Como o ar que respiramos: O sentido da cultura
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Sobre este e-book
Neste livro vencedor do Premio Nacional de Ensayo, Antonio Monegal reflete sobre este bem de primeira necessidade que é, também, a cola que nos une.
Entre definições simplistas que a reduzem a um mero produto intelectual e artístico da elite e atributos antropológicos que a descrevem como manifestação da própria humanidade, faz sentido questionar o sentido da cultura na contemporaneidade, evidenciando a sua dimensão social e agregadora?
Neste ensaio vencedor do Premio Nacional de Ensayo, Antonio Monegal resgata a ideia de cultura de controvérsias estéreis e assume-a como uma atividade intrinsecamente política, indissociável do nosso lugar e intervenção na sociedade: um bem de primeira necessidade que nos permite pensar o mundo e enfrentar os desafios da existência, sem o qual "corremos o risco de ser como o peixe que não sabe o que é a água".
Elogios da crítica:
"Lucidamente, Monegal questiona conceitos que não costumamos questionar e examina a relação, sempre controversa, entre política e cultura." Jordi Llavina, La Vanguardia
"Um ensaio que nos coloca frente ao caráter vital da cultura na tessitura social e na condição humana." Jesús Ferrer, La Razón
"De um modo claro, conciso e inteligente, Monegal analisa a relação da cultura com muitas outras questões interessantes. Uma leitura agradável, formativa e necessária." Fulgencio Argüelles, El Comercio
Antonio Monegal
Antonio Monegal nasceu em Barcelona em 1957. É professor catedrático de Teoria da Literatura e Literatura Comparada na Universidad Pompeu Fabra. Licenciado em Filosofia pela Universidad de Barcelona, doutorou-se em Harvard em 1989 e lecionou na Cornell University. O seu trabalho de investigação incide sobre políticas culturais e a representação da guerra na literatura e nas artes visuais, temas que deram origem aos dois livros da sua autoria publicados na Objectiva: Como o ar que respiramos, publicado na Objectiva em 2024, distinguido com o Premio Nacional de Ensayo 2023; e o que agora publicamos, O silêncio da guerra. Entre 2009 e 2013, foi vice-presidente do Consell de Cultura de Barcelona e presidente do seu comité executivo.
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Pré-visualização do livro
Como o ar que respiramos - Antonio Monegal
Edição em formato digital: abril de 2024
COMO O AR QUE RESPIRAMOS
O sentido da cultura
Título original: Como el aire que respiramos
El sentido de la cultura
© 2022, Antonio Monegal Brancós
© 2022, Quaderns Crema, S.A. (Acantilado, Barcelona)
Todos os direitos reservados
© desta edição:
2024, Penguin Random House Grupo Editorial, Unipessoal, Lda.
Objectiva é uma chancela de
Penguin Random House Grupo Editorial
Rua Alexandre Herculano, 50, 3.º, 1250-011 Lisboa, Portugal
correio@penguinrandomhouse.com
Penguin Random House Grupo Editorial Unipessoal, Lda. apoia a proteção do copyright. Sem a prévia autorização por escrito do editor, esta obra não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, por meio de gravação ou por qualquer processo mecânico, fotográfico ou eletrónico, nem ser introduzida numa base de dados, difundida ou de qualquer forma copiada para uso público ou privado, além do uso legal como breve citação em artigos e críticas.
Tradução: Gonçalo Neves
Revisão: Laurinda Brandão
Capa: Wonder Studio / Ana Teixeira
Imagem da capa: The Grand Gallery, Louvre, Paris, 1801-1805,
Hubert Robert © Universal History Archive/Universal Images Group via Getty Images
ISBN: 978-989-787-962-3
Composição digital: leerendigital.com
Site: penguinlivros.pt
Twitter: @PenguinLivrosPT
Facebook: editoraobjectiva
Instagram: penguinlivros
Índice
Como o ar que respiramos
Créditos
Dedicatória
Preâmbulo
1 A cultura é importante?
2 O valor questionado
3 De difícil definição
4 Para que serve a cultura
5 Uma caixa de ferramentas
6 Menos é mais
7 A cultura como recurso
8 Consumo e cultura de massas
9 Híbridos e globalizados
10 Memória e identidade
11 Inflexões da diferença
12 O limite da nação
13 Por uma ética cosmopolita
14 O que têm em comum a cultura e a política?
15 O que está em jogo
Agradecimentos
Bibliografia Selecionada
Sobre este livro
Sobre Antonio Monegal
Para a Carlota
PREÂMBULO
Este ensaio acabou de ser escrito durante o confinamento devido à pandemia da covid-19, na primavera de 2020, embora a maior parte já estivesse redigida e a motivação nada tenha a ver com essa conjuntura inesperada. Durante aqueles dias, a cultura demonstrou a sua capacidade para unir as pessoas que estavam separadas, dar conteúdo ao tempo e enriquecer a experiência do confinamento. Os Stay Homas a atuarem no terraço, Cesc Gelabert a dançar em casa, concertos e coros com músicos e cantores isolados em lugares distantes, mas em uníssono, convites para a leitura, filmes em barda, teatro gravado, visitas virtuais a museus, conferências e debates, artistas como David Hockney a criarem e partilharem… Um sector frágil e precarizado pela ressaca interminável da crise anterior, e que tem grandes probabilidades de sofrer as consequências desta, pôs os respetivos recursos e imaginação ao serviço da sociedade quando mais falta faziam, como um bote salva-vidas no meio da tempestade. São também muitas as reflexões que o desastre suscitou — sobre o nosso lugar no mundo, a organização das nossas sociedades, a desigualdade perante o infortúnio, o futuro da democracia e a desforra da Natureza —, que mostram a necessidade de nos dotarmos de ferramentas para compreender e responder aos desafios da existência. Recorremos a narrativas de ficção proféticas, aterrorizantes ou consoladoras, a utopias e distopias, para encontrar um sentido para o presente. Há ainda outra dimensão cultural que não costumamos englobar na mesma categoria, mas da qual se falou repetidamente: até que ponto o contágio e a reação dependeram de hábitos e condutas que distinguem as sociedades. A distância ou a proximidade no trato, os apertos de mão, abraços e beijos, a utilização do espaço público ou doméstico, ou o uso das máscaras, são práticas culturalmente determinadas. São modos distintos de abordar o que é e o que faz a cultura.
A cadeira que me competia ministrar na universidade durante o confinamento era dedicada à teoria da tragédia, de Aristóteles a Brecht e Artaud, George Steiner e Judith Butler, e à tradição teatral para a qual remete, desde a Atenas do século V antes de Cristo até aos nossos contemporâneos, como Wajdi Mouawad. Graças à tecnologia disponível hoje em dia conseguimos trabalhar à distância com relativa facilidade, através de videoconferências, chats, fóruns, leituras e vídeos on-line. O que há poucos anos teria sido uma barreira intransponível tornou-se, para a maioria, uma simples complicação e uma mudança de registo, embora, infelizmente, as circunstâncias pessoais de alguns estudantes os impedissem de acompanhar o curso com normalidade. Fazia-nos falta a presencialidade, e não pudemos ir ao teatro assistir a uma tragédia ao vivo, como fizemos em edições anteriores da cadeira. No entanto, a situação excecional que atravessávamos convidava-nos, aos alunos e a mim, a refletir sobre a pertinência das lições da tragédia para o nosso presente imediato.
Em Atenas o teatro era, nessa altura, uma instituição com uma relevância social semelhante à da ágora onde se realizavam as assembleias. A participação neste ritual cívico, cuja origem é sagrada, era uma das formas de se exercer a cidadania ateniense. Graças à tragédia, o espectador tomava consciência de que o ser humano é livre e responsável pelas suas decisões, mas que a sua existência está sujeita a forças que escapam ao seu controlo — quer se chamem deuses, destino ou Natureza —, que não se pode esperar que a vida seja justa e que a desgraça, o conflito e a violência espreitam a cada esquina. A tragédia é a expressão dramática de uma visão da realidade segundo a qual o ser humano é, nas palavras de Steiner, «um hóspede inoportuno no mundo». Algo que muitas vezes esquecemos, insuflados pelo orgulho, até que uma catástrofe nos avive a memória. Os Gregos tinham-no sempre presente, não apenas porque o seu ambiente talvez fosse mais brutal e imprevisível (embora essas experiências também abundem no nosso tempo) ou porque se sentissem mais próximos do mistério, da irracionalidade ou do absurdo da existência (embora o fosse), mas porque, para eles, as artes e aquilo a que agora chamamos cultura não eram uma mera distração supérflua mas um meio para explicar o mundo, ordená-lo e dotá-lo de sentido. A tragédia era uma escola de valores e um espaço público para se debaterem os conflitos que afligiam a sociedade. Funções hoje esbatidas, mas não perdidas, do teatro, da literatura e das demais artes.
Apesar da abordagem conceptual, as preocupações subjacentes a este ensaio são de natureza eminentemente prática. Durante quatro anos, entre 2009 e 2013, tive o privilégio de ser vice-presidente do Consell de la Cultura de Barcelona, encabeçado pelo presidente da Câmara, e de presidir ao seu comité executivo, sendo responsável por aconselhar e decidir sobre alguns aspetos das políticas culturais da cidade. Era um órgão recém-criado, concebido como um instrumento de participação cívica e composto por especialistas independentes. Aqueles quatro anos de mandato decorreram num período de transição entre dois governos municipais, um socialista e o outro nacionalista, e coincidiram com o início de uma crise económica que atingiu brutalmente todos os sectores culturais, prelúdio da que enfrentamos agora, e uma das razões pelas quais o sistema cultural enfrenta a atual em condições de extrema fragilidade.
Esta experiência de imersão na gestão das políticas culturais municipais e nos debates políticos que a rodeavam implicou uma aprendizagem prática inestimável para alguém que, até então, se moveu exclusivamente no campo teórico. Barcelona é um laboratório adequado para o estudo das dinâmicas culturais devido à composição do seu tecido social e à confluência de identidades, assim como à adoção de políticas públicas com um delineamento estratégico a longo prazo, graças à continuidade da hegemonia municipal da esquerda. Com a sobreposição da transição política e da crise o modelo que prevaleceu durante décadas enfrentou um duplo obstáculo, o reajustamento ideológico e a drástica redução dos recursos públicos e do consumo privado. O primeiro foi leve, o segundo traumático, sobretudo para um ecossistema cultural que se habituara a uma melhoria progressiva das suas condições e infraestruturas e a um compromisso decidido dos poderes públicos.
Como aconteceu com outros direitos sociais próprios do Estado social, a crise económica serviu de desculpa para questionar o modelo e a respetiva sustentabilidade, como se na época de abundância tivessem sido desperdiçados os fundos públicos. A crítica da cultura subsidiada tinha associada a constante comparação com as necessidades sociais imperiosas: a saúde, a educação, a proteção aos desempregados, as pensões, domínios em que também foram aplicados cortes. O apoio público à cultura deixava de ser visto como uma política redistributiva, de proteção dos sectores mais frágeis e democratização do acesso, para exigir ajustamentos ditados pelas leis do mercado e por uma maior participação do sector privado, num momento em que também este se via a braços com um processo de empobrecimento. No fundo, o que estava, e continua, a ser questionado é a natureza de bem comum e direito social da cultura como um dos pilares básicos do Estado social.
Ao testemunhar este retrocesso e tentar ajudar a combatê-lo por meio da pedagogia, participação em debates, redação de relatórios e proferindo declarações, percebi que os argumentos usados para defender o investimento público na cultura eram sempre os mesmos, sobretudo nos círculos políticos: a cultura é um importante motor económico e um instrumento de coesão social. Ambos os argumentos são verdadeiros, mas insuficientes. São álibis utilitaristas, focam-se nos efeitos colaterais ao invés de explicarem o valor intrínseco da cultura. Argumentam sobre a sua utilidade como resposta a quem opina que de nada serve, mas trata-se de um argumento frágil porque não se fundamenta naquilo que propriamente a cultura faz nem para que serve a quem a consome. Ninguém toca violino, lê, vai ao teatro ou vê exposições para gerar riqueza ou coesão social.
É evidente que, se a cultura merece ser apoiada com recursos públicos, é porque tem uma função social. Se se considerar que os benefícios são apenas individuais, é mais fácil propor que o custo seja suportado por cada consumidor. Nomeadamente quando o entretenimento é encarado como mais uma forma de consumo sumptuário. No entanto, no que diz respeito à cultura como melhoria da qualidade de vida e realização pessoal dos cidadãos, deveríamos usar o mesmo critério que se aplica à educação ou à saúde: reconhecer que a soma do benefício individual possui um valor coletivo. Embora, provavelmente, este caminho não nos permita saber por que razão a cultura é um bem comum de primeira e irrenunciável necessidade.
Saí daquela imersão de quatro anos nas políticas culturais da cidade com uma dupla determinação: transferir aquela aprendizagem prática para a minha investigação académica e tentar produzir uma argumentação a favor da cultura que não se estribe em critérios utilitários, nem tão-pouco em apriorismos acerca da superioridade de certo tipo de cultura. Do meu ponto de vista, qualquer explicação do que a cultura faz tem de valer igualmente para a alta cultura, a cultura popular e a cultura de massas, sem que isso signifique que são a mesma coisa.
Tinha acumulado uma grande quantidade de documentação e de dados: números de subsídios, procedimentos de atribuição, orçamentos de organismos públicos e de investimento municipal, estruturas administrativas, regulamentos, planos estratégicos, relatórios, reivindicações dos sectores, disfunções, necessidades e debilidades do sistema. Resisti a manusear este material, não só devido à confidencialidade de parte do mesmo como porque um retrato da situação em Barcelona durante um período concreto tem um interesse conjuntural; pode ser útil para um diagnóstico, para apontar deficiências ou propor melhorias, ou servir de base a estudos de natureza histórica ou crítica, como alguns, muito valiosos, publicados sobre o chamado «modelo Barcelona», para o bem ou para o mal já obsoleto ou em vias de liquidação. Como não sou um cientista social, o manuseamento de dados quantitativos não faz parte das minhas ferramentas metodológicas. O problema que me ocupa é mais de fundo, não limitado a uma cidade ou a um país, porque é um sinal dos tempos que se traduz numa desvalorização do conceito de cultura. Decido resistir a esta tendência abordando o próprio conceito e o discurso que origina em seu redor. O desafio é claro: será possível encontrar uma resposta para a importância da cultura?
1
A cultura é importante?
A ciência é tudo o que compreendemos suficientemente bem para explicar a um computador. A arte é tudo o resto que fazemos.
DONALD E. KNUTH,
do prólogo de A = B
A pergunta que dá título a este capítulo tem, implícitas, algumas outras: para quem é, ou não, importante? Porque deveria ser importante? De que cultura falamos? E a mais evidente e difícil de responder: o que entendemos por cultura? Como outros livros que têm sido editados em tempos recentes, este ensaio surge da perceção de uma ameaça e de um certo impulso combativo, de defesa. Quando alguém toma a palavra neste debate sob a invocação de uma pergunta destas, está a tomar partido e o leitor compreende de imediato que o discurso responde à necessidade de argumentar que a cultura é importante. Que parece não ter importância suficiente e que devia ser mais importante.
Em relação a esta expetativa, para não a defraudar, convém esclarecer que o meu principal propósito não é defender o valor edificante das artes e das letras nem lamentar-me pela sua cada vez maior perda de relevância no
