Michel Pêcheux
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Michel Pêcheux (1938-1983) foi um filósofo francês.[1] É considerado um dos fundadores da análise do discurso, especialmente em sua linha materialista e francesa.[2]
Michel Pêcheux | |
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Nascimento | Michel Marie Jean Gaston Pêcheux 24 de junho de 1938 Tours |
Morte | 15 de janeiro de 1984 (45 anos) Champigny-sur-Marne |
Cidadania | França |
Ocupação | filósofo, linguista |
Biografia
editarEstudou filosofia na École normale supérieure (1959-63), junto do filósofo Louis Althusser, que exerceu uma grande influência em seus estudos. Em 1966, começou suas atividades no Departamento de Psicologia do Centre National de la Recherche Scientifique, do qual chegou a ser diretor de pesquisas. Precursor da Análise de Discurso (AD) desenvolvida na França entre as décadas de 1960 e 1970, juntamente com um coletivo de colaboradores, teorizou, sobretudo, acerca da materialidade do discurso. Por um lado, dando continuidade às elaborações teóricas de Louis Althusser (1918-1990), por outro, contrapondo-se à Análise do Discurso influenciada por Harris e trabalhada por Dubois em Nanterre, Pêcheux conceituou o discurso enquanto uma determinada forma de materialidade (histórico e linguística) diretamente imbricada com a materialidade ideológica, propondo uma ‘semântica do discurso’.
A grande novidade que as teorias de Althusser e Pêcheux trouxeram foi a de romper com uma concepção de ideologia como simples reflexo da instância econômica e com uma concepção de linguagem como instrumento de comunicação e língua enquanto sistema anquilosado a uma sintaxe suturada. A especificidade e irredutibilidade das formações ideológicas e discursivas permitiram a delimitação de um novo campo de estudos para a linguística de base materialista. Uma vez que a ideologia não é somente um espelho (com seus efeitos de simples inversão e distorção da imagem “real”) da luta de classes de base econômica, mas possui um modo de funcionamento específico, ela demanda um dispositivo de análise adequado a seu estudo. Esse dispositivo se construiu a partir das pesquisas acerca da produção de sentido (semântica materialista) dos discursos – entendidos enquanto a materialidade característica às formações ideológicas.
A Análise de Discurso se distinguiu então, na perspectiva do materialismo histórico, por se ocupar de uma realidade peculiar, dotada de uma regularidade e um modo de funcionamento irredutíveis. Dessa forma, o objeto de estudo da AD se diferencia e suas pesquisas ganham autonomia em relação a outros campos como o das formações econômicas e sociais. Ainda que essa autonomia seja relativa, e a AD se sirva de chaves conceituais externas ao seu campo (como: luta de classes, enunciado, imaginário, resistência). As descrições e interpretações de discursos têm como uma de suas bases as ciências da linguagem e a linguística estrutural que propõem uma concepção de língua como opaca, equívoca e com uma regularidade interna própria (teoria do valor de Saussure).
Na perspectiva das ciências linguísticas, a AD permite uma abordagem alternativa para a compreensão de fenômenos de ordem semântica. A abordagem materialista proposta por Pêcheux na década de 1960 desencadeou uma trajetória acidentada mas profícua, com contínuas retificações, ajustes, desvios e retomadas. O discurso, objeto de estudos da AD, segundo Pêcheux, cruza a via do acontecimento, o da estrutura e o da tensão entre descrição e interpretação da análise do discurso.
"As palavras, expressões, proposições, etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas (...) nas quais essas posições se inscrevem. Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.)."(Semântica e Discurso, 1975, p.160)
Bibliografia selecionada
editarLivros
- Análise Automática do Discurso (1969)
- Sobre a história das ciências (1969) - com M.Fichant
- Semântica e discurso: uma crítica da afirmação do óbvio (1975)
- A língua inatingível (1981) - com F.Gadet
- O discurso: estrutura ou acontecimento (1983)
Artigos
- Réflexions sur la situation théorique des sciences sociales et, spécialement, de la psychologie sociale (artigo de 1966, assinado com o pseudônimo Thomas Herbert)
- Remarques pour une théorie générale des idéologies(artigo de 1968, assinado com o pseudônimo Thomas Herbert) F
- A semântica e o corte saussuriano (artigo de 1971, em co-autoria com Claudine Haroche e Paul Henry)
- Recherches sur le discours illuministe au XVIIIe siècle : Louis-Claude de Saint-Martin et les « circonstances » (artigo de 1971, em co-autoria com Gérard Gayot)
- Mises au point et perspectives à propos de l'analyse automatique du discours (artigo de 1975, em co-autoria com Catherine Fuchs)
- Há uma via para a Linguística fora do Logicismo e do Sociologismo? (artigo de 1977, em co-autoria com Françoise Gadet)
Recepção no Brasil
editarKogawa (2012) investigou um diálogo menos discrepante entre a disciplina e o pano de fundo histórico-epistemológico no qual a obra de Pêcheux foi recebida no Brasil, sobretudo um esquecimento – história adormecida, deixada em suspenso no momento de disciplinarização da AD: a produção de Carlos Henrique de Escobar como a primeira recepção da filosofia althussero-pecheutiana no Brasil – sobre um conjunto de trabalhos desenvolvidos no Rio de Janeiro nos anos de Ditadura Militar Brasileira.
Ao estudar a história da AD na França, as leituras mostram que a AD tem um saber em movimento, inquieto e em revisão. Estabelecendo os propósitos inicias da AD, desde suas primeiras manifestações em 1960, auge da crise das ideias de Saussure, e sua fundação sobre os três pilares teóricos das principais áreas de confronto: Linguística, Marxismo, e Psicanálise (com base nos autores Saussure, Marx e Freud, respectivamente), é possível observar sua evolução e sua superação de conceitos, por exemplo, nas fases de “tateamento” e “desconstrução”. Nas épocas AD2 e AD3, como as chama Pêcheux em Análise do discurso - Três Épocas (1983 [1997], p. 311), alguns conceitos esfumam-se e produzem recusas a aspectos estruturalistas da época AD1, como o caráter do automatismo no discurso, por exemplo.
Como estudamos o desenvolvimento da AD na França, encaminhamo-nos inevitavelmente para a reflexão acerca de um fato importante para os estudantes brasileiros dessa ciência: a introdução e o desenvolvimento da AD em nosso país. Mais ainda, a possibilidade do reconhecimento da existência de uma Análise do Discurso do Brasil com a singularidade da sua recepção e das formas de circulação, possibilita-a constituir-se com “rosto” brasileiro (GREGOLIN, 2003).
Como e quando foi possível manifestar o interesse pelos estudos do discurso num país em que, no auge do florescimento da revolucionária ciência, vivia sob o regime da ditadura militar que reprimia tão veementemente as novas ideias, principalmente de uma área do saber engendrada sob a luz de ideias marxistas e ideológicas? De fato, observando o histórico muito recente da AD, no Brasil, percebe-se um envolvimento tardio, em que várias ideias, para nós, inovadoras, já estavam sendo revistas no berço da AD na França. Para tal considera-se que a versão brasileira de Les Véritès de La Palice (1975), traduzida por Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação ao óbvio (PÊCHEUX, 1997), compreende o anexo de retificação, escrito em 1978 e publicado em edição inglesa em 1982 (cujo título é “The French Political Winter: Beginning of a Rectification”). Há também revisões propostas pelo autor em Le Discours: Structure or Événément?, publicação resultante de conferência proferida em 1983, na Universidade de Illinois Urbana-Champaign.
A AD chega ao Brasil ainda nos anos finais de 1960 e início de 1970 em torno da figura apagada e esquecida de Carlos Henrique de Escobar, no contexto acadêmico da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em pleno período ditatorial, como demonstra Gregolin (2006) em seu texto “Tempos brasileiros: percursos da Análise do Discurso nos desvãos da história”, publicado no livro Percursos da Análise do Discurso no Brasil. Esse resquício histórico é anotado na historiografia da Análise do Discurso por Kogawa (2012; 2015 ), em sua tese de doutoramento e, posteriormente, em Linguística & Marxismo.
Alguns anos mais tarde, a teoria chega ao espaço acadêmico da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) na figura de Eni P. Orlandi, grande difusora, pós-ditadura, e continuadora em terra brasileira, como demonstram as disciplinas ministradas nesta Instituição, no final dos anos 70 e início dos anos 80 do século XX. Das décadas de 1980 e 1990 aos dias de hoje, emergiram vários grupos de analistas do discurso com pesquisas nesse escopo teórico e vários eventos na área, como SEAD (Seminário de Estudos em Análise do Discurso), CIAD (Colóquio Internacional em Análise do Discurso), JIED (Jornada Internacional em Análise do Discurso), CIED (Congresso Internacional de Estudos do Discurso), etc.
Observada nesses dois contextos, francês e brasileiro, verifica-se que na França a AD (inserida no campo das Ciências Sociais) talvez apresentasse caráter mais ideológico, politizado, e caráter sociológico, enquanto no Brasil a Análise do Discurso figurou - com exceção da recepção althussero-pecheutiana promovida por Escobar e praticamente esquecida no Brasil - como disciplina de interpretação privilegiando o estudo da linguagem, o que em sua implantação caracterizou-se pelo veio da Linguística nos cursos de Letras. Por isso, essa teoria já pertence à ordem dos saberes formadores do professor de português, das Licenciaturas em Letras e Bacharelados em Linguística em diversas universidades públicas brasileiras, conforme estudos de Nascimento (2015).
A saber, analisar as principais áreas de confronto da AD, já que esta configura, como dissemos, a reunião de saberes transversais que se conjugam e ajudam a olhar os sentidos de textos, conforme certos objetivos estabelecidos pelo analista e de acordo com as particularidades de um corpus, dão-se prioridade, então, às duas principais vizinhanças teóricas, áreas do conhecimento, sobre as quais se erigiu a Análise do Discurso. Além da Linguística, as Ciências Sociais foram alvo de estudo em que as principais teorias sócio-históricas, a de Althusser, de Freud, de Lacan, de Marx, por exemplo, enfrentaram discussões, análises, comparações e até mesmo sofreram relativizações por Pêcheux. Em seguida ao estudo das teorias sócio-históricas, o pensar sobre fenômenos da Psicanálise, da Filosofia, mais especificamente, os postulados – psicológicos e filosóficos – sobre o sujeito, Foucault certamente foi o responsável da grande contribuição, de modo a superar as dogmáticas ideias do assujeitamento cego e as suas discussões sobre os “feixes de saberes” constituírem, nas práticas, a contradição como elemento constitutivo do sujeito. No campo da Psicanálise, frases como “Só há causa daquilo que falha” e “o inconsciente é estruturado em linguagem” somam-se à revolução do pensamento sobre o “sujeito”.
Analisar as teorias linguísticas propriamente ditas, já que o signo linguístico é a base material para qualquer forma de análise, delega à Linguística o papel de área privilegiada pela Análise do Discurso.
Referências
editarGREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na Análise do Discurso: diálogos e duelos. São Carlos: ClaraLuz, 2004.
_____. “Tempos brasileiros: percursos da Análise do Discurso nos desvãos da história”. In: FERNANDES, C. A.; SANTOS, J. C. (Org.). Percursos da Análise do Discurso no Brasil. São Carlos, SP: Claraluz, 2006. p. 23-46.
_____. “No diagrama da AD Brasileira: heterotopias de Michel Foucault”. In: NAVARRO, P. (Org.). O Discurso nos Domínios da Linguagem e da História. São Carlos, SP: Claraluz, 2008a. p. 23-36.
_____. Análise do Discurso: história, epistemologia, exercícios analíticos. Tese de Livre-Docência. Araraquara, SP: Unesp, FCL, 2008b.
KOGAWA, João Marcos Mateus. Por Uma Arqueologia da Análise do Discurso no Brasil. 2012. 209 f. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa). Faculdade de Ciências e Letras. Universidade Estadual Paulista. Campus de Araraquara. 2012.
KOGAWA, João. Linguística & Marxismo: condições de emergência para uma teoria do discurso francesa no Brasil. São Paulo: FAP-UNIFESP, 2015.
NASCIMENTO, Lucas do. Análise do Discurso e Ensino: políticas de produção escrita, mídia e saberes do professor de português em formação. 2015. 365 f. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de Concentração: Linguagem e Educação). Faculdade de Educação. Universidade de São Paulo. 2015.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA::
KOGAWA, João Marcos Mateus. Carlos Henrique de Escobar por ele mesmo: tragicidade e teoria do discurso. Dialogos (Maringa), v. 18, pp. 927-942, 2014.
KOGAWA, João Marcos Mateus. Qual via para a Análise do Discurso?: Uma Entrevista com Jean-Jacques Courtine. Alfa: Revista de Linguística (UNESP. Online), v. 59, p. 407-417, 2015.
KOGAWA, João Marcos Mateus. A recepção da ADF no Brasil nas décadas de 1960/70. In: GREGOLIN, M. R.; KOGAWA, J. M. M. (Org.). Análise do Discurso e Semiologia: problematizações contemporâneas. Araraquara: Cultura Acadêmica, 2012, v. 1, pp. 1-12.
MAGALHÃES, Anderson Salvaterra & KOGAWA, João. Pensadores da análise do discurso: uma introdução. 1.ed. Jundiaí/SP: PacoEditorial, 2019.
NASCIMENTO, Lucas do. Especificidade de uma disciplina de interpretação (a análise do discurso no Brasil): alguns apontamentos. Revista Filologia e Linguística Portuguesa, USP. v. 17, pp. 569-596, 2016.
Ligações externas
editarFundo Michel Pêcheux / Labeurb
Dossiê Marxismo, Linguagem e Discurso
- ↑ «Thomas Herbert [Michel Pêcheux] (1938–1983) - Cahiers pour l'Analyse (An electronic edition)». cahiers.kingston.ac.uk. Consultado em 6 de janeiro de 2022
- ↑ «Labeurb > Quem foi Michel Pêcheux». www.labeurb.unicamp.br. Consultado em 6 de janeiro de 2022