Warwick Kerr
Warwick Estevam Kerr (Santana de Parnaíba, 9 de setembro de 1922 – Ribeirão Preto, 15 de setembro de 2018) foi um geneticista, engenheiro agrônomo, entomólogo, pesquisador e professor universitário brasileiro reconhecido internacionalmente.[2]
Warwick Estevam Kerr | |
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Nascimento | 9 de setembro de 1922 Santana de Parnaíba, SP, Brasil |
Morte | 15 de setembro de 2018 (96 anos) Ribeirão Preto, SP, Brasil |
Residência | Brasil |
Nacionalidade | brasileiro |
Cônjuge | Lygia Sansigolo Kerr |
Alma mater | Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (graduação e doutorado) |
Prêmios |
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Orientador(es)(as) | Friedrich Gustav Brieger |
Instituições | |
Campo(s) | Genética, agronomia e entomologia |
Tese | Estudos sobre o gênero Melipona (Illiger) (1948) |
Grande oficial da Ordem Nacional do Mérito Científico[1] e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, Kerr era professor titular aposentado da Universidade Federal de Uberlândia. Foi o primeiro diretor científico da FAPESP, de 1962 a 1964, onde definiu com os outros diretores os critérios para avaliação de propostas de pesquisa e estabeleceu o limite de 5% do orçamento para gastos com administração.[3]
Pesquisador de reconhecimento internacional, Kerr foi o responsável por desenvolver um novo tipo de espécie de abelha, denominada "africanizada", que é mais dócil e grande produtora de mel. Também descobriu um tipo de alface com 20 vezes mais vitamina A do que o comum.[4][5]
Foi o primeiro brasileiro a ingressar na Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.[6] Por duas vezes foi diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), de 1975 a 1979 e de 1999 a 2002. Presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de 1969 a 1973.[7][8]
Biografia
editarKerr nasceu em Santana de Parnaíba, em 1922. Era filho de Américo Caldas Kerr, descendente de escoceses, e de Bárbara Chaves Kerr. Seu pai veio de uma família bastante numerosa, dezoito irmãos, e cursou até o segundo ano de engenharia. Porém, com a morte de seu pai, ele precisou largar a faculdade e começar a trabalhar.[9] Em 1925, a família se mudou para a cidade de Pirapora. Alfabetizado em casa por sua mãe, fez o primeiro ano na Escola Mista de Pirapora e o segundo e o terceiro na Escola Particular do Rasgão (Usina da Light), onde seu pai era o diretor da usina.[2]
Ficou em Pirapora até os doze anos, mas aos oito anos já gostava de observar a natureza e principalmente as abelhas sem ferrão. Em casa, já fazia experimentos científicos pouco elaborados, apoiados pelos pais. Da usina, seu pai o mandou para um internato na capital, que Kerr não gostou. Ele então se mudou para uma pensão que pertencia à família do jornalista, escritor e produtor cultural Cornélio Pires. O então curso ginasial e o preparatório para engenharia foram cursado no Instituto Mackenzie, na capital paulista.[9]
Por sua inclinação para a pesquisa científica, seu pai sugeriu que ele fizesse engenharia. Mas Kerr tinha um colega que sempre visitava Piracicaba e falava muito bem da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ). Um dia Kerr foi com o amigo para o interior para conhecer a escola e se apaixonou pelo lugar, principalmente a coleção de insetos.[9]
Em 1942 ingressou no curso de agronomia da ESALQ. Inicialmente Kerr não gostou do curso de entomologia, mas começou a gostar depois de ter aulas de genética. Empenhado na disciplina, começou a trabalhar aos sábados começando com as abelhas. Levou algumas de suas observações para o entomólogo Herman Lent, do Museu Paulista de Zoologia. Lent se animou com as pesquisas, dizendo que suas descobertas eram inéditas e sugeriu que as publicasse. Em seu último ano de curso, publicou suas primeiras pesquisas na revista O Solo.[9]
Formado em 1945, no ano seguinte ingressou no doutorado em Genética Animal sob a orientação de Friedrich Gustav Brieger, de quem foi assistente de cátedra.[9] Doutor em 1948, defendeu junto a tese de livre-docência para concorrer à 19ª cadeira de citologia e genética da instituição.[2][3]
Carreira
editarSua carreira acadêmica começou em Piracicaba, nos laboratórios da ESALQ. A presença de vários cientistas de renome em São Paulo na época tornaram as pesquisas genéticas uma área em grande expansão. Cientistas como Carlos Arnaldo Krug, Friedrich Gustav Brieger, André Dreyfus e Theodosius Dobzhansky lecionavam na Universidade de São Paulo e formavam os primeiros geneticistas do país. Foi com incentivo de Dobzhansky que Kerr estagiou e deu aulas em diversas universidades norte-americanas como a Louisiana, Califórnia, Wisconsin e na Columbia University, em Nova York.[10]
Em 1955, Kerr foi chefe do Departamento de Biologia em Rio Claro no início da Unesp. Em 1965, assumiu a chefia do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, da qual se tornou professor titular por concurso em 1971.[11] No começo de 1962, por sugestão de Paulo Vanzolini e Crodowaldo Pavan, Kerr foi o primeiro diretor científico da Fapesp.
Demitiu-se do cargo em 1964, um mês antes do término de seu mandato, a fim de criar o Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Além de organizar o departamento, Kerr também se empenhou em fundar instituições com os mesmos objetivos da Fapesp em outros estados brasileiros.[12][13]
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, desempenhou essa função de 1969 até 1973, período marcado pelas inúmeras crises entre o governo militar e a comunidade científica e universitária, o que levou a SBPC, sob a liderança de Kerr, a uma clara postura de repúdio às arbitrariedades praticadas pela ditadura. Foi preso duas vezes (em 1964 e 1969).[14]
Com a repressão na ditadura militar, acabou sendo preso duas vezes e chegou a sofrer ameaças à sua numerosa família de sete filhos, tanto por sua atuação à frente da SBPC quanto por denunciar, em suas aulas, arbitrariedades do regime, como a tortura de uma freira em Ribeirão Preto.[15]
Entre 1975 e 1979, transferiu-se para Manaus para reorganizar o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o Inpa, com forte apoio de Jose Dion Melo Teles, então presidente do CNPq. Ao chegar no Amazonas, no Inpa trabalhavam apenas um mestre e um doutor. Ao sair do Inpa, a instituição contava com cinquenta mestres e sessenta doutores, quatro cursos de pós-graduação e 233 pesquisadores.[16][17]
“ | O que fizemos foi mandar para o sul ou para o exterior todo o pessoal aproveitável para fazer mestrado e doutorado. Também contratamos pessoal local ou de outras regiões, e até mesmo no exterior.[16] | ” |
Depois de aposentar-se da USP em janeiro de 1981, Kerr foi para o estado do Maranhão, onde permaneceu oito anos. Além de criar o Departamento de Biologia na Universidade Federal do Maranhão, foi reitor da Universidade Estadual do Maranhão. Kerr recebeu o título de Professor Honoris Causa da Unicamp em 2005[9] e da UFMA em 2017[18]. Em 1999, foi chamado de volta a Manaus para dirigir o Inpa por mais três anos.[2][11]
Após terminar suas atividades no Maranhão, Kerr foi convidado a continuar suas pesquisas na Universidade Federal de Uberlândia. Embora aposentado, ao completar setenta anos, em 1992, orientou alunos na pós-graduação, deu aulas de Genética dos Hymenoptera e realizou suas próprias pesquisas até o ano de 2012.[19]
Além de ser membro titular da Academia Brasileira de Ciências, em 1990, Kerr tornou-se o primeiro brasileiro a ingressar à Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos[20] e publicadou 648 trabalhos acadêmicos.[7]
Incidente com as abelhas africanas
editarEm 1956, Kerr foi à África, com apoio do Ministério da Agricultura, estudar a produção de mel do continente, para mais tarde aplicar seus conhecimentos ao Brasil. A pesquisa visava melhorar a produtividade das abelhas europeias introduzidas em 1839[21] introduzindo abelhas africanas mais adaptadas ao clima quente como o do Brasil. Quando retornou, trouxe por volta de 50 rainhas africanas (da espécie Apis mellifera scutellata, altamente produtiva e agressiva). Rainhas e operárias foram postas em quarentena em uma floresta de eucalipto de Rio Claro (SP), para que apenas as menos agressivas fossem escolhidas.[22][23]
As colmeias eram fechadas por uma malha que permitia a passagem de operárias, mas não de rainhas. Um erro na colocação das malhas permitiu que 26 rainhas fugissem. As abelhas enxamearam—se reproduziram—e os pesquisadores perderam o controle sobre elas. De 1957 até 1964 essas abelhas cruzaram-se com as alemãs, italianas e portuguesas. Porém, houve um grande problema: os apicultores colocavam seus apiários próximos aos galinheiros, pocilgas, cocheiras. Houve mortes de galinhas, porcos, cavalos, e as mortes de pessoas, cerca de 120 por ano, passou para 180.[10][23]
A partir daí, Kerr se dedicou a estudar a genética da produção e da agressividade dessas abelhas. Com apoio dos pesquisadores da USP, criou técnicas de manejo mais adequadas e desenvolveu a abelha africanizada, um híbrido das espécies européias (comum no Brasil) e africana. Além de mais mansa e bastante produtiva, a africanizada se mostrou resistente à varroa (praga que destrói colméias) e permitiu aos apicultores produzir o mel orgânico, onde não é necessário o uso de agrotóxicos.[22][23]
Depois disso, Kerr passou a ser reconhecido por pesquisadores e respeitado pelos apicultores.[10][24]
Vida pessoal
editarKerr era casado com a professora Lygia Sansigolo Kerr, com quem teve sete filhos: Florence, Lucy, Américo, Jacira, Ligia Regina (professora titular da Universidade Federal do Ceará, Tânia e Hélio Augusto (falecido em 2005), que lhes deram 17 netos.[25]
Morte
editarKerr estava internado em um hospital de Ribeirão Preto e morreu em 15 de setembro de 2018, aos 96 anos, devido a uma parada cardíaca.[6][26] Ele foi velado no Cemitério da Saudade, seguido de uma cerimonia de cremação.[27]
Homenagem
editarEm 2003 o Inpa instituiu a Medalha Warwick Estevam Kerr, oferecida a pesquisadores que se prestam relevantes serviços à pós-graduação na Amazônia.[7]
- ↑ a b «Agraciados pela Ordem Nacional do Mérito Científico». Canal Ciência. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ a b c d «Warwick Estevam Kerr». Academia Brasileira de Ciências. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ a b «Warwick Estevam Kerr, Diretor científico de 1962 a 1964». FAPESP. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ «Professor Warwick Estevam Kerr falece em SP». Universidade Federal de Uberlândia. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ Anna Maria Bonetti (ed.). «Homenageado da 61ª Reunião Anual da SBPC Warwick Estevam Kerr». Registros da 61ª Reunião anual da SBPC. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ a b «Morre aos 96 anos o cientista brasileiro Warwick Kerr». G1. 15 de setembro de 2018. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ a b c «Warwick Estevam Kerr (1922-2018)». Associação de Docentes da Universidade de São Paulo. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ «Presidentes de honra». Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ a b c d e f «Warwick Estevam Kerr, um brasileiro, é Doutor honoris causa da Unicamp». Unicamp. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ a b c Coelho, Marco Antônio (2005). «Warwick Kerr: a Amazônia, os índios e as abelhas». Estudos Avançados (53): 51–69. ISSN 0103-4014. doi:10.1590/s0103-40142005000100004. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ a b «Registros da 61ª Reunião Anual da SBPC». Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ Carlos Fioravanti (ed.). «Desbravador da ciência». Revista Pesquisa FAPESP. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ «Nasce um projeto de vanguarda». Revista Pesquisa FAPESP. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ «Warwick Estevam Kerr (1922-2018)». Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Consultado em 3 de setembro de 2021
- ↑ «Morre aos 96 o agrônomo Warwick Kerr, brasileiro que ajudou a decifrar as abelhas». Ecoa. Consultado em 3 de setembro de 2021
- ↑ a b «História do PPG-Ecologia do INPA». Programa de Pós-Graduação em Ecologia INPA. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ KERR, Warwick E. ; CARVALHO, G. A. ; SILVA, A. C. ; ASSIS, M. G. P., ed. (2001). «Aspectos pouco mencionados da biodiversidade amazônica» (PDF). Parcerias Estratégicas. pp. 20–41. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ «Fundador do curso de Ciências Biológicas da UFMA recebe hoje título de "Professor Honoris Causa"». Universidade Federal do Maranhão. Consultado em 3 de setembro de 2021
- ↑ «Warwick Estevam Kerr». Instituto de Biotecnologia. 15 de outubro de 2019. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ «Warwick E. Kerr». National Academy of Sciences. Consultado em 3 de setembro de 2021
- ↑ «Mel brasileiro tem história e qualidade». Canal Rural. 29 de maio de 2016. Consultado em 3 de setembro de 2021
- ↑ a b Miksha, Ron (15 de setembro de 2018). «Dr. Warwick Kerr, the "Man Who Created Killer Bees", has died». Bad Beekeeping Blog. Consultado em 3 de setembro de 2021
- ↑ a b c Evanildo da Silveira (ed.). «Como brasileiro criou 'abelhas assassinas' por acidente e revolucionou a apicultura». BBC. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ Maro Coelho e Warwick E. Kerr, ed. (2005). «A Amazônia, os Índios e as Abelhas» (PDF). Revista Estudos Avançados. 19 (53): 51-69. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ Josianne Cerasoli (ed.). «Trajetórias de uma ciência encantada:os "melhoramentos" de Warwick Estevam Kerr» (PDF). tropeçando universos (artes, humanidades, ciência). Consultado em 9 de dezembro de 2014
- ↑ Reinaldo José Lopes, ed. (15 de setembro de 2018). «Morre aos 96 o agrônomo Warwick Kerr, brasileiro que ajudou a decifrar as abelhas». Folha de S. Paulo. Consultado em 20 de janeiro de 2023
- ↑ «Morre Warwick Estevam Kerr, Doutor Honóris Causa da Unicamp». Unicamp. Consultado em 20 de janeiro de 2023
Ligações externas
editar- Warwick Kerr, um professor e pesquisador apaixonado na Unesp
- Homenagem – Muito obrigado, Prof. Kerr no A.B.E.L.H.A.
- Homenagem ao Prof. Dr. Warwick Estevam Kerr no Sem Abelha Sem Alimento