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Boas meninas se afogam em silêncio
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Boas meninas se afogam em silêncio
E-book302 páginas4 horas

Boas meninas se afogam em silêncio

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Sobre este e-book

SOLUCIONAR UM CRIME É TÃO DIFÍCIL QUANTO CONHECER E ACEITAR A SI MESMO.
Após uma tempestade, o corpo da jovem Amélia Moura é encontrado com marcas de estrangulamento em uma região afastada de Curitiba, em meio às araucárias. A investigação sobre seu desaparecimento, arquivada por falta de evidências, é então reaberta.
Com a atenção da mídia e da sociedade voltando ao caso, a delegada Ana Cervinski e o policial Júlio Bragatti estão determinados a descobrir o que aconteceu. Aos olhos de todos, Amélia era uma boa menina — filha de um importante deputado, primogênita de uma família tradicional e noiva de um empresário. Mas, quando as imagens de uma câmera de segurança revelam que ela recebia visitas secretas de uma desconhecida em casa, fica claro que Amélia guardava segredos.
Ao misturar investigação policial e drama, Andressa Tabaczinski constrói um thriller eletrizante e sensível. Boas meninas se afogam em silêncio é uma reflexão sobre as contradições mais profundas da sociedade, com um mistério que sustenta o fôlego até o final.
IdiomaPortuguês
EditoraRocco Digital
Data de lançamento29 de mar. de 2024
ISBN9786555952469
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  • Nota: 5 de 5 estrelas
    5/5

    May 7, 2025

    A Andressa nos presenteou com um livro incrível e muito bem escrito. Um mistério eletrizante unido a um triste drama que nos faz refletir sobre as possíveis consequências de vidas hipócritas, de aparências, enganosas. A realidade pode ser assustadoramente cruel e enlouquecedora.
  • Nota: 5 de 5 estrelas
    5/5

    Nov 22, 2024

    Início, meio e fim, maravilhoso, tem um romance gostoso e a trama te prende.

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Boas meninas se afogam em silêncio - Andressa Tabaczinski

Capítulo 1

Após estacionar o Gol 1994 segunda geração na vaga para funcionários, Júlio Bragatti desligou o motor e tomou tempo para se olhar no espelho, arrumando o penteado militar e a gola da camisa polo bem passada, com as mangas começando a apertar na altura do bíceps. Tirou do porta-luvas uma caixa com pastilhas mentoladas e colocou duas na boca, mastigando-as enquanto exibia o próprio sorriso para o retrovisor. Estava confiante e queria deixar transparecer. Apesar das tentativas de amadurecer sua imagem, Júlio ainda aparentava seus vinte e sete anos. Recém-formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná, trabalhava em tempo integral como policial civil na delegacia de homicídios de Curitiba. Saiu do carro carregando os primeiros relatórios da investigação que tinha se iniciado na noite anterior, com a notícia de que o corpo de uma jovem havia sido encontrado por dois adolescentes na área rural do município.

Júlio passara a manhã no Instituto Médico Legal, aguardando os resultados iniciais da perícia. O corpo estava enterrado a uma profundidade não muito grande e havia sido descoberto após as fortes chuvas da última semana. Estava ansioso pelo que estava por vir, após os primeiros achados dos peritos. Seria um caso com grande visibilidade — sem dúvida alguma, a oportunidade de que ele precisava para impulsionar a carreira de investigador.

— Chefe! — disse Júlio, entrando no escritório da delegada. — Acho que temos em nossas mãos o que pode ser o caso do ano!

Ana Cervinski encontrava-se sentada em sua cadeira de escritório levemente inclinada para trás, contemplando sua estante de livros como se estivesse meditando. Muitos de seus subordinados não concordavam com seu jeito austero de comandar, e era por esse motivo que ouvia-se pelos corredores da Delegacia de Homicídios o simpático apelido que lhe deram: Diaba Loira. Aos quarenta anos, a delegada já acumulava quinze de experiência dentro da Polícia Civil do estado e ainda lutava pelo reconhecimento diante da força masculina que imperava em sua delegacia. Quando recebeu a ligação a respeito do descobrimento do corpo de uma jovem, sentiu o coração acelerar e a língua formigar, causando um gosto amargo na boca. Tinha um pressentimento.

— O que foi que descobriram? — perguntou Ana, sem esboçar reação.

— Por enquanto, não muita coisa. Já tenho aqui comigo o laudo inicial da perícia, mas você sabe… Até todos os exames e análises ficarem prontos, leva tempo.

Ana permaneceu inexpressiva, aguardando que o policial continuasse.

— O corpo encontrado ontem é de uma jovem na casa dos trinta anos, caucasiana, cabelos castanhos, 1,70m de estatura. Após uma análise rápida do estágio de decomposição, considerando que o cadáver estava completamente soterrado, acredita-se que a morte tenha ocorrido há mais ou menos um mês… — Júlio tomou fôlego e experimentou uma pausa dramática antes de continuar o relatório.

Ana pegou o laudo que Júlio colocara em sua mesa. Folheou o documento sem conseguir se concentrar no que estava escrito; sentia o corpo todo estremecer, ao passo que chegava ainda mais perto de confirmar sua suspeita.

— Acho que você já deve estar ligando os pontos. Com essa descrição e o tempo de decomposição do cadáver, pode ser que a gente finalmente tenha encontrado Amélia.

Júlio falava com pressa, tentando contagiar a delegada com sua empolgação.

— E a causa da morte? — perguntou Ana, séria, enquanto olhava fixamente para o conjunto de letras do laudo.

— Esganadura. Quanto a isso não ficou nenhuma dúvida, a menos que os testes toxicológicos tragam novidades. Mas ela estava com um evidente colar de hematomas quando foi encontrada, e o médico-legista pôde determinar os sinais de asfixia, além da fratura do osso hioide e das lesões nas estruturas cartilaginosas do pescoço. — Júlio mostrava que havia feito o dever de casa. — Não havia marcas de unhas no pescoço da vítima, o que indica que o assassino provavelmente usou luvas. Outro dado curioso é que o corpo foi encontrado completamente nu, porém sem sinais de violência sexual.

— Nua e enterrada… — divagou Ana.

A delegada reclinou-se em sua poltrona, levou as mãos ao rosto e sentiu o próprio corpo gelado e impotente. Júlio não conseguia entender o que se passava pela cabeça dela. Estava séria e neutra como sempre. Vestia seu uniforme diário — blazer cinza-claro, camisa branca e calça jeans. Não usava muita maquiagem, apenas o suficiente para tentar esconder as olheiras de quem dormia muito pouco.

— Você chegou a dar uma olhada na lista de jovens desaparecidas nos últimos dois meses?

— Dei, sim. Com as características que eu acabei de citar, além de Amélia, temos mais duas outras que se encaixam.

— Teremos que entrar em contato com as famílias para reconhecimento do corpo, então.

— Sim. Já separei os contatos. Pretendo fazer isso ainda hoje pela manhã, para que à tarde possamos avançar. Mas não sei dizer por que estou com o pressentimento de que é Amélia Moura.

— Se você estiver certo, e eu espero que não esteja, teremos uma série de problemas pela frente. Principalmente com a mídia.

Ana se lembrou de que ela própria tinha mostrado a cara na conferência de imprensa, contra a sua vontade, para dizer que Amélia estava em segurança em algum outro lugar do país ou do mundo, mesmo sem ter nenhuma evidência disso. Jogou-se para trás na cadeira e suspirou.

— Meti os pés pelas mãos nesse caso.

— Você não pode se culpar por isso — disse Júlio em tom consolador. — Se a família estava convencida e não havia provas que indicassem um crime violento, o que mais você poderia ter feito? Agora a natureza trouxe esse dilúvio para nos dar uma chance de trazer justiça a essa moça e a seus familiares.

— Tudo bem… — respondeu Ana, levantando-se da cadeira. — Vamos começar a trabalhar. Me avise caso alguma das famílias reconheça o corpo. Se confirmarmos que o cadáver é realmente da filha do deputado, quero que você revise tudo o que foi registrado sobre o caso do desaparecimento dela. Vamos chamar novamente para interrogatório a família, o noivo e a amiga com quem ela dividia apartamento, todos os que tinham o mínimo de convívio, para registrarmos novos depoimentos. A partir disso, podemos esboçar novamente o rumo da investigação. Quero também que você consiga as imagens das câmeras de segurança do prédio dela, mas não só do dia do desaparecimento, essas nós já temos. Quero analisar outras filmagens. Vamos começar tudo do zero para encontrarmos os furos que deixamos passar da primeira vez. Preciso pensar na equipe de investigação que vou montar. Como o caso terá bastante impacto midiático, acredito que teremos a liberação de uma boa verba.

— Eu me lembro bem daquele noivo dela. Sujeitinho difícil de engolir. Era outro que também deveria estar desesperado para que a encontrassem, mas me passava a sensação de que não via a hora de arquivarem o caso. — Júlio encarava os papéis do relatório forense com cara de desprezo. — Não sei o que acontece com essas pessoas que têm muito dinheiro. Eu poderia jurar que tinha sido ele a dar um sumiço na Amélia. Mas não encontramos nenhuma prova que pudesse incriminá-lo em lugar algum. Ele disse que não estavam mais juntos, que tinham terminado o noivado de vez, e tinha um bom álibi.

— Nessa mesma época, ele estava assumindo a presidência da empresa do pai — disse Ana. — A família é dona de uma verdadeira fortuna, trabalham no ramo da reciclagem de resíduos orgânicos. Literalmente transformam merda em dinheiro.

Júlio riu, mas Ana era séria demais, até mesmo quando fazia uma piada. Ela arrumou seus pertences e conferiu os compromissos no celular.

— Temos que considerar que pode ter sido um assassinato de oportunidade — sugeriu Júlio. — Ela pode ter dado de cara com algum doido na rua. Sabe como é: estar no lugar errado na hora errada.

— Possível, mas muito pouco provável. Não tenho um bom pressentimento sobre esse caso. De qualquer forma, vamos aguardar o reconhecimento do corpo — disse Ana, já na porta de sua sala. Antes de sair, virou-se para Júlio e comentou: — Gostei do novo corte de cabelo.

Júlio ficou sem graça, apesar de secretamente nutrir esperanças de que ela reparasse em sua aparência. Tentava de tudo para impressionar a delegada, que na semana anterior tinha feito um comentário sobre preferir homens mais maduros e mais sérios, sem jeito de moleque. Desde então, aos poucos, ele vinha trocando as camisetas velhas e os tênis de corrida por camisas e sapatos sociais.

Foi encontrado na tarde desta segunda-feira o corpo da jovem Amélia Moura, filha do deputado estadual do Paraná, Luís Henrique Moura. O corpo da jovem foi avistado por dois adolescentes na área rural da divisa do município de São José dos Pinhais com a capital. O corpo encontrava-se nu, coberto por terra, e só foi descoberto devido às fortes chuvas que ocorreram na última semana.

A jovem estava desaparecida desde o dia vinte de julho de 2017, há pouco mais de um mês. Entretanto, as investigações foram interrompidas por falta de evidências de que um crime houvesse de fato acontecido. A Polícia Civil do estado, em seu último pronunciamento, afirmou que as circunstâncias apontavam que a jovem Amélia Moura teria escolhido recomeçar a vida em outro local sem o conhecimento dos familiares. O arquivamento do caso contou com a aprovação de familiares e amigos de Amélia.

A descoberta do corpo da jovem causou verdadeira comoção em Curitiba. A polícia ainda não revelou detalhes a respeito da reabertura das investigações, mas já surgiram diversas manifestações de revolta nas redes sociais, acusando a Polícia Civil de desleixo e irresponsabilidade.

A equipe do nosso jornal estará de plantão para cobrir esse horrível homicídio. E fiquem atentos para o jornal das oito horas! Preparamos uma matéria especial sobre o caso e a vida da jovem antes do desaparecimento.

Sofia assistia com aflição. Conhecia a jovem da foto. Era a menina que morava no prédio da frente, que ela espiava de vez em quando com o binóculo. Fazia tempo que não a via, e ali estava ela na televisão.

Levantou-se, verificou as travas de todas as janelas da casa e tratou de fechar as cortinas, mas hesitou brevemente para espiar, por uma fresta, o prédio em frente. Era um edifício quase tão antigo quanto o em que ela morava, com oito andares, doze varandas e trinta e duas janelas que permitiam acompanhar a vida de várias famílias. Amélia morava no sexto andar e movimentava-se pouco pelo apartamento. Morava com outra mulher, com quem parecia ter pouca ou nenhuma intimidade. Sofia apertou o crucifixo que trazia no peito ao se lembrar das últimas visitas que a jovem recebeu.

Pulou sobressaltada ao ouvir o barulho da chave na fechadura e seu coração palpitou quando viu a maçaneta girar. A abertura da porta foi interrompida bruscamente pela corrente no trinco.

— Sofia, sou eu! Você fechou o trinco de novo? Esqueceu que hoje é o dia que eu venho aqui? — disse o jovem.

— Quem é? — perguntou Sofia, pensando em se esconder atrás do sofá.

— Como assim? Sou eu, Júlio! Pode ver pelo olho mágico.

— Você não disse que vinha hoje! — gritou ela, muito longe da porta.

— Sofia, eu venho toda segunda! — Ele parou de forçar a porta. — Trouxe as compras da semana. Não me deixe aqui esperando. Hoje eu tive um dia de cão.

Júlio largou as compras no chão e escorou-se na parede do corredor de entrada. Respirou fundo para controlar o desejo de sair dali o quanto antes. Toda semana visitava sua tia a pedido da mãe, para ajudá-la com as compras do mercado e com algumas tarefas domésticas. Sofia morava sozinha em um apartamento no Centro de Curitiba. Não saía de casa havia alguns anos, por medo de ser abordada por pessoas mal-intencionadas e para não dar chances ao acaso. Contava com a ajuda do sobrinho e da irmã para pagar as contas, comprar mantimentos e trazer seus remédios.

— Você precisa vir toda semana? Não sei se gosto disso.

Após minutos de silêncio ouviu-se o barulho do ferrolho deslizando. O policial entrou no apartamento, inspirou profundamente e trouxe consigo as sacolas. Colocou-as sobre o balcão da cozinha, conjunta à sala, e tratou de desempacotar as mercadorias. Sofia o encarava com um olhar desconfiado.

— Como você está, tia? — perguntou Júlio, enquanto guardava o estoque de mantimentos para a semana e se preparava para lavar a louça que estava na pia havia sete dias. — Está tomando os remédios direito?

— Eu estou bem. Não tem nada de errado com os meus remédios. É sempre essa história de remédios — falou Sofia enquanto voltava a espiar pela janela, puxando apenas um pequeno pedaço da cortina.

Júlio suspirou. Sabia que não tinha muito o que argumentar. A tia era uma pessoa difícil. Passava o dia vigilante, mas negligenciava as tarefas mais básicas do dia a dia. Apesar de ela estar sempre observando o que acontecia na vizinhança, quando ele a procurou na ocasião do desaparecimento de Amélia, viu que seu relato não seria de muita utilidade. Sua saúde mental parecia ter deteriorado mais depressa nos últimos tempos.

Sofia sentou-se no sofá e voltou a assistir à televisão — não queria continuar a conversa. Começou a ficar nervosa e a apertar as mãos até as unhas começarem a marcar suas palmas.

— Você está sabendo das atualizações no caso da Amélia? — perguntou ele.

— Claro que estou. Todo mundo ainda vai ouvir muito sobre isso. Coitada da moça. A polícia é mesmo muito incompetente.

Júlio sentiu-se incomodado e apertou com força o copo que lavava.

— A polícia faz muito com o pouco recurso que tem.

— Um bando de corruptos, isso, sim.

— Não fale do que você não sabe, tia.

— Mas disso eu sei.

— Eu trabalho na polícia. Acha que eu sou corrupto?

Sofia se calou e aumentou o volume da televisão.

— Conversamos sobre esse caso há um tempo, lembra? Você ainda tem aquela mania de ficar de olho na vida dos outros pela janela? Acha que pode ter visto alguma coisa?

— É claro que não. Tenho mais o que fazer da vida.

— Sei.

O telefone de Júlio tocou. Era a mãe. Queria notícias da irmã e saber se o filho tinha almoçado direito. Eugênia era zelosa e controladora; era provável que, se Júlio não tivesse saído de casa assim que se formou, ela ainda perguntasse se ele tinha escovado os dentes antes de dormir.

Ana inclinou-se para a frente e saltou. Aos poucos a água gelada a engoliu. O frio que penetrou sua espinha amorteceu a pele quente e fez seu fôlego se esvair. No último ano, havia adquirido o hábito de iniciar o dia na piscina da academia da Polícia Civil. Nadava para pensar, para lembrar e para esquecer. Buscava na exaustão relaxamento e paz de espírito.

Tinha passado a tarde e boa parte da noite anterior colando post-its no quadro de cortiça que tinha em sua sala de estar. Usava-o para organizar melhor seus pensamentos e estava mudando de lugar os post-its com nomes de policiais, procurando montar sua equipe de investigação. Estava quase satisfeita com suas escolhas quando recebeu a mensagem de Júlio que confirmava o que ela já sabia: os pais de Amélia haviam reconhecido o corpo. Leu e releu os documentos da investigação do desaparecimento da jovem, sentindo-se ainda mais decepcionada a cada linha com o que considerava ser o pior trabalho de investigação que já havia comandado.

Saiu da água exausta, mas não o suficiente. Tirou a touca de natação, secou o rosto na toalha e contornou a piscina em direção ao vestiário. Outros policiais nadavam naquele horário, mas, quando estava imersa em pensamentos, era como se estivesse sozinha.

Tomou um banho quente enquanto repassava mentalmente os fatos ocorridos um mês atrás, quando Amélia desaparecera. Depois de dois dias sem ter notícias, a colega de apartamento dela, Mônica, tinha resolvido procurar a polícia. Em seu depoimento, dissera que a tinha visto pela última vez na manhã de quinta-feira, dia vinte de julho, antes de sair para o trabalho. Além disso, dissera ser a melhor amiga de Amélia, dando muita ênfase à intensidade do laço de amizade entre as duas, mas não tinha conhecimento de coisas básicas sobre a vida da filha do deputado. Muitas vezes, Ana conseguira notar o olhar de desdém quando a moça se referia a Amélia. Mônica era um pouco mais velha do que Amélia e trabalhava na empresa de reciclagem de Rafael, o noivo da jovem. Como Júlio havia comentado pela manhã, Rafael era um sujeito difícil de engolir. Segundo o empresário, ele havia terminado o noivado uma semana antes de Amélia desaparecer. A polícia tinha registro de uma ligação que ele fizera para o celular dela no dia do desaparecimento, mas ele relatou ter sido apenas mais uma discussão devido ao término do relacionamento. Vai ver ela ficou tão deprimida por eu ter terminado o noivado que resolveu fugir. Amélia era muito dramática, estava sempre deprimida, dissera ele.

Ana não sabia como descrever os pais de Amélia. Luís Henrique era pastor e, atualmente, deputado estadual, representante do Partido Novo Cristão, armado dos pés à cabeça por um conservadorismo pré-histórico. Conhecer o deputado mais de perto fez com que Ana considerasse plausível a hipótese de Amélia ter escolhido fugir sem deixar rastros. A mãe, Maria Célia, era uma dona de casa totalmente submissa ao marido. Sabia muito pouco sobre a filha e, sempre que podia, comparava-a ao filho mais novo, Gustavo, médico recém-formado e claramente o preferido da família. Amélia nunca teve os pés no chão, sempre estudou muito, mas sempre esteve interessada em coisas fúteis, foi o que disse o pai. Depois relatou à polícia o fato de que o irmão estava nos Estados Unidos, fazendo um estágio, na época em que o assassinato ocorrera.

Gustavo ligou para Ana durante as investigações e se mostrou disposto a voltar para o Brasil até que descobrissem o paradeiro da irmã, mesmo que aquilo o fizesse perder o estágio, mas os pais o convenceram a ficar e disseram que o manteriam informado de tudo. Gustavo era um pouco mais jovem que Júlio e parecia ser o protetor de Amélia no meio de toda a confusão que era aquela família. Meus pais nunca deram a devida atenção a Amélia, eu sempre me senti mal por isso. Eu também nunca fui a favor do casamento dela com aquele cara. Vai ver ela se cansou de tudo isso e resolveu virar a página, como disseram, disse o rapaz ao telefone.

Ana terminou o banho e encarou o espelho embaçado. Cabelo cheio de nós. Clavículas e ombros que acusavam magreza extrema. Olheiras profundas de quem não havia dormido bem durante a última noite, assim como em todas as outras. Secou os cabelos, vestiu novamente sua calça jeans, a camisa branca de botões para dentro da calça, cinto marrom de couro e sapato de salto baixo. Levou o casaco na mão, pois aparentemente o clima ia esquentar durante a tarde. Dirigiu sua Mitsubishi Pajero TR4 até a delegacia, com pressa, como sempre. Costurava o forte fluxo de carros na avenida Silva Jardim e, às vezes, cortava alguns motoristas que buzinavam, enfurecidos. Ela pouco se importava.

Nunca deveria ter permitido que

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