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Lucíola
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E-book221 páginas2 horas

Lucíola

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Sobre este e-book

Na melhor tradição romântica, Lucíola é um livro onde se debatem paixões tórridas e contraditórias. O amor que não resiste às barreiras sociais e morais. Assim é o romance da bela Lúcia, a mais rica e cobiçada cortesã do Rio de Janeiro, e Paulo, um jovem modesto e frágil. Um romance que sacode a corte e provoca um excitado burburinho na sociedade. De um lado a mulher que, sendo de todos, jurava não prender-se a nenhum homem, de outro o homem em dúvida entre o amor e o preconceito.José de Alencar utiliza este instigante argumento para descrever a enorme atração física entre um homem e uma mulher. A pena moralizadora do escritor busca a idealização espiritual da prostituta que quer se modificar e a alma pura de Paulo cuja amor arrebatador supera todas as barreiras. Lucíola é um dos mais curiosos trabalhos de José de Alencar. Há nele um clima de sensualidade constante combinado com o ardor e sofrimento, bem no clima da literatura romântica que predominava na segunda metade do século passado quando foi escrito este romance.
IdiomaPortuguês
EditoraL&PM Pocket
Data de lançamento9 de nov. de 2011
ISBN9788525425447
Lucíola

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    Pré-visualização do livro

    Lucíola - José de Alencar

    Alencar: as várias faces do Romantismo brasileiro

    Maria Tereza Faria[1]

    A leitura é uma espécie de sociedade

    que formamos com outros homens

    por intermédio de um só.

    Louis Lavelle, La parole et l’écriture

    José Martiniano de Alencar nasce no Ceará, em 1829, no final do Primeiro Reinado, de lá saindo para a Corte aos dez anos. No Rio de Janeiro, conclui seus estudos secundários, transferindo-se para São Paulo, onde cursa a Faculdade de Direito.

    Aos 25 anos, já novamente no Rio, entra em contato com a intelectualidade local e estreia como escritor no Correio Mercantil. Imaginoso, empenhado na construção de uma literatura brasileira diferente da europeia, provoca a famosa polêmica sobre a Confederação dos Tamoios, poema épico escrito por Gonçalves de Magalhães. Discordando do poeta, quando este afirma ser o poema a grande epopeia brasileira, Alencar, em 1857, publica, em resposta, O guarani, verdadeira narrativa épica do Segundo Império.

    Famoso devido ao sucesso desse romance, passa a dedicar-se mais abrangentemente ao gênero literário, bem como à política. Elege-se, seguidamente, deputado pelo Ceará, chegando a Ministro da Justiça. Homem de ideias conservadoras, sobretudo face ao problema escravista, termina por afastar-se da vida pública ao ser preterido por D. Pedro II na indicação para o Senado.

    Considerado o consolidador de nossa prosa de ficção, José de Alencar, em sua obra composta de vinte e um romances, revela uma inequívoca postura político-ideológica: o exagerado nacionalismo do grande proprietário rural, monarquista, escravocrata e conservador. Já no prefácio a Sonhos d’Ouro, afirma sua pretensão de fazer um grande painel literário do Brasil, exibindo-o de Norte a Sul, do sertão ao litoral, do passado ao presente, do urbano ao rural. Teoriza, inclusive, sobre a tentativa do estabelecimento de uma língua brasileira em seus escritos.

    Quando, em 1856, Alencar publica seu primeiro romance, Cinco Minutos, já havia um público brasileiro ávido por ficção. No entanto, tais obras eram, basicamente, traduzidas do francês – pouco afinadas, pois, com os anseios da sociedade pátria emergente –, a despeito de, desde a primeira metade do século XIX, a composição social do país apresentar significativas mudanças que a diferenciavam do público europeu.

    O olhar crítico e astuto desse escritor percebe, à época, a generalização do hábito de fazer doutor a um dos filhos, a substituição dos titulares territoriais pelos titulares do diploma, a intensificação da vida dos salões e da Corte e o surgimento da mulher como figura atuante nesse meio. Enfim, dá-se conta do aparecimento de um público leitor composto, quase exclusivamente, por estudantes e mulheres. Conscientiza-se, portanto, de que poderia fazer um grande serviço à então incipiente cultura nacional ao publicar histórias que refletissem a psicologia e a sociedade pátrias, que captassem a nossa sensibilidade artística, que moldassem a nossa percepção do real por meio de informações sobre a natureza, a história, a sociedade, a cultura e os mitos do Brasil.

    Mais do que repetir a divisão temática de seus vinte e um romances (indianistas, históricos, regionais e urbanos), cabe observar a obra alencariana à luz dos pressupostos literários então vigentes, buscando a característica presente em todos esses livros: um anseio profundo de evasão no tempo e no espaço, traço visceralmente romântico. É sempre com menosprezo que Alencar olha o tempo presente, o progresso, a vida em sociedade. Quando nesta se detém, é para deplorar a mesquinharia que permeia as relações sociais na Corte, sujeitadas pelo dinheiro e pelo jogo das aparências. Em verdade, vê-se aí uma crítica emocional, ditada pelo forte subjetivismo romântico. Resta, pois, a fuga, a evasão por meio de uma natureza idealizada, sem máculas ou por meio da morte, que, destruindo o corpo – guardião da ganância, da ambição, do pecado –, garante a sobrevivência e a supremacia do espírito.

    Por conseguinte, o enredo das obras alencarianas é quase didático: nelas, encontramos os traços essenciais do Romantismo – subjetivismo, evasão, idealização – vistos à luz da psicologia nacional. E aí reside o valor da ficção de José de Alencar: a nós, leitores, apresenta-se de tudo, desde o exercício etnográfico até a análise social e psicológica, entremeados de peripécias, heróis, heroínas e vilões, avaliados por um padrão conservador de juízo moral.

    E é sob essa ótica que se impõe a leitura de Lucíola. Trazendo uma minuciosa descrição do ambiente do Rio de Janeiro durante o Segundo Império, esse romance publicado em 1862 espelha os padrões de conduta e os valores de uma sociedade em mudança, cujo móvel é o dinheiro e o status social. Lucíola evidencia o confronto entre o individual – Paulo e Lúcia/Maria da Glória – e o coletivo.

    Narrado em primeira pessoa, a obra conta a história de Lúcia, cortesã de luxo, que chega à condição de prostituta devido às dificuldades por que passa a família. Não se trata, pois, de uma opção, mas de uma imposição da vida e da sociedade. Visto que o enredo chega-nos pela boca de um personagem-narrador, temos uma perspectiva pessoal, limitada, restrita aos ditames que a sociedade na qual está inserido lhe impõe.

    É assim que Paulo-narrador, já na primeira página, revela-nos preconceito típico de um grupo conservador: ele se recusa a contar pessoalmente a sua história de amor com Lúcia, já que, dessa maneira, poderia profanar o ambiente em que se encontra uma jovem menina. Opta, portanto, pelas cartas – estas compõem o romance – que envia à senhora G. M., guardiã da ordem e dos valores morais da sociedade.

    Recompondo o passado, Paulo permite-nos moldar a sua própria personalidade, a de Lúcia e a dos que o cercam. Recém-chegado à Corte, o provinciano Paulo apaixona-se pela cortesã Lúcia. De início, predomina a atração sexual, o que não lhe permite compreender a mulher que o mergulhara no desassossego, nas incertezas, na desconfiança. Por outro lado, Lúcia, que também se apaixona por Paulo desde o primeiro instante, dá-se conta de que ao verdadeiro amor é necessária a dissociação categórica e definitiva entre o aspecto físico e o espiritual. Impõe-se um processo de redenção que consiste na negação do próprio corpo.

    Nenhum homem tornará a tê-la, nem mesmo Paulo, a quem nega até um simples beijo. O amado, longe de sentir-se rejeitado, finalmente, compreende a mulher que o arrebatara, visto que o corpo – obstáculo à comunhão espiritual mútua – já não é mais empecilho à visão da inocência da protagonista. Essa transformação por que passa a prostituta devolve-lhe a adolescente pura e íntegra que fora um dia, devolve-lhe o nome: Maria da Glória.

    O casal busca, dessa maneira, atar as duas pontas da vida. Porém, a sociedade não perdoa: não basta a total abstenção de sexo; não basta o afastamento geográfico que Maria da Glória busca – isola-se num subúrbio longínquo, distante de todos os conhecidos da Corte, a quem a sua presença poderia afrontar; não basta ser vítima dessa mesma sociedade. O castigo deve ser absoluto, exemplar; nenhuma sombra de impunidade pode existir.

    Daí o fato de Lucíola ser considerada uma das melhores obras alencarianas, uma vez que, numa leitura atualizada, revela-se a enorme e aparente contradição – já chamada de irritante – que constitui a essência mesma desse romance: temática progressista, de abordagem humanista X solução conservadora. Mas por que a contradição é apenas aparente? Ora, porque Alencar, de forma consciente, ao adotar um foco narrativo em primeira pessoa, deixa claro que é impossível tecer uma análise crítica de dada sociedade a partir dos conceitos éticos desse mesmo grupo.

    Por isso, ao leitor fica uma sugestão: não nos esqueçamos de que Lúcia, como bem observou a senhora G. M., é o lampiro noturno que brilha vivamente à beira dos charcos. Logo, por si só, nossa heroína é uma contradição, uma soma de opostos – como de resto todo o romance. E é justamente a possibilidade de conviver com o contraditório que torna a vida e a arte tão ricas e interessantes.

    Ao Autor

    Reuni as suas cartas e fiz um livro.

    Eis o destino que lhes dou; quanto ao título, não me foi difícil achar.

    O nome da moça, cujo perfil o senhor desenhou com tanto esmero, lembrou-me o nome de um inseto.

    Lucíola é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?

    Deixe que raivem os moralistas.

    A sua história não tem pretensões a vestal. É musa cristã: vai trilhando o pó com os olhos no céu. Podem as urzes do caminho dilacerar-lhe a roupagem: veste-a a virtude.

    Demais, se o livro cair nas mãos de alguma das poucas mulheres que leem neste país, ela verá estátuas e quadros de mitologia, a que não falta nem o véu da graça, nem a folha de figueira, símbolos do pudor no Olimpo e no Paraíso terrestre.

    Novembro de 1861.

    G. M.

    1

    A senhora estranhou, na última vez que estivemos juntos, a minha excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e extravagâncias.

    Quis responder-lhe imediatamente, tanto é o apreço em que tenho o tato sutil e esquisito da mulher superior para julgar de uma questão de sentimento. Não o fiz, porque vi sentada no sofá, do outro lado do salão, sua neta, gentil menina de dezesseis anos, flor cândida e suave, que mal desabrocha à sombra materna. Embora não pudesse ouvir-nos, a minha história seria uma profanação na atmosfera que ela purificava com os perfumes da sua inocência; e – quem sabe? – talvez por ignota repercussão o melindre de seu pudor se arrufasse unicamente com os palpites de emoções que iam acordar em minha alma.

    Receei também que a palavra viva, rápida e impressionável não pudesse, como a pena calma e refletida, perscrutar os mistérios que desejava desvendar-lhe, sem romper alguns fios da tênue gaza com que a fina educação envolve certas ideias, como envolve a moda em rendas e tecidos diáfanos os mais sedutores encantos da mulher. Vê-se tudo; mas furta-se aos olhos a indecente nudez.

    Calando-me naquela ocasião, prometi dar-lhe a razão que a senhora exigia; e cumpro o meu propósito mais cedo do que pensava. Trouxe no desejo de agradar-lhe a inspiração; e achei voltando a insônia de recordações que despertara a nossa conversa. Escrevi as páginas que lhe envio, às quais a senhora dará um título e o destino que merecerem. É um perfil de mulher apenas esboçado.

    Desculpe, se alguma vez a fizer corar sob os seus cabelos brancos, pura e santa coroa de uma virtude que eu respeito. O rubor vexa em face de um homem; mas em face do papel, muda e impassível testemunha, ele deve ser para aquelas que já imolaram à velhice os últimos desejos, uma como essência de gozos extintos, ou extremo perfume que deixam nos espinhos as desfolhadas rosas.

    De resto, a senhora sabe que não é possível pintar sem que a luz projete claros e escuros. Às sombras do meu quadro se esfumam traços carregados, contrastam debuxando o relevo e colorido de límpidos contornos.

    2

    A primeira vez que vim ao Rio de Janeiro foi em 1855.

    Poucos dias depois da minha chegada, um amigo e companheiro de infância, o Dr. Sá, levou-me à Festa da Glória; uma das poucas festas populares da corte. Conforme o costume, a grande romaria, desfilando pela Rua da Lapa e ao longo do cais, serpejava nas faldas do outeiro e apinhava-se em torno da poética ermida, cujo âmbito regurgitava com a multidão do povo.

    Era ave-maria quando chegamos ao adro; perdida a esperança de romper a mole de gente que murava cada uma das pontas da igreja, nos resignamos a gozar da fresca viração que vinha do mar, contemplando o delicioso panorama da baía e admirando ou criticando as devotas que também tinham chegado tarde e pareciam satisfeitas com a exibição de seus adornos.

    Enquanto Sá era disputado pelos numerosos amigos e conhecidos, gozava eu da minha tranquila e independente obscuridade, sentado comodamente sobre a pequena muralha e resolvido a estabelecer ali o meu observatório. Para um provinciano recém-chegado à corte, que melhor festa do que ver passar-lhe pelos olhos, à doce luz da tarde, uma parte da população desta grande cidade, com os seus vários matizes e infinitas gradações?

    Todas as raças desde o caucasiano sem mescla até o africano puro; todas as posições desde as ilustrações da política, da fortuna ou do talento, até o proletário humilde e desconhecido; todas as profissões, desde o banqueiro até o mendigo; finalmente, todos os tipos grotescos da sociedade brasileira, desde a arrogante nulidade até a vil lisonja, desfilaram em face de mim, roçando a seda e a casimira pela baeta ou pelo algodão, misturando os perfumes delicados às impuras exalações, o fumo aromático do havana às acres baforadas do cigarro de palha.

    É uma festa filosófica essa Festa da Glória! Aprendi mais naquela meia hora de observação do que nos cinco anos que acabava de esperdiçar em Olinda com uma prodigalidade verdadeiramente brasileira.

    A lua vinha assomando pelo cimo das montanhas fronteiras; descobri nessa ocasião, a alguns passos de mim, uma linda moça, que parara um instante para contemplar no horizonte as nuvens brancas esgarçadas sobre o céu azul e estrelado. Admirei-lhe do primeiro olhar um talhe esbelto e de suprema elegância. O vestido que o moldava era cinzento com orlas de veludo castanho e dava esquisito realce a um desses rostos suaves, puros e diáfanos, que parecem vão desfazer-se ao menor sopro, como os tênues vapores da alvorada. Ressumbrava na sua muda contemplação doce melancolia e não sei que laivos de tão ingênua castidade, que o meu olhar repousou calmo e sereno na mimosa aparição.

    – Já vi essa moça! – disse comigo. – Mas onde?...

    Ela pouco demorou-se na sua graciosa imobilidade e continuou lentamente o passeio interrompido. Meu companheiro cumprimentou-a com um gesto familiar; eu, com respeitosa cortesia, que me foi retribuída por uma imperceptível inclinação da fronte.

    – Quem é essa senhora? – perguntei a Sá.

    A resposta foi o sorriso inexprimível, mistura de sarcasmo, de bonomia e fatuidade, que desperta nos elegantes da corte a ignorância de um amigo, profano na difícil ciência das banalidades sociais.

    – Não é uma senhora, Paulo! É uma mulher bonita. Queres conhecê-la?...

    Compreendi e corei de minha simplicidade provinciana, que confundira a máscara

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