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Os nove mentirosos: Uma história de Cordialmente Cruel
Os nove mentirosos: Uma história de Cordialmente Cruel
Os nove mentirosos: Uma história de Cordialmente Cruel
E-book499 páginas6 horas

Os nove mentirosos: Uma história de Cordialmente Cruel

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Sobre este e-book

Sete suspeitos. Duas mortes.
Um assassino ainda fazendo um jogo mortal.
O último ano no Instituto Ellingham não está indo muito bem para Stevie Bell. Seu namorado, David, está estudando em Londres e seus amigos estão obcecados com as opções de faculdade, mas ela está à deriva. Não há nada que a distraia das perguntas que ficam martelando em sua cabeça — sobre universidade, amor e a vida em geral.
O alívio chega quando um convite surge para se juntarem a David no intercâmbio por alguns dias, e sua nova amiga Izzy apresenta um caso de assassinato em aberto. Em 1995, nove amigos da Universidade de Cambridge viajaram a uma casa de campo e jogaram uma partida de esconde-esconde regada a bebida madrugada a dentro. No dia seguinte, dois foram encontrados no galpão de madeira, mortos a machadadas.
Na época, a polícia decidiu que se tratava de um assalto malsucedido, mas uma das sete sobreviventes viu algo que não consegue explicar. Alguém está mentindo sobre o que aconteceu naquela noite e, de um jeito ou de outro, a verdade terá que vir à tona.
Na última história da hilária série estrelada por Stevie Bell, Maureen Johnson nos presenteia com mais um mistério pulsante, repleto de reviravoltas e situações embaraçosas que fecha com chave de outro o universo de Cordialmente Cruel.
IdiomaPortuguês
EditoraHarperCollins Brasil
Data de lançamento9 de jan. de 2025
ISBN9786583175199
Os nove mentirosos: Uma história de Cordialmente Cruel

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    Pré-visualização do livro

    Os nove mentirosos - Maureen Johnson

    Copyright © 2022 by Maureen Johnson. Todos os direitos reservados.

    Copyright da tradução © 2024 by Isadora Prospero por Editora Pitaya.

    Todos os direitos reservados.

    Título original: Nine Liars

    Todos os direitos desta publicação são reservados à Casa dos Livros Editora LTDA. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão dos detentores do copyright.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)


    Johnson, Maureen

    Os nove mentirosos / Maureen Johnson; tradução Isadora Prospero. – Rio de Janeiro: Pitaya, 2025.

    Título original: Nine liars.

    ISBN 9786583175199

    1. Ficção norte-americana I. Título.

    Índice para catálogo sistemático:

    1. Ficção: Literatura norte-americana 813

    Bibliotecária responsável: Eliete Marques da Silva – CRB-8/9380

    Editora Pitaya é uma marca licenciada à Casa dos Livros Editora Ltda. Todos os direitos reservados à Casa dos Livros Editora LTDA.

    Rua da Quitanda, 86, sala 601A – Centro,

    Rio de Janeiro/RJ – CEP 20091-005

    Tel.: (21) 3175-1030

    www.harpercollins.com.br

    Para Gillian Pensavalle e Patrick Hinds,

    que nunca iriam à mansão da morte

    no interior da Inglaterra

    — Julian é um bundão — disse Sooz. — Um grande bundão, de marca maior.

    Sooz Rillington tirava vantagem do lugar no banco da frente do Volvo, esticando o corpo de 1,82m e permitindo que o mundo encarasse seu abdome, que estava claramente exposto por um top esportivo que ela fingia ser uma blusa. Não tinha uma grande plateia no momento, exceto por alguns pardais ou pombos-torcazes nas árvores à margem da estrada, mas, se estivessem interessados em abdomes humanos, estavam com sorte.

    Eles saíram atrasados de Cambridge, mas dias de verão ingleses se estendem para sempre. Ainda havia muita luz dourada vertendo-se sobre a estrada no interior de Gloucester, mesmo tão tarde. O céu estava limpo, mas havia uma linha vertical de nuvens cor de chumbo à distância. Choveria em breve.

    A Inglaterra era assim. Sempre havia chuva no horizonte.

    — Um bundão Titanic — continuou Sooz —, que afunda todos que andam nele.

    Os comentários eram dirigidos a Rosie Mortimer, que não estava prestando a menor atenção. Ela olhava pela janela aberta do carro, esticando os dedos para roçar gentilmente a cerca viva. O cabelo loiro preso em dois elásticos balançava com a brisa, batendo no rosto de Rosie. Ela não parecia notar nem se importar. Rosie não era do tipo quietinha, então o silêncio distraído abalava a dinâmica usual do grupo.

    — A gente sabe — disse Yash.

    Yash Varma era tão alto quanto Sooz, mas também tinha sido impecavelmente bem-educado e cedera o banco da frente para ela.

    — Por que você ficou com ele por quase dois anos inteiros se ele é tão cretino, Sooz?

    — Porque ele também tem um bundão de marca maior.

    Do banco do motorista, Sebastian Holt-Carey concordou com a cabeça.

    — Inegável, em todos os pontos — disse ele. — Nosso Julian é um bundão em todos os sentidos.

    Sebastian conferiu o espelho retrovisor para garantir que não tinha perdido o Volkswagen Golf velho e surrado que os seguia. O carro tinha desaparecido de vista por um momento, mas logo reapareceu. Havia cinco pessoas naquele Volvo e mais quatro no Golf, serpenteando entre a cerca viva. Nove no total. Mas não quaisquer nove. Os Nove. Maior do que a soma de suas partes. Sebastian, Theodora, Yash, Peter, Sooz, Angela, Julian, Rosie e Noel.

    É preciso apresentá-los. Eles eram:

    Sebastian Holt-Carey: futuro sexto visconde Holt-Carey. O dono da mansão. Tinha uma rápida linha de raciocínio e um coração gigante, com gosto pelo glamoroso e pelo gótico e por garotos que gostavam de coisas glamorosas e góticas. Ele deslizara por Cambridge deixando um rastro de vinho tinto, charme e um título. Passou por um triz em química, com a menor nota aceitável, e perdeu o último lugar nas provas, o que o incomodou. Às vezes se podia pensar que ele estava desmaiado ou não prestando atenção, mas aí ele fazia a casa toda gargalhar com um único comentário. Tremendamente bom em interpretar pessoas intensas e aperfeiçoar cenas. Nunca ficava sem palavras.

    Rosie Mortimer: uma estudante irlandesa baixinha, com cerca de um metro e meio, mas com a voz e a personalidade de alguém com cinco vezes esse tamanho e uma risada que fazia as paredes balançarem. Uma força imbatível. Um pouco dramática, talvez, mas isso é necessário numa trupe teatral. Sempre disposta a levar as coisas ao extremo. Uma vez, jogou uma xícara de chá num policial.

    Sooz Rillington: olhos bem grandes, pernas eternas e a confiança de dez homens medíocres. Uma mente brilhante para Shakespeare e uma imitadora genial. Aquela que, sob a menor provocação, tirava todas as roupas e corria pela rua, rindo. Vá em frente. Dê um motivo a ela.

    Noel Butler: alto e magro — todo feito de ângulos e nervos e fumaça de cigarro. Tinha um pendor por roupas vintage dos anos 1970 — não chiques, mas sim aquelas tiradas de brechós de caridade. Óculos grandes. Camisas de colarinho largo. Jaquetas de cotelê. O melhor cara para interpretar gente séria que um grupo de comédia poderia ter.

    Peter Elmore: o atleta natural sem nenhum interesse em remar ou correr atrás de uma bola. Esguio, com cabelo loiro-arruivado sempre um centímetro mais longo do que ele gostaria e pálpebras pesadas. Tecnicamente, era um aluno de teoria política moderna; mas, na verdade, era uma base de dados de piadas, pegadinhas e história da comédia. Talvez o mais determinado do grupo a entrar na indústria — e o que tinha mais chances de botar fogo na cozinha tentando fazer torrada.

    Yash Varma: o outro nerd de comédia. Obcecado desde a infância por tudo que era engraçado. Sentava-se na frente da TV, transcrevendo programas para estudar os padrões e aprender a escrever o próprio material. A única pessoa do grupo capaz de rivalizar Peter em termos de conhecimento de comédia, que foi o motivo de os dois decidirem fundir o cérebro e formar uma dupla de escrita. O mais romântico do grupo, com um coração que se quebrava fácil.

    Julian Reynolds: o bonitão com olhos profundos e longos cílios. Encrenca. Turistas pediam para tirar fotos com ele por nenhum motivo além do fato de ser um aluno de Cambridge ou inglês ou simplesmente estar lá. Um artista irritantemente talentoso. Era o pacote completo — sabia atuar, sabia cantar, sabia tocar violão. Nunca erguia a voz, nunca. Jamais precisava — todos se inclinavam para ouvir o que ele tinha a dizer. Sua cidadezinha no norte do país não era capaz de contê-lo. A maioria dos Nove admitiria a contragosto que muitas vezes ele era o único motivo de as pessoas irem ver os espetáculos.

    Angela Gill: a estudante de história de Leeds. Calada, até não ser mais. Chorou de saudade nas primeiras três noites em Cambridge até conhecer Sooz numa festa. Escrevia esquetes de comédia sozinha, muitas vezes com uma gim-tônica numa caneca na mesa e um cigarro pendendo dos lábios. Focada nos detalhes, honesta e a única que usava a máquina de lavar do jeito certo.

    Theodora Bailey: sem dúvida, a acadêmica do grupo. Estudante de medicina de Notting Hill, em Londres. Planejava usar o diploma para algo. Cuidava dos outros depois de uma noite longa. A diretora. A que resolvia todos os dilemas. Como uma mulher negra em Cambridge, tinha que lidar com os olhares, os comentários murmurados e os comentários ditos na cara sobre a cor da própria pele. Geralmente grudada em Sebastian.

    Os Nove. Partindo para uma aventura final em dois carros, numa estrada de campo, numa noite de junho.

    — O problema com Julian… — continuou Sooz.

    — Ah, Deus. — Yash cobriu o rosto. — Chega. Falamos sobre Julian sem parar por três anos. Vamos deixar isso pra semana que vem, pode ser?

    — Como não vamos falar sobre ele quando ele está bem na nossa cara?

    — Ele não está na nossa cara agora, nesse carro.

    — Eu só quero que Rosie saiba que fez a coisa certa. Você sabe, né, Rose? Eu agi do mesmo jeito quando ele fez isso comigo. Ele vive traindo. É podre. Uma de nós devia ter matado ele há muito tempo.

    Rosie manteve o silêncio distraído, o cenho franzido em pensamento.

    — Somos amigos, não somos? — perguntou Theo. Ela era a quinta passageira no carro, espremida entre Yash e Rosie. No meio de tudo, como de costume. Sua tentativa de redirecionar a conversa não enganou ninguém, mas foi efetiva.

    — Faltam dez minutos, queridos — informou Sebastian.

    Sooz aceitou que o tópico tinha sido postergado e enfiou a mão num saco de salgadinhos de queijo e cebola. Descobriu que não sobrara nada além de migalhas e enfiou o pacote vazio no bolso da calça de moletom. Ou da calça de moletom de alguém. Possivelmente de Peter, já que era comprida, e Peter era não só alto, mas uma das poucas pessoas na casa com qualquer roupa esportiva. Na casa deles em Cambridge, as roupas sempre se misturavam na lavanderia e lentamente se tornavam propriedade comunitária. Se você não tirava sua camisa rapidamente do varal, ela era reivindicada por outra pessoa.

    — Aqui — disse Sooz, enfiando a mão na bolsa e tirando cinco grandes e pretos estojos de fotos. — Esqueci de mostrar pra você. Peguei elas ontem.

    Ela entregou as fotos para os passageiros no banco de trás.

    — Ainda está revelando as fotos de graça com aquele cara da Boots? — perguntou Theo.

    — É assim que estão chamando, hoje em dia? — disse Sebastian.

    Sooz deu um tapa de brincadeira nele, quase o fazendo bater o carro num arbusto.

    — Não é culpa minha se ele gosta de mim. E economizei quase vinte libras.

    As fotos despertaram Rosie de seu devaneio e ela pegou um dos estojos. Por alguns minutos, as conversas cessaram enquanto os passageiros no banco de trás olhavam as fotos, Sebastian guiava o Volvo enorme pelos caminhos sinuosos e Sooz mexia no rádio. Havia música, havia a canção de pássaros ao pôr do sol, havia provavelmente mais salgadinhos em algum lugar do carro, e tudo estava certo no mundo. Sebastian entrou por uma abertura na cerca viva que quase não era larga o bastante para o carro passar, então seguiu por um caminho de terra esburacado entre as árvores. Eles tinham chegado a um portão de ferro alto, a única interrupção num muro de tijolos coberto de hera.

    — Quem vai sair e abrir? — perguntou Sebastian.

    — Eu vou — respondeu Yash, abrindo a porta do carro.

    — O código é 19387. Puxe um pouco o lado direito na sua direção. É meio emperrado. E segure para os outros, porque fecha depressa.

    Yash fez isso, contendo o portão de modo que tanto o Volvo como o Golf pudessem passar. Eles seguiram em frente por uma entrada de carros tranquila sob um arco de árvores que criava um saguão de vegetação abundante, pela qual se infiltravam os finos raios do sol de fim de tarde. Essa era a Inglaterra em seu melhor — o Bosque de Cem Acres, a floresta mágica, a terra verde e agradável de outrora.

    — Temos que ir devagar — informou Sebastian. — Chester é meio surdo. Seria um mau começo para a semana se eu atropelasse nosso amado jardineiro enquanto ele estava parado na entrada.

    — Poderia virar um bom esquete — disse Yash. — Você atropela o jardineiro, mas aí continua tentando dar uma festa no fim de semana como se nada tivesse acontecido.

    — Isso não é um bom esquete — reclamou Theo.

    Yash considerou por um momento.

    — Não — concordou ele. — Não é. Bom, talvez refinando um pouco a ideia. Me lembra de mencionar a Peter. Ainda temos que escrever um para Edinburgh…

    — Vocês não vão trabalhar esta semana — declarou Sooz.

    — Mas precisamos — respondeu Yash. — Pelo menos um pouquinho. Estamos falando do Fringe Festival, Sooz, não os idiotas de sempre do pub. Peter acha que…

    — Eu não ligo para o que Peter acha. Nada. De. Trabalhar. Esta. Semana. Sebastian, faça alguma coisa.

    — Se você acha que posso impedir Peter e Yash em sua missão pela glória na comédia — começou Sebastian —, tem mais fé em mim do que mereço.

    — Theo?

    — Eu sou apenas uma mulher — respondeu Theo. — Não posso fazer milagres.

    Eles completaram a última curva da entrada, saindo do bosque. De repente, estavam cercados por muros de hortênsias em tons hipnóticos de azul-ciano e violeta. Ao redor havia pérgulas, caminhos entremeados com glicínias e roseiras com flores cor de pêssego aprumadas. O ar estava repleto do cheiro de lilases que prendiam as gotas de chuva e soltavam perfume no ar.

    Tempo Bom estava diante deles. Uma criação extensa de pedra cor de areia, com a fachada reta, o telhado de quatro águas e um pórtico com colunas. Hera e vinhas florescentes esgueiravam-se casa acima, uma cobertura orgânica para suavizar a solidez da construção. Uma varanda de pedra circundava a casa, adornada com urnas e estátuas. Uma estufa de vidro erguia-se do lado mais distante, cheia de árvores em vasos. Na frente, um longo avental verde estendia-se até um lago com um templo grego ornamental. O restante do terreno era costurado em um padrão de jardins com muros de tijolo e caminhos.

    — É absurdo para mim que essa seja a sua casa — disse Sooz.

    — Bem, eu sou uma pessoa absurda — respondeu Sebastian. — Metade dela está caindo, de qualquer forma. Usamos os empregados menos importantes para sustentar o telhado.

    O trajeto terminou na entrada de cascalho, ao lado de uma garagem junto à casa. Rosie pulou do banco e deu alguns passos. Sooz e Sebastian saíram para se alongar e fumar um cigarro, enquanto Theo e Yash começaram a tirar as coisas do carro.

    — Rosie está mal — disse Sebastian em voz baixa.

    — Está — concordou Sooz, aceitando um cigarro. — E você viu como Yash deu uma cotovelada em Peter para vir com a gente?

    — Difícil não ver. Acha que essa vai ser a semana em que um deles vai finalmente tomar uma atitude? É agora ou nunca. Talvez a gente precise agir. Prendê-los juntos no sótão ou algo do tipo.

    — Gostei da ideia — disse Sooz, vendo Yash quase cair enquanto tentava carregar a mala mais pesada, embora Theo fosse mais do que capaz disso. — Pena que você não tem uma masmorra.

    — A masmorra é para meu uso privado, querida. Mas talvez eu possa abrir uma exceção por uma boa causa.

    — Se Yash estivesse ocupado transando, não iria trabalhar.

    — Não aposte nisso — falou Sebastian. — Enfim, Peter continuaria mesmo assim. Nosso rapaz ambicioso não pode ser contido. Ele ficaria sentado na porta do quarto com um caderno e escreveria qualquer comentário sexual desajeitado que Yash fizesse.

    — Ah, Deus. Isso poderia mesmo acontecer. Eles transformariam num esquete.

    — Vocês dois pretendem ajudar em algum momento? — reclamou Yash enquanto tirava a mala de Sooz do carro.

    — Não — Sooz e Sebastian responderam juntos.

    — Só checando — disse Yash, com um aceno de cabeça.

    O Golf entrou devagar e estacionou. Outras quatro pessoas saíram dele, muito mais esmagadas e amassadas do que os passageiros do confortável Volvo. Peter, que viera no banco do passageiro com um mapa, para o caso de o grupo se perder, saiu tamborilando um ritmo alegre no teto do carro. Noel, o motorista, se desdobrou do assento. Enfiou mais um cigarro, de uma série infinita, entre os lábios, acendeu-o e esticou os braços acima da cabeça.

    — Inferno — disse ele. Sem elaborar. O comentário poderia ter sido sobre o trajeto, a mansão e os jardins que se estendiam ao redor deles, ou a vida em geral.

    Angela e Julian tiveram que ser libertados do banco de trás, onde viajaram abarrotados com as malas e outras bolsas variadas. Angela saiu rastejando do espaço, apertando sua bolsa, com as roupas suadas e amassadas. Julian emergiu do outro lado, parecendo igualmente quente e coberto de suor, mas o suor caía bem nele, e o calor tornava seu andar mais relaxado. A natureza lhe presenteara com olhos azuis como uma piscina, um pequeno espaço entre os dentes da frente que dava a cada sorriso uma vibe comovente e despretensiosa, e uma simetria geral em toda a feição que tocava profunda e agradavelmente a todos que o fitavam. Nenhum período de tempo esmagado no banco de trás de um Volkswagen embaixo de uma pilha de malas estragaria a aparência dele.

    — Chegamos rápido — comentou Julian. — Não demorou tanto.

    Angela, que tinha caído no cascalho da entrada e abanava a camisa para arejar o peito, grunhiu em resposta.

    — Foto! — disse Sooz. — Foto, agora! Vamos tirar aqui.

    Houve vários protestos do grupo, mas Sooz os dispensou com um aceno.

    — Quero fotos desta semana toda. Cada momento. Essa é a nossa foto de chegada. Vamos. Todos aqui.

    Ela gesticulou para os amigos se juntarem às margens da entrada de cascalho, junto a uma construção simples.

    — Na frente do galpão de madeira? — questionou Sebastian. — Muito pitoresco.

    — Eu posso colocar a câmera no carro se tirarmos aqui. Rápido, antes que a gente perca toda a luz!

    Enquanto os outros entravam em posição, Sooz posicionou a câmera no teto do carro e apertou o timer, então correu para entrar na foto. Depois de tirá-la, eles arrastaram as malas através do portão até o jardim da cozinha, pela passagem externa construída para que os criados carregassem lenha, carvão e suprimentos sem perturbar a tranquilidade do jardim dos fundos. Grandes propriedades são como o Disney World — projetados para parecer que funcionam sem esforço, com o trabalho acontecendo atrás de um pouco de decoração. Quando chegaram à porta dos fundos, Sebastian a destrancou, levando-os a um vestíbulo espaçoso cheio de galochas e capas de chuva.

    — Quartos, depois a brincadeira! — gritou Sebastian.

    Yash largou as malas primeiro e saiu correndo. A corrida pelos quartos estava declarada. Angela, Peter, Julian, Sooz e Theo dispararam pela cozinha e o labirinto de pequenos cômodos no fundo da casa. Alguns subiram a escada de trás, enquanto outros seguiram para o salão principal. Dali, subiram depressa a escadaria grande, ignorando os olhares dos Holt-Carey do passado, que os encaravam de pinturas na parede. Tempo Bom tinha dezesseis quartos — alguns tinham camas de dossel, e outros o próprio banheiro. Todos eram ótimos, à própria maneira, mas tudo era um jogo e uma competição, então eles deslizaram pelos corredores, escorregando na madeira altamente polida e empurrando-se de brincadeira para reivindicar quartos que talvez nem quisessem.

    Sebastian não correu; a casa era dele e seu quarto era fixo. Depois de deixar as coisas no vestíbulo e alongar-se por um momento, ele foi à cozinha, tirou a garrafa de champanhe que ficava sempre na geladeira e a abriu. Serviu o conteúdo num copo de cerveja e olhou pela janela, sobre a pia. Tinha uma vista para o jardim da cozinha, ocupado por arbustos de menta desgrenhados, borragem azul e morangueiros cheios de frutas vermelho-forte. Havia mais uma coisa no jardim, junto das plantas abundantes e suas molduras frias. Próximos ao muro, Rosie e Noel estavam conversando. Ainda não tinham entrado e estavam apertados coladinhos, o alto Noel inclinando-se para levar o ouvido aos lábios de Rosie. Se curvava tanto que ficava empurrando os óculos enormes para cima do nariz. O que quer que estivessem discutindo, era muito privado, e Rosie de vez em quando virava para olhar as janelas acima.

    Esse é um desenvolvimento interessante, pensou Sebastian. Algo a ser acompanhado.

    Ele ouviu algo grande cair no andar de cima. Não houve uma cacofonia de objetos despencando, então não era um armário. Um aparador, então, talvez o de mogno com incrustações de mármore. Era sólido. Ia sobreviver.

    Além disso, pensou ele bebericando contente o champanhe, é inevitável que algumas coisas quebrem nesse fim de semana. Não há escapatória.

    1

    Cara srta. Bell,

    Estive lendo sobre seu sucesso recente em resolver casos arquivados, como aqueles no Instituto Ellingham e no Acampamento Pinhas Solares. Tem alguma coisa acontecendo em minha cidade e preciso de sua ajuda para descobrir a verdade. Meu vizinho está matando pessoas em uma secadora industrial e enterrando os restos mortais em nosso jardim comunitário. Tentei escavar o jardim eu mesma, mas não me permitem entrar devido a uma questão jurídica, e é algo muito difícil de fazer com uma pá pequena. A senhorita não poderia vir aqui me ajudar a…

    Stevie Bell parou de ler.

    Era uma noite silenciosa de outubro na casa Minerva. À mesa de fazenda, na sala comunal aconchegante, ela estava sentada com os amigos. Janelle Franklin e Vi Harper-Tomo sentavam-se lado a lado, trabalhando nos laptops.

    — Você terminou sua redação para Stanford, certo? — perguntou Janelle a Vi.

    — Quase — respondeu Vi.

    — Vai usar a mesma para a Tufts?

    Vi ergueu os olhos. Elu tinha comprado um novo par de óculos brancos no verão, cortado o cabelo curto e o descolorido quase até a mesma cor dos óculos, com um azul que desbotava atrás da cabeça. Usava um suéter enorme, azul e cinza claro, que combinava mais ou menos com o cabelo. Janelle tinha adotado a paleta de outono, com um suéter laranja e uma capulana kente vibrante na cabeça, com dourado, vermelho e verde.

    — Não — disse Vi. — Estou escrevendo um em japonês para a Tufts, e não acabei esse também.

    — Me avise quando terminar para eu poder inserir na planilha.

    Janelle e Vi se tornaram um casal desde o momento em que se conheceram no começo do ano anterior. Tinham decidido que não queriam ir à mesma faculdade, provavelmente, mas queriam ir a faculdades próximas. Usando termos de crimes reais, tinham feito um perfil geográfico do suspeito desconhecido — resolvendo exatamente o que queriam das escolas e investigando as regiões e os programas. Toda noite, Janelle atualizava a planilha pela qual acompanhava em que etapa estavam do processo de inscrição mútuo.

    Ao lado, Nate Fisher também digitava furiosamente, no rosto uma careta de concentração. Nate era um dos amigos mais próximos de Stevie — esguio, pálido de um jeito que os vitorianos teriam classificado como tuberculoso, usando camisetas que nunca eram descoladas e calças do tamanho errado que escondiam um corpo atlético. Uma franja do cabelo castanho encobria parcialmente os olhos dele enquanto Nate se curvava sobre o computador. Em geral, era o companheiro ideal para evitar coisas, mas naquela noite a tinha decepcionado. Seus dedos não tinham parado de se mover desde que chegaram.

    Stevie devia estar trabalhando. Ela tinha seis artigos para ler naquela noite, para a aula de História Política Estadunidense Moderna. Quando a matéria tinha apenas cinco alunos, era impossível não fazer as leituras. Dava para ficar repetindo as mesmas generalizações sobre a mídia só por um certo tempo até o professor erguer uma sobrancelha experiente e colocar o cone da vergonha imaginário na sua cabeça.

    Ela olhou para o artigo na tela: Definindo o viés: como interpretamos o que lemos.

    O som da digitação de Nate ecoava nos ouvidos de Stevie. Ele estava com fones de ouvido e seus dedos voavam no teclado. Ela nunca o vira trabalhar com tanto afinco. Nate era escritor — tinha entrado em Ellingham graças a um romance que escrevera e publicara no início da adolescência. Desde então, vinha fugindo de prazos e do conceito da escrita em geral como se fosse um urso furioso numa bicicleta elétrica. Onde tinha encontrado tanto foco?

    Talvez no fato de ser outubro. Último ano. Como ela tinha chegado lá?

    Bem, o tempo faz isso. O relógio tiquetaqueia sem parar.

    O tempo estava tiquetaqueando naquele momento. Ela tinha que ler. Aquele era o menor dos seis artigos. Sabia disso porque, ao longo da hora anterior, tinha rolado todos os seis até o final, vendo quão longos eram e escolhendo qual ler primeiro. Também ia à pequena cozinha na lateral da sala comunal e pegava um pouco de água, ou um chocolate quente, ou ia ao banheiro, ou ia até o quarto pegar um moletom, ou ia até o quarto pegar os chinelos, ou apenas encarava a cabeça de alce com luzinhas de Natal que ficava acima da lareira.

    No restante do tempo ela olhava o celular, que era como encontrara aquela nova mensagem sobre a pá e a secadora industrial.

    Hora de trabalhar. Certo. Ela ia mesmo. Ia ler. Seus olhos turvos desceram pelo primeiro parágrafo…

    Ela cutucou Nate com o pé por baixo da mesa.

    — Que foi? — perguntou Nate, tirando os fones.

    — Quer dar uma volta? — acrescentou Stevie. — Ir ao refeitório e pegar um bolo?

    Nate olhou para a tela, olhou de volta para a amiga e suspirou.

    — Tudo bem — disse. — Mas só porque eu amo bolo.

    Stevie relaxou de alívio quando ele concordou. Tinha chegado perigosamente perto de ler quase três frases inteiras.

    As noites de outono em Vermont eram frias. O ar era cortante de um jeito que fazia a pessoa despertar. Tudo parecia crocante — folhas, vidro fosco, caminhos de cascalho frios. Quando se pisava num graveto, soava como uma bombinha explodindo sob o pé, e toda pilha de detritos orgânicos farfalhava com alguma forma de vida. A lua naquela noite estava cheia e enorme — um gigante olho amarelo suspenso acima deles, lançando seu olhar para o topo da montanha.

    — Recebeu alguma mensagem nova hoje? — perguntou Nate.

    — Visões. Secadora industrial. Jardim comunitário.

    — Faz um tempo que não te mandam uma visão.

    — Até que é uma mudança legal dos casos dos vizinhos com um barco e um cooler gigante — comentou Stevie. — Muitas pessoas compram barcos e coolers. E só, tipo, metade delas são serial killers.

    — Quantas dessas mensagens você anda recebendo?

    — Só algumas esta semana — disse ela. — Talvez dez.

    — Ainda assim, é muita gente querendo que você resolva seus problemas esquisitos.

    — Eles não querem que eu resolva nada — respondeu Stevie. — Querem me contar sobre algo que viram. E todo mundo vê coisas. Não tem nada para eu fazer. Só estou… inquieta.

    — Percebi. Você fica assim quando não tem nada para investigar. É bem ruim. Quando escurece e você já falou com David, você basicamente vira um zumbi. Que é o motivo de eu estar caminhando com você agora: te impedir de comer as ovelhas.

    — Não vou comer uma ovelha — respondeu Stevie. — Mas quem sabe uma coruja.

    — Ossos crocantes, ossos de coruja. Carne deliciosa de coruja.

    — Ou um alce. Se um dia eu vir um.

    Eles chegaram ao gramado central na frente do casarão — o coração administrativo da escola. O gramado tinha um formato oval largo e perfeito na frente do prédio, com uma fonte de mármore, uma estátua do deus Netuno no topo e uma cúpula na parte de baixo. Normalmente, não havia nada além de espaço aberto no meio, mas uma das alunas novas, uma garota chamada improvavelmente de Valve, que crescera numa fazenda tipo santuário e usava pelo menos sete cristais a todo momento, tinha trazido três ovelhas para a escola. Elas perambulavam sob o luar, principalmente perto da pequena estrutura de madeira que fora construída para elas.

    Ovelhas livres seriam uma visão estranha na maioria das escolas, mas aquela não era a maioria das escolas. Era o Instituto Ellingham.

    Ellingham ficava nas montanhas de Vermont. Era lendária, sua reputação banhada a ouro, sua ilustre legião de formandos. Sua história era longa, mas podia ser resumida assim: um cara rico e famoso, Albert Ellingham, escalou uma montanha nos loucos anos 1920, ficou atordoado devido à falta de oxigênio e decidiu construir a própria escola dos sonhos — um lugar onde o aprendizado era um jogo. Ele até decidiu construir para si uma mansão enorme no meio dessa escola, assim poderia participar de todo o processo. Dinamitou a face da montanha e esvaziou a carteira sem fundo, construindo o campus mais elaborado e fantasioso possível. Yale e Princeton morderiam os dedos cobertos de hera de inveja dos tijolos vermelhos e dourados, dos caminhos ladeados de árvores, das esculturas, das passagens estreitas e sinuosas e dos pináculos góticos.

    Albert Ellingham declarara que sua escola não teria critérios de admissão; os alunos se inscreveriam do jeito que pensavam ser o certo e expressariam sua paixão. Se a escola selecionasse você, a experiência era grátis por dois anos, que era a duração do programa. A escola criaria experiências de aprendizado individuais para cada aluno. Somente cinquenta eram aceitos todo ano. Era competitivo. Era igualitário. Era inovador. Era perfeito de todas as formas, exceto pelos assassinatos.

    Assassinatos. Plural.

    Alguns ocorreram em 1936, quando a esposa e a filha de Ellingham foram sequestradas e um aluno foi morto. O caso se transformou num dos grandes crimes do século XX. Stevie tinha entrado em Ellingham com o propósito declarado de resolver o caso. Os outros assassinatos eram mais recentes — ocorridos apenas um ano antes. O ano anterior no instituto tinha sido, como dissera a administração, um período de desafios. Era um jeito educado de dizer tivemos uma pequena série de assassinatos e uma evacuação em massa. (Isso explicava por que todos da turma nova pareciam um pouco nervosos ou empolgados. Estavam tensos.)

    Stevie completou a experiência trabalhando em outro caso arquivado nas férias de verão, em Massachusetts e datado dos anos 1970. Isso devia ter lhe garantido uma dispensa de ler algo como Definindo o viés: como interpretamos o que lemos. Mas não era assim que o mundo funcionava, porque o mundo não se importava com o que ela fizera no ano anterior, ou no mês anterior, ou mesmo no começo da noite, quando corajosamente tentara ler três frases. Se o mundo estiver se sentindo supercaridoso, pode até dar uma olhada rápida no que alguém está fazendo em dado momento. O que importa é o que a pessoa vai fazer em seguida. E o ensino médio não era nada além da próxima caixinha a ser ticada.

    — Você odeia quando Vi e Janelle trabalham naquela planilha — disse Nate. — Surta toda vez.

    Era verdade. Era outubro do último ano do ensino médio, e o plano de faculdade inteiro de Stevie consistia em sete fotos salvas no Instagram, três janelas que ela nunca fechava no laptop, e uma página de ciência que continha grandes sacadas, tais como ciência? e onde fica?.

    Porque a faculdade significava escolher um curso. Significava saber quem você era e aonde queria chegar na vida. Significava descobrir quão inteligente você era de verdade, e seria tão inteligente quanto todos os outros na faculdade imaginária? Você deveria ir a algum lugar onde seria a mais inteligente? Deveria ir

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