição em todo o País. f. posição universalmente
reconhecida ao longo do tempo nas mais diversas Constituições Brasileiras.
f. definida a jurisdição, em toda a sua latitude, no art. 33 do Decreto-Iei
199, de 25 de fevereiro de 1967. Tal dispositivo ampliou, por certo, o art. 39
da Lei Federal 830, de 23 de setembro de 1949. O diploma atual fala em
jurisdição sobre administradores das entidades da administração indireta ou
de outras entidades, "quando houver expressa disposição legal".

3. De outro lado, é certo que, pelo art. 70, § 1Q da Constituição Federal de


1969, "o controle externo do Congresso Nacional será exercido com auxílio
do Tribunal de Contas". f. sabido que o Poder Legislativo é exercido pelo
Congresso Nacional que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal. A grande tarefa do Poder Legislativo é exercida, pois, com auxílio

I João Mondes de Almeida Junior. In Direito Judiciário Bra.s:lelro. Livraria Freitas


Bastos, 1954. p. 40.
a Revista do Serviço Público, ago. 1955.
.. Anais do m Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil. 29 vol., p. 489.

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do Tribunal de Contas. O auxílio não importa na desfiguração do órgão. Não
perde sua independência ou autonomia. A essência da "tarefa" eleva o órgão
"auxiliar" ao limiar do Poder. Por certo, a doutrina ainda não tem pensamento
indiscrepante sobre a natureza jurisdicional do Tribunal de Contas, bem
como oscilante tem sido a jurisprudência dos Tribunais. Castro Nunes consi-
dera "a mais alta jurisdição administrativa da República".5 Já Carlos Maxi-
miliano não admitiu a existência da função jurisdicional nos atos do Tribunal
de Contas, apenas pressentindo os seus arestos como "prova" e não "cousa
julgada" perante a Magistratura. 6 Seabra Fagundes admite a existência da
função judicante nos atos do Tribunal de Contas e a cousa julgada. 1

4. A jurisprudência brasileira, através do Supremo Tribunal Federal, depois


de variações de alguns Pretórios Estaduais, vem decidindo pela consolidação
da jurisdição do Tribunal de Contas, quer pela categoria de sua competência,
quer pela definitividade de suas decisões. Ainda recentemente foi publicado
o acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no Mandado de segu-
rança 19.973 do Distrito Federal, sendo relator o Ministro Bilac Pinto com
a seguinte ementa:

"O Tribunal de Contas da União, declarando a ilegalidade da concessão de


aposentadoria, opera julgamento definitivo na esfera administrativa. Sendo
assim, descaberia ao Presidente da República, por inexistir norma válida de
competência, mandar executar o ato de aposentação, nem, por idêntica razão,
poderia o Poder Legislativo homologar o ato deste. Inteligência dos § § 7Q e
8Q do art. 72 da E.C. número 1, de 1969 .. - Declaração, pelo STF, de ilega-
lidade do ato do Senhor Presidente da República que autorizou a execução
do aposentamento, e, via de conseqüência, do Decreto Legislativo 85, de
1971, que o aprovou." (Mandado de segurança 19.973, Requerente Oscar
Nogueira Barra e Requerido Tribunal de Contas da União).8

A importante decisão do Supremo Tribunal Federal teve o condão de con-


trariar a orientação traçada pelo Consultor Geral da República, em longo
e respeitável parecer da lavra do Dr. Romeo de Almeida Ramos, aprovado·
pelo Presidente da República, com a seguinte ementa:

15 Castro Nunes. Teoria e Prática do Poder Judiciário. p. 31.


6 Carlos Maximiliano. Comentários à Constituição. voI. I, p. 238, 4~ edição.
'I Seabra Fagundes. O Controle dos Atos Administrativos pelo P. Judiciário. 3~ cd .•
p. lS8, 163.
8 D. J. da União de 26 de abril/1976, p. 2731.

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"Revisão de proventos. Aplicação do Decreto-lei 146/67. Competência Cons-
titucional do Presidente da República para ordenar a execução de ato im-
pugnado pelo Tribunal de Contas da União, ad referendum do Congresso
Nacional. A súmula 347 do S.T.F., seu alcance."9

A interpretação do Pretório Excelso confere ao Tribunal de Contas


uma função jurisdicional plena, não se admitindo a desconformidade do Poder
Executivo, mesmo com o beneplácito do Legislativo. Percebe-se que o Tribu-
nal de Contas, quando examina a "legalidade das concessões iniciais de apo-
sentadorias, reformas e pensões", não age como órgão "auxiliar" do Congresso
Nacional e sim com jurisdição própria e autônoma, cuja força lhe advém da
própria Constituição. Mesmo em relação ao Poder Judiciário, teve oportuni-
dade de decidir o Supremo Tribunal Federal que "as decisões do Tribunal de
Contas não podem ser revistas pelo Poder Judiciário, a não ser quanto ao seu
aspecto formal".lo O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
através de decisão plenária, por unanimidade, traçou orientação idêntica:

"A referida Corte tem autonomia, competência e jurisdição próprias e não


está subordinada, nas suas deliberações e julgamentos, a qualquer outra auto-
ridade, mesmo as do Poder Judiciário ... " (Rev. de Jurisprudência do Tribu-
nal de Justiça do Rio Grande do Sul, voI. 48, p. 115).

5. Quanto ao "julgamento das contas dos administradores e demais respon-


sáveis por bens e valores públicos", ex vi do art. 70, §§ lQ e 4Q da Carta
Magna vigente, a ação jurisdicional do Tribunal de Contas é, também, de-
finitiva ou irrecorrida. Nem poderia ser doutra forma, na aguda observação
de Pontes de Miranda, justificando o seguinte:

" ... interpretar que o Tribunal de Contas julgue (as contas) e outro juiz as
rejulgue depois, porquanto nessa duplicidade ter-se-ia absurdo bis in idem".l1

A par disso, é o Supremo Tribunal Federal que pontifica através do ex-


Ministro Evandro Lins: "Só o que toca a este exame, já para liberar o res-

li ParecerQS da C.G.R., vaI. 82, p. 43·59.


10 Rec. Ext. 55.821, in Rev. Trim. lur. vaI. 43, p. 151.
11 Pontes de Miranda. Comentários tl Constituição de 1946. 1. ed. voI. lI, p. 95;
Comentários tl Constituição de 1967, com a Emenda n Q I, de 1969. 2' ed. Tomo III,
p. 251.

359
ponsável, já para declará-lo em alcance, constitui decisão jurisdicional definiti-
va, a cavaleiro de qualquer revisão judicial".12 De igual quilate é o acórdão
da lavra do ex-Ministro Victor Nunes Leal: "Na realidade, o Tribunal de
Contas, quando da tomada de contas de responsáveis por dinheiros públicos,
pratica ato insuscetível de impugnação na via judiciária, a não ser quanto
ao seu aspecto formal, ou ilegalidade manifesta."13 Pelo art. 10 da Lei Fe-
deral 6.223, de 14 de julho de 1975, os responsáveis por bens e valores das
entidades de administração indireta estão sujeitos ao julgamento do Tribunal de
Contas com jurisdição privativa. Funciona aí o Tribunal como única instância,
no julgamento dos administradores das empresas públicas, sociedades de econo-
mia mista e fundações.

6. Outro aspecto importante em tomo da matéria gira em tomo da anulação


ou revisão dos atos administrativos pela administração. Com efeito, diz a
súmula 346 do Supremo Tribunal Federal: "A administração pública pode
declarar a nulidade dos seus próprios atos."

A revisão é sempre possível, se não houve decisão do Tribunal de Contas


sobre o ato. Tendo ocorrido decisão, a revisão só será válida com a con-
cordância do Tribunal de Contas. Tem aplicação aqui a súmula 6 do Supremo
Tribunal Federal para melhor entendimento da 346: "A revogação ou anula-
ção pelo Poder Executivo, de ato aprovado pelo Tribunal de Contas, não
produz efeitos antes da apreciação pelo TribunaL" Tal orientação foi bem
exponenciada no acórdão do Supremo Tribunal Federal da lavra do saudoso
ex-Ministro Nelson Hungria com a seguinte ementa:

"O ato complexo, de que participou, sucessivamente, o Poder Executivo e o


Tribunal de Contas, não pode ser anulado pela administração, sem a con-
cordância do Tribunal."14

No voto bem lançado, diz o Ministro Relator:

"Assim sendo, a úecisão do Tribunal de Contas, quando aprobatória, não


apenas dá executoriedade ao ato, como cria uma situação definitiva na órbita

12 Mandadtj de Segurança 16.25~, in R TI, voI. 38, p. 245.


13 Rec. I::xt. 55.821, in R TI, voI. 43, p. 156.
14 Recurso de Mandado de Segurança 3881, in Rev. Dir. Adm. vol. 53, p. 216 e se-
guintes.

360
administrativa. Depois dela, não pode o Executivo, que não tem hierarquia,
sobre o dito Tribunal, declarar, unilateralmente, a nulidade do ato."15

Finalmente, conclui o seu voto observando o seguinte:


"A entender-se de outro modo chegar-se-ia ao absurdo, toda vez que o Tri-
bunal de Contas desatendesse as impugnações de recursos da Procuradoria
da Fazenda, o Poder Executivo sumariamente anularia o ato, como se fosse
Alexandre a cortar o nó górdio. Dizer que anular o ato não é anular a de-
cisão do Tribunal de Contas não passa de jogo de palavras, pois que anulado
o ato a aprovação do Tribunal ficará no vácuo."16

o desfile dos arestos trouxe iluminação do cenário interpretativo da função


jurisdicional do Tribunal de Contas, cuja "substância" melhor se projetou dos
constantes "acidentes" na arena judiciária. A partir de 1967, o campo juris-
dicional do Tribunal de Contas ganhou não só maior extensão ou denotação,
como maior compreensão ou conotação. Alargou-se sua esfera jurisdicional
em relação aos Três Poderes como penetrou nos meandros de entidades para-
estatais de forma mais radical com advento da Lei Federal 6.223, de 14 de
julho de 1975.

7. Outro ponto nuclear da jurisdição ou competência do Tribunal de Contas


está na súmula 347 do Supremo Tribunal Federal com a redação que segue:
"O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a
constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público."

A prerrogativa conferida ao Tribunal de Contas desborda, sem dúvida, de


sua jurisdição ou competência. Com efeito, é sabido que cabe ao Senado
Brasileiro a suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto,
declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Fe-
deral. Ora, não é possível conferir ao Tribunal de Contas igual iniciativa.
A demasia é evidente e salta aos olhos do mais desavisado analista. Serviu
de paradigma à súmula 347 o Recurso de Mandado de Segurança ne? 8.372,
do Ceará, sendo recorrente José Maria Catunda e recorrido o Tribunal de
Justiça do Estado do Ceará. Foi relator do feito o Ministro Pedro Chaves
que, no seu voto, considerou o seguinte:

11 Recurso de Mandado de Segurança 3 881, in Rev. Dir. Adm. vol. 53, p. 221.
18 Recurso de Mandado de Segurança 3881, in Rev. Dir. Adm. vol. 53, p. 223.

361
"Entendeu o julgado que o Tribunal de Contas não podia declarar a inconsti-
tucionalidade da lei. Na realidade essa declaração escapa à competência es-
pecífica dos Tribunais de Contas. Mas há que distinguir entre declaração de
inconstitucionalidade e não-aplicação de leis inconstitucionais, pois esta é
obrigação de qualquer Tribunal ou órgão de qualquer dos Poderes do Estado.
Feita esta ressalva, nego provimento ao recurso."

f: induvidoso, pois, que a súmula 347 do Supremo Tribunal Federal andou


mal inspirada na sua formulação, dando a nítida idéia de que o Tribunal de
Contas pode apreciar a inconstitucionalidade das leis. Na verdade, o acórdão
que lhe serve de base apenas decidiu que o Tribunal pode deixar de aplicar
lei inconstitucional. Mas não lhe cabe apreciar a inconstitucionalidade da lei.
Pressupõe-se que já exista a declaração da inconstitucionalidade da lei e o
Tribunal de Contas deixa de aplicá-la. Conclui-se, portanto, reverentia venia,
que deva ser reformulada a súmula 347 do S.T.F., dando-se-Ihe a seguinte
redação:

"O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode deixar de apli-


car leis consideradas inconstitucionais."

A sugestão contém, por certo, uma proposição simplista, mas é preferível


a declaração do óbvio tonitroante do que a consagração duma impossibilidade.
Além do mais, o Tribunal de Contas não é órgão do Poder Judiciário para
justificar o sentido gramatical da súmula 347 do S.T.F. Seabra Fagundes
sustenta que o "Tribunal de Contas não aparece na Constituição como órgão
componente do Poder Judiciário. Dele se trata no capítulo referente ao Poder
Legislativo, do qual constitui, pelo menos por algumas de suas atribuições,
órgão auxiliar."l1
O clássico Rui Barbosa já ensinava que "o Tribunal de Contas tem criação
constitucional, mas em lugar distinto dos órgãos que compõem o Poder Judi-
ciário. Não se inclui, pois, o Tribunal de Contas na enumeração constitucional
dos órgãos do Poder Judiciário. Tribunal é, mas Tribunal sui generis, que a
Constituição não submete ao organismo do Poder Judiciário".18 Castro Nunes
adverte com o peso de sua reconhecida autoridade: "A jurisdição de contas

17 Seabra Fagundes. O Controle dos Atos Administrativos pelo P. Judiciário. Fo-


rense, 1957. p. 157.
18 Rui Barbosa. Comentários à Constituiçao Federal. Saraiva, S. Paulo, 1934. voI.
6, p. 451.

362
é o juízo constitucional de contas. A função é privativa do Tribunal instituído
pela Constituição para julgar das contas dos responsáveis por dinheiros ou
bens públicos. O judiciário não tem função no exame de tais contas, não
tem autoridade para as rever, para apurar o alcance dos responsáveis, para
os liberar. Essa função é própria e privativa do Tribunal de Contas."19 Cum-
pre ressaltar que Pontes de Miranda entende razoável a súmula 347 do
S.T.F., dando atribuições ao Tribunal de Contas para declaração da incons-
titucionalidade das leis. Sua posição decorre do próprio art. 116 da Consti-
tuição Federal de 1969: "Somente pelo voto da maioria absoluta de seus
membros, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
do poder público." O termo é genérico - "Tribunais". Não caberia, pois,
qualquer restrição. Entende, ad instar, Pontes de Miranda que cabe recurso
extraordinário ao Supremo Tribunal Federal das decisões do Tribunal de
Contas. A ilação decorre do art. 119, item 111 da Lei Maior vigente: "julgar,
mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última ins-
tância por outros Tribunais ... " Ainda aí o constituinte usou a expressão
geral - "Tribunais".20 Não procede a argumentação de Pontes de Miranda,
eis que as disposições citadas pertencem ao capítulo "Do Poder Judiciário".
A sua construção exegética é forçada para inclusão do Tribunal de Contas
na expressão geral - "Tribunais". A valer tal juízo, dever-se-ia incluir, tam-
bém, os demais tribunais administrativos existentes no País. Embora tenha
o Tribunal de Contas, e o próprio, jurisdição privativa, não significa que possa
apreciar livremente a inconstitucionalidade das leis. Sua função limita-se,
antes de tudo, na observância rigorosa das leis e no dever de deixar aplicá-las,
quando reconhecidas inconstitucionais pelo Judiciário, por se tratar de órgão
eminentemente constitucional.

8. Por derradeiro, comporta rápido exame da jurisdição do Tribunal de


Contas sobre entidades autárquicas de formação interestadual. -e exemplo
disso o Banco Regional do Desenvolvimento Econômico, com sede e foro
na cidade de Porto Alegre e agências nas capitais de três estados: Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e Paraná. Sua receita origina-se dos três estados, tor-
nando-se sempre polêmica a determinação do órgão competente para exame
de suas contas. Tal como a "Santíssima Trindade", é sempre um desafio ao
hermeneuta, de vez que suas contas se geram de fontes estaduais autônomas.

19 Castro Nunes. Teoria e Prática do P. /ud. p. 30.


20 Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967. Tomo IV, p. 104 e Co-
mentários ao antigo C.P.C. vol. XII. p. 162, 184.

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Anatomicamente, a autarquia não pode ser dividida, como o organismo hu-
mano, em cabeça, tronco e membros. Mas é possível a concentração decisória
em razão da "cabeça", sem detrimento da coleta de elementos irradiados
de seu "tronco" e "membros". A analogia pode ser sofisticada, mas serve
para solução dialética duma situação incomum dentro da história do controle
das finanças públicas. Ademais disso, é sabido que qualquer autarquia tem
base territorial e não opera em área confinada. O espaço territorial não é
elemento essencial para definir o organismo autárquico. Na gênese estatutária
do referido Banco, deveria ficar definido a quem caberia a jurisdição das con-
tas. Perfilhou, porém, o legislador pelo silêncio diante da dúvida ressaltante
da entidade de conteúdo múltiplo. Agora, a solução harmoniosa deverá ser
concebida através de convênio dos Tribunais de Contas dos três estados. Fica
aqui a imagem duma rápida sugestão interpretativa extraída dos princípios
gerais de direito. Parece caber ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Gran-
de do Sul o julgamento do balanço geral da entidade, no seu conjunto, tendo
em vista o domicílio do Banco. O julgamento não elide, porém, a inspeção
e decisão dos demais Tribunais participantes quanto às verbas de sua jurisdi-
ção e competência. Cada Tribunal respeitará a decisão proferida até o limite
peculiar das verbas estaduais identificáveis. As decisões devem ser comunica-
das ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, para fins de
destaque e ratificação, no que couber. Finalmente, a decisão do balanço geral
do Banco deverá ser transmitida aos Tribunais com cópia do relatório e
julgamento. A construção serve para dar unidade dentro da multiplicidade e,
sem tal mecanismo, o todo seria "eterno fumo de uma realidade que se vola-
tiliza".

9. DefIui do exposto a sinopse conclusiva a seguir:


a) a jurisdição é o poder de julgar constituído, enquanto a competência é o
poder de julgar organizado, na lição de João Mendes de Almeida Junior;
b) a jurisdição não é atributo exclusivo do Judiciário, pois não se confunde
a jurisdictio (dizer o direito) com a judicium (julgar o direito);
c) a tarefa de Tribunal de Contas é de órgão "auxiliar" do Congresso Na-
cional, no controle das contas, si et in quantum, não significando isso perda
de autonomia e independência na sua específica jurisdição;
d) pela recente orientação do S.T.F., o Tribunal de Contas, quando examina
"aposentadoria, reformas e pensões", suas decisões são definitivas, ex-vi do
art. 72, § 8Q da Lei Maior, na área administrativa, não cabendo a execução
do ato pelo Executivo ad referendum do Congresso Nacional;

364
e) o Tribunal de Contas, no julgamento das contas dos administradores e
demais responsáveis, ex-vi do art. 70 § § 19 e 49 da Carta Magna, emite juízo
definitivo, insuscetível de impugnação na via judiciária, a não ser quanto ao
seu aspecto formal ou ilegalidade manüesta;
f) a jurisdição privativa do Tribunal de Contas exerce-se, também, sobre os
responsáveis de bens e valores das entidades da administração indireta;
g) o ato complexo, de que participou, sucessivamente, o Poder Executivo
e o Tribunal de Contas, não pode ser anulado pela administração, a despeito
da súmula 346 do S.T.F., sem a concordância do Tribunal;
h) a súmula 347 do Supremo Tribunal Federal deve ser revista, de vez que
não cabe ao Tribunal de Contas declarar a inconstitucionalidade das leis,
nos termos do art. 116 da Constituição atual, apenas podendo deixar de
aplicar as leis consideradas inconstitucionais. A súmula não fala em "decla-
rar" mas "apreciar", convindo, de qualquer forma, dissipar a dúvida de
razoável procedência;
i) A jurisdição das contas sobre entidades autárquicas de formação interes-
tadual deve ser fixada por convênio dos Tribunais de Contas participantes,
sempre que não haja prévia determinação na lei instituidora da entidade de
conteúdo múltiplo.

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