0 calificaciones0% encontró este documento útil (0 votos) 214 vistas227 páginasA Historia Da Feiura ECO, Umberto
Historia da feiúra, escrita por Umberto Eco
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Universidade Estadual de Maringa
‘Sistema de Biblotecas - BCE
i
Imagem G. Canale, Borgaro Torinese
SUMARIO
Introdugao.
capitulo!
O feio
no mundo classico
Capitulo
A paixao,a morte,
Capitulo
© Apocalipse, o inferno
eodiabo
Capitulo lv
Monstros e portentos
Capitulo
0 feio, o cémico, o obsceno
Capitulo Vil
Odiabo no
mundo moderno
Gpitulo vil
Bruxaria, satanismo,
sadismo
Capitulo x
Physica curiosa
Capitulo x
O resgate romantico
do feio
Um mundo dominado pelo belo?
Helenismo e horror
A visao pancalista do universo
A dor de Cristo
Martires, eremitas, penitentes
O triunfo da morte
Um universo de horrores
Oinferno
As metamorfoses do diabo
Prodigios e monstros
Uma estética do desmesurado
Amoralizagao dos monstros
As mirabilia
O destino dos monstros
Priapo
Satiras sobre o vilao e festas carnavalescas
A liberacao renascentista
Acaricatura
Atradicao antifeminina
Maneirismo e Barroco
Do Satands rebelde ao pobre Mefistofeles
A demonizacao do inimigo
Abruxa
Satanismo, sadismo e prazer da crueldade
Partos lunares e cadaveres desventrados
A fisiognomonia
As filosofias do feio
. Feios e danados
. Feios e infelizes
Infelizes e doentes
43
49
56
62
3B
82
90
107
1
13
16
125
131
135
142
152
159
169
179
185
203
216
241
257
an
282
293
302O inquietante
oxi 1. Afeiura industi
Torres de ferro (0 Decadentismo ea luxiria
e torres de marfim
do feio
fulo xt
‘Avanguarda
eo triunfo do feio.
1. O feio dos outros
OKitsch
Camp
O feio dos outros,
o Kitsch eo Camp 3
O feio hoje
Bibliografia essencial
Referencias bibliograficas
das traducées utilizadas
indice dos autores e outras fontes
Indice dos artistas
Referéncias fotograficas
3n1
333
350
365
441
443
445
447
453Tntrodugao
Prdgesad
Pierro
A
ead
Pe or aaa Peru
ero a
1s testemunhos € ead pe
és dos tempos. J4 com 0 feio, foi diferent
Pee ea
do belo; gracas a esse:
Rr
Re ht
Pen cde
meng6es parentéticas e marginais. Po a
Pe ik ee Cc
se poderé deduzir o gosto de determinada Pere Mec CLC)
ONT ct Cd a
CII er st ia cored
FORINT esl ail
com a historia da beleza. Antes de mais Pe eta
pe Ea dba re
nee renee nent Eee uN aa
Apr RIN aC Nicer ics
femininos pintados por Picasso e ouvisse que os visitantes os consideram
DN es
Pete ner ce keg
femininas cujos rostos s4o semelhantes aqueles representados pelo pintor.
ere tec eek ue Re
desfile de moda ou um concurso de Miss Universo, nos quais veria
Peer tee Ne Cun nn
Pe eed teeta
desse tipo nem em relacdo ao belo, nem em relacdo ao feio, pois dispomos
Pe cme et tea ices
oe ae ane ec atc nunc ts
TO CUR ut Rl
CET uC)
ere uot beleza
ie
a!
|
fental. Para as civilizacdes arcaicas € para 0s povos dito
chados arqueologicos e artisticos, mas nao de
im se eles eram destinados a provocar del
na civilizacao ocid
primitivos, dispomos de
textos tedricos que informe
‘0. ou mesmo hilariedade.
estético, terror sat
idental, uma mascara ritual africana poderia parecer
Para um o
horripilante - enquanto para o nativo poderia representar uma divindade
benévola. Em compensacao, para alguém pertencente a alguma religiao
poderia parecer desagradavel a imagem de um Cristo
e humilhado, cuja aparente feitira corporea
ndo-europé
flagelado, ensanguienta
mosao a um cristao,
as em textos posticos e filoséficos (como,
inspira simpatia e
No caso de out
por exemplo, a indiana, a japonesa ou a chinesa), vemios imagens e formas,
mas, ao traduzir tanto as paginas de literatura quanto as filoséficas, é
5 culturas,
quase sempre dificil estabelecer até que ponto determinados conceitos
podem ser identificados aos nossos, embora a tradicao nos tenha induzido
2 transpo-los para termos ocidentais como “belo” ou “felo’ Porém, mesmo
que essas tradugdes fossem confidveis, saber que numa determinada
cultura entende-se como bela uma coisa que exibe, por exemplo,
porcao e harmonia nao seria um dado suficiente, O que se entende,
de fato, com estes dois termos? €
curso da historia
es mudaram de sentido até mesmo no
ocidental. Quando comparamos afirmacées ted
um quadro ou uma constru
cas com
40 arquitetonica da mesma época, podemos
Perceber que aquilo que é proporcional em um determinado século
j8 Nao 0 € no outro: falando, por exemplo, da proporcao, um filésofo
medieval pensava nas dimensoes e na forma de uma catedral gética:
enquanto um tedrico renascentist
fa pensava em um templo quinhenti
Cujas partes eram reguladas pela seco urea ~ e para os renascentistas
Pareciam barbaras e, justamente, goticas’as proporcées realizadas
aquelas catedrais.
Os conceitos de belo e de feio so relat
de bel felo s20 relativos aos varios periodos historic
citar Xendfanes de Colofao
Tapecarias, , 110)
0u as varias culturas e, para
Clemente de Alexar
segundo
Se maos tivessem o
bois, os
Cavalos € os ledes e pudessem, 0s
i F em, como os homens, desenhar e criar obras
Com estas maos, semelhantes ao caval
pene ; 20 cavalo, 0s cavalos desenhariam as formas
cles oF erg s Semelhantes a0 boi e hes fariam corpos tais quais
Na Idade Média, Jacques de Vitry
bri duo, quorum prior Orientalis, si
Ocidentalis istoria), ao
a0 louvar a beleza de tod.
Provavelmente, os ciclopes, que tém u
‘Om aqueles que tém dois, como nés nos a
OU COM as criatur
Hiyerosolimat
r jatanae, alte
obra divina, admitia que
admitia que
se espantam c
n olho s6,
ssombramos com
as de trés olhos... Consideramos
Mais negro € cons
ard eco em Voltaire
feios os etiopes
siderado mais belo’ Mais tarde
10 Dicionério filosético}
ladeiro belo, oto kalén. Ele
com seus dois bel
Negros, mas, entre eles,
Perguntem a um
respondera que
os olhdes redondos que se
SPO 0 que é a beleza,o verd,
Consiste em sua fémea,
eetalarga e chata,o ventre amarelo
Guiné:o belo consiste para
dos, no nariz achatado.
destacam na cabeca pequena, 2 gargan
escuro, Interroguem um negro da
nos olhos enfossa
tum par de chifres, quatro patas err
eo dorso
ele na pele negra e ol
Interroguem o diabo: dira que o belo €
garras e um rabo’
Jegel, em sua Estética, anota qu eae
sropria esposa, pelo menos cada namorado considera bela, alias,
eee 2 propria namorada;e se 0 gosto subjetivo por tal
pode-se dizer que isso é uma sorte
.e‘acontece que, se nao cada marido a
exclusivamente bela,
Beleza nao tem nenhuma regra fixa
jara ambas as partes...Quve-se dizer com frequencia que Uma Beleza
fadaria a um chinés ou mesmo a um hotentote, embora o
eito de Beleza inteiramente diverso daquele do
rmos as obras de arte dos povos nao
emplo, que brotaram de sua
uropéia de:
chines tenha um cont
negro...£,na verdade, se considerar
gens de seus deuses, por
fantasia como dignas de veneracao e sublimes, poderdo nos parecer idolos
dos mais monstruosos, assim como sua muisica pode soar aos NOssos
vidos da forma mais det Por sua vez, aqueles povos verao as
nossas esculturas, pinturas e misicas como insignificantes ou feias
Muitas vezes, as atribuicdes de beleza ou de felura eram devidas nao a
critérios estéticos, mas a critérios politicos e sociais. Hd uma passagem de
10s econdmico-filoséficos de 1844) que recorda como a
iro pode suprir a feiura:"O dinheiro, na medida em que
possui a propriedade de comprar tudo, de apropriar-se de todos os
objetos, é 0 objeto em sentido eminente...Logo, minha forga sera tao
din
grande quanto maior for a forca do meu dinheiro...0 que sou e posso ndo
portanto, efetivamente determinado pela minha individualidade. Sou
' posso comprar a mais bela entre as mulheres. Logo, nao sou feio,
na medida em que o efeito da feiura, seu poder desencorajador, é anulado
pelo dinheiro, Sou, como individuo, manco, mas o dinheiro me da vinte
€ quatro pernas: donde, nao sou manco...Meu dinheiro nao transforma
todas as minhas deficiéncias em seu contrério?" Ora, basta estender essa
reflexao sobre o dinheiro a0 poder em geral e poderemos compreender
alguns retratos de monarcas dos séculos passados, cujas feicdes foram
devotadamente eternizadas por pintores cortesdos, que com certeza
nao tinham nenhuma intencdo de ressaltar os seus defeitos e que talvez
até tenham dado o melhor di
si para suavizar seus tragos. Mesmo assim,
tals personagens nos parecem, sem sombra de duvida, bastante feios
mo em seu tempo); no entanto, ram
( provavelmente o eram, mesn
dotados de um tal d
dos de um tal carisma e de um tal fascinio devido a sua onipoténcia,
Liditos os viam com olhos de adoracao,
Enfim, basta ler um dos mais bi
que seus
los contos de ficcao cientifica
contemporanea, A sentinela, de Fr
Poranea, A sentinela, de Frederic Brown, para ver como a relacao
entre normal e monstruoso, aceit
di ‘vel e horripilante, pode ser invertida se o
NOs para o monstro es
Estava ens
!ava ensopado e coberto de |
cede de
pacial ou do monstro espacial para
jama,tinha fome, frio e estava a mais
ns:'
J
t 4s culturas (ou at
tentou, desde
F 30. a um modelo esta
> Niet c lo dos idolos, que
dida da perfeicac ‘adora
lea > n delha nas coisas, consid
>ma da
feiura sao definidas em referéncia a um
e anoga
a todos os entes, como fazia Platao na F
bela uma panela construida
Toma:
egras artesanais, ou
9, 8), para que
quino (Sum
de uma correta proporcao e da luminosidade ou clareza, pe
e, portanto, un
exibir todas
e sentido, considerava felo somente aquilo que fc
proporcionado, como um ser humano com uma cabeca eno!mas eram ditos feios também os seres que Tomas
ino sentido de “diminuides;ou seja = como dird
is falta um
Guilherme de Alvernia (Tratado do bem e do mal), 205 Ait pee M
im olho (ou até trés, pois € possiv ntar
membro, que tém apenas um ol
im defeito de integridade também por excesso). Portanto, eram
mo feios os erros da natureza, que os artista
snhuma compaixao ~ , para o mundo
jectos formais d
pernas curtissimas,
definia como “torpes
impiedosamente definidos co’
tantas vezes retrataram sem nef
's hibridos, que fundem inadequadamente os asp‘
animal, o%
duas espécies diversas.
O fei poderia, entao, ser definido simplesmente como 0 contrario do
belo, mesmo um contrario que se transforma com a mudanca da idéia de
‘07 Uma historia da feidra coloca-se come contrapanto simétricc
seu opost
de uma historia da beleza?
ra e mais completa Estética do feio, elaborada em 1853 por Karl
ima analogia entre o feio eo mal moral. Como o ma
A prim
Rosenkrant, raca ul
€ o pecado se opdem ao bem, do qual sao 0 inferno, assim 0 feio € 0
inferno do belo” Rosenkrantz retoma a idéia tradicional de que 0 feio é 0
contratio do belo, uma espécie de possivel erro que o belo contém em si
de modo que toda estética, como ciéncia da beleza, é obrigada a enfrentai
também o conceito de feidira, Mas é justamente quando passa das
definic6es abstratas para uma fenomenologia das varias encarnacdes do
feio que ele nos faz entrever uma espécie de “autonomia do feio’ que o
transforma em algo bem mais rico e complexo que uma série de simples
negacdes das varias formas da beleza.
Ele analisa minuciosamente o feio da natureza, o feio espiritual,o feio na
arte (e as diversas formas de incorrecao artistica), a auséncia de forma, a
assimetria, a desarmonia, o desfiguramento e a deformacao (o mesquinho,
0 débil, o vil, o banal, o casual e 0 arbitrario, o tosco), as varias formas de
repugnante (0 desajeitado, o morto e o vazio, o horrendo, o insosso, 0
nauseabundo, 0 criminoso, o espectral, o demoniaco, 0 feiticeiresco, 0
satanico),|sso tudo é demais para que se continue a dizer que 0 feio 6 0
simples oposto do belo, entendido como harmonia, propor¢ao ou
integridade.
Se examinarmos os sindnimos de belo e feio, veremos que, enquanto se
considera belo aquilo que é bonito, gracioso, prazenteiro, atraente,
ieee een en
,, , , ‘pcional, fabuloso,
Saeelig fen teansae ae apreciével, espetacular,
asqueroso, desagradavel, fates com hae er
indecente, imundo, SUjO, oe en ie Spee ee eae
‘monstruoso, horrivel, hérrido, ee Renee or
ucmenda, Retiteee ee terrivel, terrificante,
nauseabunde,étido, apavorante,ignob decgre ee ee
, fe, ndbil, desgracioso, desprezivel, pesado,falar das formas
ignados
) magico,
enquanto para todos os
ciagao
mpre uma
no hot nos animal
a determinada
>mo expressivos
a undo’
desejavel: bast
de alegria do glutao diant
20 estético, mas an
semelha aos gru
> aos arrotos emitid
em algumas civi
para rr F aprovacao depois de uma refeicao (embora nestes casos
de etiqueta).£m geral, em todo caso, parece que a
ex lo provoca aquilo que Kant (Critica do juizo) definia como
s desejo de possuir tudo aquilo que
gradavel ou de participar de tudo aquilo que n
s parece bom,
© juizo de gosto diante da visa de uma flor provoca um prazer do qual se
qualqu ej de posse ou de consumo.
Nesse sentido, alguns filésofos
erguntaram-se se é possivel pronunciar
um juizo estético de feitira, v
to que 0 feio provo:
a reacdes passionais,
ersao descrita por Darwin.
Na verdade, deveriamos, no curso de
nossa historia, distinguir as
manifestacdes do feio em si (um excremento, uma carcaca em
decomposicao, um ser coberto de chag
s emanando um cheiro
Nauseabundo) daquelas do feio forme
ou seja, desequilibrio na relacao
organica entre as partes de um todo.
Imaginemos encontrar na rua alguém com a boca desdentada: 0 que nos
perturba nao ¢ a forma dos labios ou dos poucos dentes restantes, mas 0
fato de os dentes nao estarem acompanhados dos outros que deveriam
estar naquela boca. Nao conhecemos a pessoa, aquela feitira nao nos
envolve passionalmente e, no entanto - diante da incoeré
incompletude daquele conjunto -, nos sentir
a ou
autorizados a dizer que
aquele rosto ¢ feio. Por isso, uma coisa é reagir passionalmente ao nojo
provocado por um inseto pe
ajoso ou uma fruta apodrecida, outra é dizer
que uma pessoa é desproporcional ou um retrato ¢ feio no sentid
jlo em que
& malfeito (0 feio artistico ¢ um feio formal).e todas as teor'
im lembrar que quase
conhecido que
sos dias, tém re
uma representacao
feio artistico,é
10s da Grécia aos no:
+ redimida po!
‘a, 14480) fala da possibilidade
epelente e Plutarce
a de feiuira pode a
tria aquilo que
tistica, 0 feio imitado
yesenta¢so a
na represe
f je beleza da
uma reverberagao di
gis poetis) diz qu
.cebe como que
menos diversos:o feio em si, 0 feio formal
mbos.O que devemos ter
quase sempre, serd possivel int
iros tipos de feitira com
ente a0
folhear as paginas deste livro é qu
Jo terceiro tipo
muitos equivocos, Na Idade Média,
‘omna-se bela
cul dois prim
im determina\
as em testemunho!
aio diia que a imagem do diabo t
3s seria isso mesmo que os fiéis
ma sua feitira
Mee nas de inauditos tormentos infernais nos
ais jas? Nao reagiam, talvez, com terror e angustia
‘omo uma feiura do primeito tipo, enregelante e
19 a para nds a visio de um réptil que nos ameaca?
v Joricos no consideram intimeras varidveis individuais,
iiossincrasias e comportamentos desviantes. Se é verdade que a
experiéncia da bele ica uma contemplacao desinteressada, um
scente perturbado pode, no entanto, ter uma reacao passional diante
4a Venus de Milo. mesmo vale para o feio: uma crianga pode sonhar d
ite, aterrorizada, com a bruxa que viu no livro de fabulas e que, para
seus outros coetaneos, era apenas uma imagem divertida. Provavelmente
vitos contemporaneos de Rembrandt, em vez de apreciar a mestria com
cionado na mesa de dissecacao,
\daver fosse verdadeiro ~ assim
ardeio talvez nao possa olhar Guernica de
sado, revivendo o terror de sua
que ele representava um cadaver si
podi
10 de modo esteticamente desintere
Dai a prudéncia com que devemo p
prudéng que devemos nos preparar para prosseguir esta
nossa historia da feiura, em suas variedades, em suas multiplas
declinacdes,na diversida
le de reacdes que suas varias formas estimulam,
s,uanees comportamentas com que se reage a elas. Considerando, a
ad quando tinham razdo as bruxas que, no primeiro ato de
Macbeth, gritam: "Belo é feio, feio é belo,etd
Lh eel eo Cu cet Lint Ter ee
eee essere iy
eee peheatanoL er rT ea ae
todos 0s seres que no encamavam tals proporcées fossem vistos conio
Cee Ue a
O ideal grego da perfeicao era representado pela kallokagathla, termo
que nasce da unido de kdilos (genericamente traduzido como“belo")
Ni ee au ee Lor ea ee ae ee
uma série de valores positivos). Observou-se que'a virtude de ser kalos
ea Se tenet eee
bchterneaieneieline seats ec eT at eee ae
digno, de coragem, estilo, habilidade e conclamadas virtudes esportivas,
Miilheteha aC ee ei ae eee
literatura sobre a relacéo entre feldia fisca e feidra moral.eta de cosas fess
Pago VV 30)
Parti 0
3 apts do bel, do hom
dane
Si spore a do
TE supoes igualmente
e de todos
howem, independ de is € de
aus qe so como 6m om
ms de home de fogo ov te
sMSobre esas cosas, Parménides
muita veres duvidel se deveriamos
Consideri-las como as precedentes OY
yma forma em
issn por
a tens centeza 3
ree de og Pe 2
of ‘qualquer outra coisa desprovida de
Cum, ante que xe ar xu
das ua forma separa, qe € por
ter, versa dao qv cas com 35
= Oh, no. creo que tis coisas, assim
‘como as vers, asim elas io, Acreditar
‘que existe uma forma separada de cad
tia dels seri, eu temo, demasiado
ose tee dC)
prazer ma fea, Nio poderiamos ¢, através da experiéncia de diversas belezas, tenta alcancar a
'o.em Si, da Beleza hiperurania, da Beleza como Idéia
amor pelos jovens ao qual Sécrates se dedica, o que
lo Alcebiades, ja bel
ta-se aqui de
itrompe no banquete
doria de Socrates, Ihe
partilhar da sab
ido o pro
Enesse contexto que Alcebiad
© famoso elogio da aparente feitira
m0 aspecto externo de um sileno, mas que
Sconde uma profunda beleza interior
crates, que t
sob estes
nico dislogo o
n-se diversas idéias de
9 esquema simplist
plica. Ea civilizag
640, como se in
a feitira como oposto da
20 grega sempre esteve conscienté
Te do elogio, mais tardio, de um outro ser
oo.mas de alma nobre e rico de sabedoria, Esopo,
eeTTersites
Home
‘ada, M, 1BISs
mes fe
Dos cert
(se. Ka)
peito arcade
giboso, ¢ inha 0 pe
sntuda cabeca umas faltipas;
Sch npre a Ulisses € 0 Pelides,
Monta verope
Esopo, 0 feio
Romance de Bsapo 1 (36. LID ‘
Paap. o grande benfetor da humanid
‘hols, foi esravo por condicio, mas
na Fri
Je nascimento figio de Ame
C), nojente
= eS ee
repeleme 3
Cin a eabeva pontagn
Sais alvaceo,Paixinho, com pes
Shor, bragoscurtos, vesgo, beicud
if ainda mais grave
Ademais - deficienc
1 deformicade -,nilo possuia o dom
que
di palavra, alem de ser gago e totalmente
Socrates como Sileno
Plato (sée. VV aC)
Digo, com efeito, que ele (Socrates) se
muitissimo com aqueles silenos
parece muitssimo x
sxpostos nas oficinas dos escultores, que
fgutas na mao e que, quando aber
meio, evelam em seu interior efigies cle
Aero oe po, Mas 0 mundo grego foi atravessado também por outras contradicOes. ago velo
an Na Repablica, considerando que o feio como falta de harmonia é o 1630-168;
tes contrario da bondade de espirito, Platao recomendava que se evitasse a jee
representacao das coisas feias para os muito jovens, mas admitia que, no
fundo,existiria um grau de beleza préprio a todas as coisas, na medida
em que se adequassem a idéia que Ihes correspondia; portanto, pode-se
dizer que ¢ bela uma jovem, uma jumenta, uma panela, cada uma dessas
oisas sendo, no entanto, feia em relacao a precedente,
Arist6teles,na Postica,ratificava um principio que seria universalmente
aceito no decorrer dos séculos, ou seja, de que se podem imitar belamente
a8 coisas felas - e desde as origens, admirava-se o modo como Homero
havia bem representado a fealdade fisica e moral de Tersites.
Enfim, vejamos como, mais tarde,em ambiente estdico, Marco Aurélio
reconhece que também o feio, também as imperfeicoes, tais como as
rachaduras na crosta de um po, contribuem para a atratividade do todo.
Princo este que (como veremos no préximo capitulo) domina a visio
Patistica e escolstica, nas quais ofeio é redimido pelo contexto €
Contribui para a harmonia do universo,Imitar belamente
r2, Helenismo e horror
so grego era obcecedo por muitos tipos de felira e maldade, Nao
O mundo oe terse a oposicao entre apolineo e dionisiaco: embora nos
ilenos ébrios e comicamente repugnantes,
la proeza a resistencia de
é necessario reme r
cortejos de Baco aparecam s
justamente no Banquete elogi
Sécrates as mais generosas libagoes. Perm:
de ambiguidade a respeito do papel da musica, que estimula paixoc
da a estética pitagorica vé a musica como aquilo que realiza as leis
fa harmonia.
ja-se como uma bel
janece, no maximo, uma sombra
ideais, as regras matematicas da proporcao ed
{as zonas subterraneas onde sao
‘omo Ulisses e Enéas) aventuram-se
Na cultura grega restam, porém
praticados os Mistérios e os herdis (c
has névoas sinistras do Hades, do qual Hesiodo ja nos contava os horrores.
‘A mitologia cléssica é um catdlogo de inenarrdveis crueldades: Saturno
ddevora os proprios filhos; Medéia os massacra para vingar-se do marido
infiel;Tantalo cozinha ofilho Pélops e serve sua carne aos deuses para
desafiar sua perspicdcia; Agamemnon nao hesita em sacrificar sua filha
figGnia para agradar aos deuses; Atreu oferece a Tiestes a carne de seus
filhos; Egisto mata Agamemnon para roubar-lhe a esposa Clitemnestra, que
sera morta por seu filho Orestes; Edipo, embora nao 0 soubesse, comete
tanto parricidio, quanto incesto...£ um mundo dominado pelo mal, no qual
as criaturas, mesmo as belissimas, realizam ac6es ‘feiamente” atrozes.
Neste universo, vagam seres assustadores, odiosos por serem hibridos que
violam as leis das formas naturais: ver,em Homero, as Sereias (que nao.
cauda de peixe, mas aves de rapina), Cila e Caribdis, Polifemo, a Quimera}
em Virgilio, Cérbero e as Harpias, e iqualmente as Gorgones (com a cabeca
erigada de serpentes e as patas de javali),a Esfinge, de rosto humano sobre
poset enue es da kallokagathia, foram inspirados também por
pei ifestacoes do horrendo, de Dante aos nossos dias. Tanto é
stv eapeptsreia ela oer
em paginas como as de Clemente Al ae sce cma
lexandrino ¢ Isidoro de Sevilha,
as monstruosidades descritas pelos anti
a ntigos para a falsidade
irae i90s para demonstrar a falsidad
um corpo leonino, as Eri
© Minotauro,
posteros fantaI ne
[As Sereias
Homero (séc. aC)
‘dessa, XI, 2545
Has de as Sereias
Primero deparar, cuja harmon
bementa € Fascia OS
‘Quem se apropingua esto
CGpost e fics nao regoziar
nos doces lates
(Que a vocal melodia
de buman
feunes, Surde avante:
As orelhas dos teus com cera tapes
Ensurdegam de todo.
‘Ouvias pores,
Gontanto que do mastro
ao longo estas
de pes e mios atad
te se, absorvido no prazet,
fordenares que te sok,
mais forga
Liguemze ca
(0 companhetos
Dal pass
1 via note aponto
Que te cumpre seguir
tu mesmo a escolas,
15 dots penedos,
que os Supremes chamar
Errantes, onde fremem
de Anfite
Ondas azuis
As Harpias|
Visio (sé. 12.6)
Breida, I, 219-222, 25-229
has do grande Jonio, em grego
Stotades,
Nas prs me receber nests ilhas
Mora a cruel Celeno e as mais Harpias
Monstro maior,
em divinal Nagel,
Nem peste mais vor
brotou di Exige
Tem laxo imundo vente
Aves nojoss,
‘com divinos rcsts,
Magros,palidos sempre
Cila © Caribalis
Homero (séc. 1K a.¢)
diss. XU, 62.67
Onde a lar
se aloja 0 monsero Gi,
Como tenrinhos cies,
Dox proprios deus
pemas doze informe:
Dentug
‘os colmilhos cheios
De negra morte
Polifemo
Homero (séc. XG.
Oidisseia, IS, 111-143, 218-2:
290300
Seus rebanhos ali desconversivel
Gigante pustorava, em separado,
do
$6 consigo maldades ramina
Eko, sevo ¢ em silencio, a dois agar
No chio como uns clezinhos
fos machuca
Eo eérebto no chio corre espargido,
Eos membros 135
hes devora tudo,
Fibra, enfranha, oss mole ou medulosc
Qual farinto leto:
chorando, as palmas,
Em desespero e grita, a Jove algamos.
Pleno de humanas carnes
© amplo vente,
Leite bebe 0 Ciclope
a grandes sores,
Eentre as ovelhas na cavern estira-se
oO
E ressupino eal ¢, a cervig grossa,
dobranido, a0 sono domador se rende
A jimpar na embriague7,
ressona € arrou,
Vomita 0 vinho
came humana em postas (
Cérbero
Virgilio (sée. 1.6)
Breida, V1, 426-433
om trifauce ltr
Getbero ingente
Deitado em cova oposta,
Seus serpentinos colos
Langathe a vate
Lum Sonorento bolo
De mel ¢ confecoes que,
a8 tr gangantas|
Eseachando glutio,
raivoso engole,
E,05 costados em t
etorpecide
Por toda a gruta 0 corpo enorme esta
Gustave Moreau,
Aquimera
1867,
Cambridge (Mas.
Fogg Are Museum
pdginasseguntes
John Wiliam Waterhouse,
Uisses eas sereias
891,
Melbourne,
National Gallery
0s infernos
Hesiodo (sée. VIL aC.)
Teogoniia, 736-773
Trata-se ¢
1m local tetro, esqul
até mesmo os deuses odeiam, E uma
chegaras a tocar seu fundo, pois ante
i para cd sem te conceder respito (.)
Lit esta a horrenda casa da tenebrosa
Noite, coberta de lividas nuvens. Antes
dlesta, bem plantado sobre as pera,
filho de Japeto rege firmemente 0 amplo
‘céu com a cabega © com as mios
Bem naquele ponto, Noite e Hemera
cencontrando-se, trocam siudagdes na hora
fem que — uma para stir € outra para
das juntas contemporaneamente, mas
sempre uma dekas, do lid de fora, vai
percorrendo a terra, enquant
dentro, fica a espera de que surf, agort
para ela, o momento de sain. Uma leva aos
Terestres a Juz que a tudo ilumina; a
sua vez, a fosea Noite com seu
outea, pe
rmanto de densa caligem, cartega nos
bragos Hipno, iio de Tanatos,
©.) Hélio, 0 esplendente, nunca os
no céu, nem quando dele a
primeiro, pkicido e grato aos homens,
gira sobre a terra € sobre a vasta extensio
do man, © outro, a0 contro, tem um
bronze no peito: arrebata os homens para
rio mais deixa-los até mesmo dos
deuses imortais € inimigo,
Embaixo, mais adiante, ergue-se a
ribombante morada do deus subterrinec
r
possante Hades ¢ da assustadoraCre
eee
core
Cea
cet ney
Peetu eet cre)
CSC oe Bun OO Mt eee ny
Dees Cea eee ed
Pe tn cues ee eacie e eane
CCC Rui ee CM et eeu ee ot
BUS OeCac cicero
Dc oe kee ce
SOE A Rc ae ee SCG ee Ne
com 0 mundo ciistéo: de um ponto de vista teolégico-metafisico, todo
OS a ae ee uc enue
COE a ae eee ake ae oe
Ro TE CMe eke et atc
OTe uC es
Dr We te Oe cy
na beleza de todo o ser. Com o Génesis, eles aprendiam que, ao final do
sexto dia,"Deus viu tudo o que tinha feito, e era muito bom’ (1,31),
Ce eae tr eee)
DO RS ea ee acy
Dee
Oe ees ee eRe ee
Coenen
ee ee Eu re ay
conceito de origem platénica e Calcidio (século IV d.C), em seu
Comentario ao Timeu, falava do“espléndido mundo dos seres gerados...
Cee csoinfluenciada por uma obra de cunho
mentario aos nomes divinos, do pseudo-
10 inexausta irradiagag
universo aparece com
jionisio Areopagita. Aqui o univ i rd
Priel na grandiosa manifestacdo da difusividade da beleza
le esplendores, uma gf : ae
eas ma cascata ofuscante de luzes: 0 Belo supra-substancial
primeira, uma c
tir dele, dissemina-se
causa da Beleza que,a par
eee a jedida. Ela € causa da harmonia
‘Aldade Média seré muito
neoplatdnico (século V), 0 Con
d
undo a propria m
entre todos os seres, segun fa ren
e do esplendor de todas as coisas, e expande sobre cada uma, sob a forma
de fulgidissima luz, as efusdes de seu raio manancial que as fazem belas,
chama a si todas as coisas, e portanto é justamente denominada Beleza
recolhendo em si mesma tudo em tudo” (Nomes divinos, IV, 7, 135)
No rastro do Areopagita, Escoto Eriugena (séc. IX) vai elaborar uma
concep¢ao do cosmo como revelacao de Deus e de sua beleza inefavel
através das belezas ideais e corporais;e se difundira sobre a venustidade
de toda a criacao, das coisas semelhantes e das dessemelhantes, da
harmonia dos géneros e das formas, das ordens diferentes de causas
substanciais e acidentais compreendidas em maravilhosa unidade
(Adivisao da natureza, 3).£ nao ha autor medieval que ndo retorne a este
tema da pankalia, ou beleza, de todo o universo.
Para uma identificacao tradicional de Belo e Bom, dizer que todo o
Universo era belo signifcava dizer que também era bom ~ e vice-versa
Como concilar esta persuasio pancalista com o fato evidente de que
existem no universo 0 Mal e a deformidade?
A solucao foi antecipada por Santo Agostinho, que fez da justificacao
do Mal em um mundo criado por Deus um de seus temas fundamentais
'No Sobre a ordem, Agostinho argumentava que haveria, é verdade,
condenado ha de estar em meio
‘antos milhées de outros danado
pelo fedor que exalam. (. Mais
Penam (digo) pelo fedor, pelos
gritos & pelo apemto, pois estario no
inferno uum sobre o outro, come
welhas amontoadas
2s em tempo de
invemno (..) Donwle, viri depois a
pena da imobilidade (..) De moxk
que © dank
inferno no dia fia
ficar sem mudar de lugar e sem
poder mover nem tum pé, nem uma
flo, enquanto Deus for Deus. Seri
acormentado 0 ouvido com gritos
ontinuos « prantos dos pobres
lama ertanga que chora? Miseros
que tendo de ouvir
danad
continuamente para tox a
redores! Seri
com a fome; 0 danado
Mas iio
tees nunca wma migalha de pac
er também wm sede tal que 10
Ihe bastara tox a gua do mar
mas dele ndo teri uma gota sequer
uma gota era 0 que Epubio.
imp)
YA pena que mais atormenta os
do
sentidos do condenado € 0 f
inferno, que atormenta 0 tato (..)
Também nesta terra a pena do fogo
granule 4 diferenga entre 0 noss
Fogo € aquele do infer
que S
Agostinho diz que 0 nosso parece
pintado (.. De modo que 0 misero
seri crcundado pelo f
uma acha dentro da fornalha. 0
danado tera um abismo de foge
ahuixo dele, um abismo acima © um
abismo a0 redor. Se ele ta, ¥8, ou
respira, ilo toca, nio vee nem
respira outa coisa sendo fog
Estar no fogo con ms
RO como peixe na agua
Mas este fogo nio estara somente
10 redor do danado, mas entrar
também em suas visceras para
de moo
cerebro dent da abe, oa
dentro das ossos: cada danado
fornalha de fogo (..) Se o infer
Se etemo, no sera infer
A pena que no chia muito nao ¢
vuma grande pena, De um enferme
corse um apostema, de ui out
se queima uma
sgangrena, a dor ¢
grande, mas como acab es
pouco, mio € grande o
Mas que pena sera,
cou aquela operigio de
ccontinuasse por uma. sen 5
fam mes intro? Quand e
bastante long
toma doe nds Othos, uma dor
‘edema, torna-se insuportivel, Mas
por que flo dle dor? Mes
Comedia, uma musica que dr
demas ou seguisse 0 dia i
indo se poderia suportar pelo ted
E se durasse um més? Um ano? 0
que seri o infermo? E onde nio se
fouve sempre a mesma comécia ow
de no hi
Pee T Cs Gs ou
fan Oe ea sears ere
Inferno moderno
Jean-Paul Sar
Entre quatro par
*
INES ~ (Othe para ele sem mi
A
(Pawsa) Calma! Ji entendo.. ja
Luca de Lida
tiptico do
Juleo Fino detalhe
1527, Leiden,
Musée Municipal
de akenhal
eentendi porque nos botarsm juntos.
GARCIN ~ Cuidado com 0 que Vai
INES — Voce vai ver que idiotice
Idiota como uma floe! Nao tem
tomura fisica, no € verdadk? E, no
de ser castigado, né? Ninguém vem
fim, 56 nds, juntos, nao € iss £
dl
ato que esti faltando alguem aqui
GARCIN = CA mela 102) E, eu se
pessoal, isso. S’0 08 proprios
clientes que fazem 0 servigo, com
ESTEE ~ 0
querendo dizer?
Mas o inferno serd uma obsessio nos séculos sucessivos e nos sermoes
‘quaresmais barrocos (ver Marchelli e Santo Alfonso Maria de’ Liguori)
fie! é aterrorizado por uma descrigao dos tormentos infernais que supera
a violencia dantesca, mesmo porque nao é redimida pelo sopro da arte.
A idéia do inferno retorna até em uma perspectiva existencialista e atéia
quando, nos dias atuais, Sartre encena um inferno contemporaneo, em sua
peca Entre quatro paredes: se somos definidos pelos Outros quando estamos
vivos, por seu olhar impiedoso que revela a nossa feitira ou a nossa vergonha,
ainda podemos nos iludir com a possibilidade de que esses outros nao nos
‘vejam como somos. No inferno sartriano (um quarto de hotel de luz sempre
acesa e porta fechada, no qual és pessoas que nunca tinham se visto antes,
terdo de conviver eternamente),a0 contratio, ndo se pode escapar do olhar
do Outro e vive-se apenas de seu desprezo. Um dos personagens grita:
“Abram, abram, vamos! Eu aceito tudo: as botinadas, os ferros,o chumbo
quente,(..) quero sofrer para valer..” Mas em vao:”..fornalhas, grelhas...Ah
que piada. Nao precisa de nada disso:0 inferno sao 0s Outros”3. As metamorfoses do diabo
No centro do inferno reina Lucifer, ou Satanas, se preferirmos. Mas Sata,
-avam presentes anteriormente. Existiam en
diversas culturas varios tipos de deménios, como seres intermediarios
que as vezes sao benévolos e as vezes malévolos (embora no Apocalipse
também 0s ‘anjos” sejam coadjuvantes tanto de Deus, quanto do
aspecto monstruoso: no Egito o
0 diabo, o deménio ja est
deménio) e, quando malévolos, de
monstro Ammut, hibrido de crocodilo, leopardo e hipopétamo, devora
0s condenados no além-tumulo; existem seres de feigOes bestiais na
cultura mesopotamica; em varias formas de religiao dualista existe um
Principio do Mal que se opée ao Principio do Bem. Ha o diabo como
Al-Saitan na cultura islamica, descrito com atributos animalescos, assim
como existem varios deménios tentadores, os gul, que assumem 0 aspecto
de mulheres belissimas,
Quanto & cultura hebraica, que influencia diretamente a crista, € 0 diabo,
assumindo a forma de serpente, quem tenta Eva no Génesis e na tradicao,
interpretando alguns textos biblicos que parecem se referir a outra coisa,
como em Isaias e Ezequiel, ele estava presente no inicio do mundo como
© Anjo Rebelde que Deus precipitou ao inferno.
Sempre na Biblia, encontramos meng6es a Lilith, monstro feminino de
origem babilénica que, na tradicao hebraica, transforma-se em deménio
feminino com rosto de mulher, jongos cabelos e asas e que era vista, na
tradicao cabalistica (0 alfabeto de Ben-Sira, séc VIl1X), como a primeira
mulher de Adao que depois se transformou em deménio.
Mas pode-se acrescentar também o dem6nio do meio-dia do Salmo 91,
que aparece inicialmente como anjo exterminador, mas na tradi¢ao
monastica se transforma em tentador da carne, e as numerosas alusoes a
Satanas em varias passagens, onde ele vai aparecendo como 0 Caluniador,
© Opositor, como aquele que insta para que Deus ponha J6 a prova, como
© Asmodeu em Tobias. a Sabedoria (2.23-24) dird:"Deus criou o homem
para a incorruptibilidade e 0 fez imagem de sua propria natureza; foi por
inveja do diabo que a morte entrou no mundo.
Nos Evangelhos, 0 diabo nunca é descrito, salvo pelos efeitos que provoca,
‘mas, além de tentar Jesus, ele é expulso varias vezes do corpo dos
endemoniados, é citado pelo proprio Cristo e & definido de forma variada
como 0 Maligno,o Inimigo, Belzebu, o Mentiroso,o Principe deste mundo.
acter,
rex Alone,
A queda dor
i
sais, 14:1
sencesor
rolocaret me
Batalh
Ipocalipse
Um sinal
entre Miguel € 0 Dr:Parece ébvio, também por motivos tradicionais, que 0 diabo deve ser
feio. Ele jé é evocado assim por S80 Pedro ("Irméos, sede sobrios &
Vigilantes! Eis que 0 vosso adversario,o diabo, vos rodeia como um leao
a rugir, procurando a quem devorar’) € é descrito na forma de varios
‘animais nas vidas dos eremitas. Em um crescendo de feiuira, invade
pouco a pouco a literatura patristica e medieval, sobretudo aquela de
cardter devocional
0 diabo aparece para Rodolfo, 0 Glabro; bandos de diabos aparecem
em narrativas de viagens a paises exdticos, como em Mandeville, ¢ por
varios séculos circulam lendas pias sobre o "pacto com 0 diabo": 0 diabo
tenta 0 bom cristao e 0 faz firmar um pacto, que hoje diriamos faustiano,
‘mas geralmente 0 cristo consegue escapar de suas armadilhas no final
A lenda medieval de Cipriano também fala de um pacto com o diabo:
um jovem pagao vende a prépria alma ao deménio para possuir a jovem
‘amada, Justina, mas,finalmente, tocado pela fé da donzela, se converte
€ ruma junto com ela para 0 sacrificio. O tema sera retomado em
seguida por Calderén de la Barca, em seu O magico prodigioso (1637).
Mas uma das verses populares de maior sucesso desde os primeiros
séculos cristaos foi a Lenda de Teofilo: o protagonista, diacono na Cilicia,
caluniado junto 20 bispo, é privado de sua dignidade. Para recuperé-la,
Teofilo encontra 0 Diabo gragas ajuda de um magico judeu; ele Ihe
pede que venda sua alma e renegue Cristo e a Virgem. Firmado 0 pacto,
Teéfilo recupera 0 posto, mas depois de sete anos vivides como
pecador se arrepende, implora durante quarenta dias 4 Virgem, que
intercede junto a seu filho e consegue reaver 0 pergaminho fatal,
festituindo-o a Teofilo, que o queima e da testemunho. Ppuiblico de seu
erro e do milagre.
Alenda de Teofilo pode ser encontrada em Paolo Diacono, no Speculum
Historiale de Vincent de Beauvais, na Lenda durea de Jacques de
Voragine, em um poema de Roswita, em Rutebeuf e na literatura inglesa
© espanhola ~ pata nao falar de seu retorno no Fausto goethiano.
Uma das mais eficazes representagdes do milagre de Te6filo pode ser
vista no timpano da igreja romanica de Souillac, com uma sequiéncia
de imagens (definida como antecipadora dos quadrinhos) que
acompanha o desenvolvimento da histéria: embaixo, a esquerda,
© diabo estende 0 pergaminho a Teofilo, direita, o didcono assina
© no alto aparece a Virgem que desce do céu para retomar o documento
do diabo,
Nesta escultura, 0 diabo ja aparece feio,
periodo, ainda nao é representado em t
mas, segundo as imagens desse
toda a sua feilira,e num mosaico
de S. Apollinate Nuovo, em Ravena, datado de cerca de 520, ele é
fepresentado como um anjo vermetho,€ somente a partir do século XI
ue ele comeca a aparecer como um monstro dotado de cauda, orelhas
animalescas, barbicha caprina, artelh
também asas de morcego.
105, patas e chifres, adquirindo
padre Teil faz
lumpactocomo diabo,
sex,
Timpano de Soullac
Acta sanctorium
Truculento ertivel de Forma,
grande de cabs de prescogc
macilento de squilido de bacha,
peludo nas orelha ke fronte
sinistro de olhos, fetido de boca, eqtino
de dentes, lancando chamas da boca, turvo
nas goelas, amplo de libio, espaventas
de boca, saliente de peito, eseabroso de
cealeanhar.
Rodolfo, © Glabro € 0 diabo
Rodolfo, o Glabro (sée, XXD
Gronicas, V
Fatos do
por vontade de Deus,
ustamente comigo,
tempos até hem recentes. Quando
residia no monasterio do, Beate
Leodegitio, em Champeaux, uma noite
antes da hora das matinas, apareceu-me a0
pé do leito uma figura de homtnculo de
aspecto tenebroso. No que me fot passivel
ddistinguir,tinha modesta estatura, pescogo.
fino, rosto chupado, olhos nigerrimos,
fronte encrespada de ru
boca protuberante, labios inchados, queixo
Jo, barba caprina, orelhas
estreito €
3. AS METAMORFOSES 00 DIABO
hirsuta © pontiagudas, cabelos hittos e
desgrenhiados, dentadkira canina, ern
alongado, peito saliente, dorso coreunda
nidegas que balangavam, roupas suas;
cestavi apressado e com todo © corpo em
agitagio, Agarrou uma ponta do colchio
de palha onde eu estava e sacuch a cama
com terrivel violencia; depois falou: “Ta
rio ficaris mais neste local” Ao despertar
sobressaltado, como agontece 3 Yezes por
‘causa do susto, vio ser que descrevi
Rilhando os dentes, repetiy varias vezes:
io fiearis mais aqui.” Precipitadamente
pale da cama e corn pe
de, jogandorme aos pes do aar do
sntisimo pai Benedito, fiquet por longo:
tempo aterrorizado, Tentava trazer a
meméria com a maxima atengao todos os
mal
los € as culpas graves que
voluntariamente o por descuid, tinha
comeaido desde a infincia, E como nem
1 de Deus tinhat
alguma vee me induzido a penitencia ow
1 reparagao de tudo isso, jazia dolente €
desvanecido ¢ nao me vinha nada de
melhor a dizer que estas simples palavras:
Senhor Jesus, que vieste para a sl
dos pecadores, em virude da tua imens
misericordia, tem piedade de min!As tentagdes de Santo Ant6nio
" sat > dent nt
s poderes contra
rio da duracdo Cristo" assim que AniSnio
7 Fo loca enc pO por uma chicotada
: O éxtase da tortura
‘ ’ a
: » fac No mei do pio, em pen»
: : painter con pean se © diabo em toda a sua monstruosidade nao apenas impera,aterrador
! cad chicotada tok mene em miniaturas e afrescos, mas ja tinha sido evocado vividamente nos
ta bem pod ane Ssmohmino.cveis, relatos das tentagoes sofridas pelos eremitas (ver por exemple, a Vida de
* o data, frente frente, 4 wa visa, Pracotee Santo Anténio de Atandsio de Alexandria). Nesses textos, ele assume
mend aoe tes : ore arb também o aspecto convidativo de jovenzinhos amb/guos ou prostitutas
impudentes,a tal ponto que, nos tempos modernos, entre romantismo
wiravolta quase blasfematoria do tema
feidra do diabo tentador ea
Jora do diabo e os langores
e decadentismo, tem lugar uma re\
da tentacao, destacando-se, mais do que a
oe Mates forca do eremita que resiste,a imagem ten
wwe do tentado (como em Flaubert, por exemplwa 6SSar
da esquerda para
‘Abracay, Blzebuth,
a, Deus Haborym,
de Colin de Pancy,
Dictonnare infernal
Paes lon 1863,
principe dos demenies
Silogeu fantasmagorico de todas as feidras diabdlicas, o Baldus (1517),
escrito por Te6filo Folengo sob 0 pseudénimo de Merlin Cocai, é um
Poema herdico-cémico grotesco, galhofeiro e goliardesco, a0 mesmo
tempo parddia da Comedia dantesca e antecipacao do Gargantua
‘abelaisiano, do qual infelizmente é impossivel dar um exemplo
antol6gico, pois ou é saboreado em seu latim macarrénico ou, traduzido,
Perde todo o sabor. Entre as varias e picarescas aventuras do protagonista
ge Seus amigos encontra-se, no livro 19, a batalha contra uma grande
Hi ms SRE eens Por uma colagem de formas animalescas:
Toros aan ig Us0s€ porcos com chifres, mastins de trés pernas,
pied Fbbes nae cabes#8 de Gigante com focinhos de lobo, micos,
sib oes, Pabuinos, grifos metade ledo e aguia, metade dragao,
corujées com partes de mi
; lorcego, monstros com bicos de mocho e bracos
Mas a moral dessa batalha
diabo nao € derrotado, poi
sobretudo na ambicao dos
Dimensdes do diabo
Em seus escritos, Lutero ird identificar muitas vezes 0 pontifice romano tanto
com 0 diabo quanto com o Anticristo. Lutero obcecado pelo diabo e a
lenda reza que, em uma de suas aparic6es, ele 0 expulsou jogando-lhe um
tinteiro. Mas mesmo sem a lenda, em suas Conversas mesa aparecem
invectivas deste tipo: “Muitas vezes expulso 0 diabo com um peido. Quando
me tenta com pecados tolos, digo-Ihe: Diabo, ontem mesmo eu te mandei
um peido: colocaste na conta?” (122). Ou entao: “Quando acordo, eis que
logo chega o diabo e disputa comigo até que eu Ihe diga: ora, vem lamber
meu cu... Porque ele nos atormenta antes de mais nada com a diivida. Em
compensacao, temos o tesouro da Palavra. Deus seja louvado" (141).
Contudo, jd em Lutero e em seguida na tradicao protestante ganha espaco
uma concepcao (que nao sera partilhada pelos fandticos protestantes que,
mais tarde, darao inicio a persequi¢ao de feiticeiras e feiticeiros suspeitos de
terem feito pactos com 0 deménio, como veremos no cap. Vil) segundo a
qual o diabo identifica-se com os vicios dos quais se torna simbolo. De fato, a
maior coletanea demonoldgica publicada em ambito protestante, 0
Theatrum diabolorum (1569), um grande volume de cerca de setecentas
paginas, aborda todos os aspectos da demonologia (calcula-se até mesmo
que o ntimero dos diabos ¢ 2,665.866.746.664), porém nao nomeia os diabos
tradicionais, mas os diabos da blasfémia, da danca, da luxtria, da caca, da
bebida, da tirania, da preguica, do orgulho ou dos jogos de azar.—_
Enquanto tem inicio a reforma protestante, morre Hieronymus Bosch, cujos
seres infernais sao hibridos que fazem pensar nas colagens diabdlicas do
Baldus, mas estdo muito distantes da iconografia precedente. Nao nascem
da mist acos de animais conhecidos, mas tem uma autonomia
oriunda de pesadelos e nao se sabe se vém do abismo ou vagam,
observados, em nosso mundo. As criaturas que assediam o eremita no
fentacoes de Santo Anténio nao sa0 os deménios da tradicao,
maus demais para serem levados a sério. Quase divertidos, como
ersonagens carnavalescos, eles sao bem mais insinuantes. A respeito de
Bosch, falou-se, ndo por acaso, de “demoniaco na arte’ de fermentos
heréticos, de apelos ao mundo do inconsciente, alusdes alquimicas e
antecipacoes do surrealismo, Antoni
de se
ad
Artaud refere-se a ele no contexto
teatro da crueldade” como um dos artistas que souberam reve
ado obscuro de nossa psique. Bosch era membro de uma Confraternidad
de Nossa Senhora, de espitito conservad
0
lor, mas voltada para uma reforma
mes, de modo que suas representagoes fazem pensar antes em
{ime série de alegorias moralizantes sobre a decadéncia daquela época
licias ou em O carro de feno, nao temos apenas visoes
ulftireas do além, mas também
enas aparentemente delicadas, sensuais
rivelmente inquietantes, do mundo dos prazeres
tetrenos que ha de nos levar ao
que ha de nos levar ao inferno. Bosch parece quase antecipar 0
rum diab
espirito do The
diabos
lorum:o que oferece nao sao visoes do:
existentes, mas antes imagens
dos vicios da sociedade em que viviaCy
on
con
PP Cod
© mundo cléssico era muito sensivel aos portentos ou prodigios, que
CEU eae ee ee recur
Cee Uta ec a nC UCR
Ree ee ene RC
no Livro dos prodigios de Giulio Ossequente (que, no século IV d.C,,anota
Ree ee ees Seu ae ees
et eo nu ee kee kau UC
Pees Meet hae ur ae een aula
que sobre as mesmas bases tenham sido concebidos, pelo menos em
Pe une tr ace Pen card
Ceo ues ec Merc RUE Cit)
Re ete eee eau cute
eC eS ee ae)
crocodilo, mas que passou para a tradicéo como 0 Leviat. Ctésias de Cnido
CO Cra CUO UC eC Murer coe Ree)
Bo ee a aR a
Cen ee Me he ee Rear
Pree et Ske ee ee Re ned
Doe OCT er eRe Oe nee ear ry
COUN eae ee Cn eee mete
Oe eerie ce ued cs
Dt eer CME ee eed
Do ance cue tt ee cue eet han
UT Neen Me au MRM
CeesPaes furor das tempestades.
: iy 0 androgino
pelo, F de cada um que fendi,
mandlava Apol
na peda
0s portentos
a mem Giulio: Ossequente (sée. 1V)
a renllda an
f 2 ele i
+ funda sto felpas para ck ,
He Se artasta sob
' z mo uma cal
pty a teimador dIv, MONSTROS EPORTENTOS
‘Aeconcre eg
‘ontraes homens
deletireetlavraye
histoire du bono
Alexandre,
Royal ms, 20,8 XX
51 seenv,
Londres,
Brits Library
As aventuras de Alexandre
© romance de Alexandre, I 33 ee. XW)
habitada por selvagens semelhantes a
olhos de foge ee
€ parecem ledes. Com eles
havia também outros seres que se
chamam Otis: ni ti r
om Ot fem um 6 pelo
1 corpo, s40 altos quatro cabitos ¢
‘omprides como tuma langa, Assim que
directo,
Cobriam-se
m pels defo, ern
fortissimas ¢ trein: i
foramen ewes paso Combate
® atingiamos, mas eles
pém nos atacavam com hastoes e
Soldados. No dia sey i
crn is, No da segue, resol
encontramos,
as, feras
com leds,
mas que tin
Partimos em
seeuid echegamos
mel: havia um @
de pélos om
> pas
rdenet
au 0
ie
* encarurnos com seu olhar seh
‘Ordenei entio
‘Que apresentasse dian
TT
lang: :
aM|-Se CONF NOS OULFOS se
especie, 405 milhares, © nosso exército
tinha quarenta mil homens: ordenei entio
{que pusessem fogo aos
visto do f¢
ados ¢ eles, 3
escaparam, Capturamos
que niio aceitaram comida por oito dias e
Morreram. Tais seres nao falam. como os
humanos, mas latem como os cies,
Uma estética do desmesurado
Estas e outras noticias acabaram alimentando o surgimento daquela que
foi definida como estética hispérica
A latinidade classica ja havia condenado o estilo dito ‘asiatico” (e depois
“africano’), em oposicao ao equilibrio do estilo “atico’ Este estilo era
considerado feio também pelos padres da Igreja, conforme testemunha
a seguinte invectiva de Sao Jeronimo (Adversus Jovinianum |):"Existem
atualmente tantos escritores barbaros e tantos discursos que os vicios de
estilo tornam confusos, que nao se compreende mais nem quem fala, nem
do que fala, Tudo se incha e se relaxa como uma serpente doente que vai
se despedacando enquanto ensaia suas volutas (..) Mas de que servem
tais bruxarias de palavras?”
Entre 0s séculos Vile X assiste-se, porém, a uma reviravolta do gosto, pelo
menos em uma area que vai da Espanha as ilhas Britanicas, tocando a
Galia. A estética hispérica € 0 estilo de uma Europa que esta vivendo seus
*séculos obscuros’ uma Europa na qual, com a decadéncia da agricultura,
© abandono das cidades, o desmoronamento dos grandes aquedutos e
das estradas romanas, em um clima geral de barbarizacao, em um
territorio coberto de florestas, os monges, os poetas, 0s iluminadores
também véem o mundo como uma selva obscura, habitada por monstros,
atravessada por caminhos labirinticos
A pagina hispérica nao obedece mais as leis tradicionais da proporcao:
aprecia-se a nova musica dos incompreensiveis neologismos barbaricos,
privilegiam-se as longas cadeias de aliterages que o mundo classico
consideraria pura cacofonia, preza-se ndo a medida, mas antes 0
gigantesco e o desmesurado. Sobretudo os monges irlandeses que,
naqueles séculos dificeis e desordenados, haviam conservado e
reconduzido a Europa continental uma certa tradi¢ao literaria, movem-se
no mundo da lingua e da imagina¢ao visual como, justamente, em
uma floresta ou como 0 irlandés sao Brandao vagava pelos mares ~
ancorando-se em uma horrivel baleia confundida com uma ilha e
encontrando Judas prisioneiro em um rochedo, batido e atormentado
pelas ondas marinhas.
Entre os séculos VII e IX, talvez em terras irlandesas (mas certamente nas
ilhas Britanicas), surge o Liber monstrorum de diversis generibus, que além
de descrever monstros de todo tipo, comenta sua variedade.Ele nos diz (livo Il): "S2o sem duivida infinitas as raas de feras marinhas que
om corpos desmesurados como altas montanhas, sacodem com seus peits
as ondas mais gigantescas e as extens6es de agua quase erradicadas das
profundezas (..) Sugando com horriveis redemoinhos as Aguas ja agitadas
pela grande massa de seus corpos, dirigem-se para a praia een a
calor tum espetaculo aterrorizante’ Neste clima, surge na Irlanda
is ornado de espléndidas letras capitulares nas quais triunfam
os entrelacs, rendas labirinti
inticas em que aparé jun
sep ee parece, junto com figuras divinas, pennee
crate: monsrusas de odo tipo Sao formas de anime estilados,
Pe imiescas entre folhagens impossiveis que cobrem paginas sige
crrarneesore os matvos sempre gua de um tape, embora cada nha wn
de voraroes ep tesente de fat uma invengio diverse.£ uma complica :
mes, ignorantes de qualquer re
simetiajem uma sinfona de cores dlcades de ova os arcs ae
do limao a0 malva. Quadrupede
impensaveis fi
introduzisse
lelicadas, do rosa ao amarelo-laranja,
saa nadtupedes stars ibréus com bcos de cine
oe 's contorcidas como um atleta de circo que
"ga entre os joelhos, revirando a cabeca e
inicial de uma letra,
compondo a
icos coloridos
eA oe
ras iniciais,insinuam-se linha apés linha
3. Amoralizacao dos monstros
Como estes “felissimos” monstrinhos eram compreendidos pelos monges
devotos? Certamente da mesma maneira como serdo apreciados outros
seres disformes colocados nas margens das paginas iluminadas (os
chamados marginalia) e nos capitéis das igrejas romanicas nos séculos
sucessivos. Os medievais consideravam 0s monstros atraentes, assim como
nos fazemos com os animais exdticos do jardim zoolégico: prova disso € a
€nfase com que um rigorista como sao Bernardo (na Apologia a Guilherme)
condena as esculturas dos capitéis, sob as quais é evidente que os fiéis se
detinham com gosto excessivo (embora a eficacia com que as descreve
leve a crer que ele também as observava mais do que o devido):"O que faz
nos claustros (..) aquela ridicula monstruosidade, aquela espécie de
estranha formosura disforme e deformidade formosa? O que estao a fazer
ali os imundos simios? Ou os ferozes ledes? (..) Podem ser vistos muitos
corpos sob uma tinica cabeca e, vice-versa, muitas cabecas sobre um unico
corpo. De um lado, emerge um quadrupede com cauda de serpente, de
outro, um peixe com cabeca de quadripede. La um animal tem aspecto de
cavalo e arrasta posteriormente uma meia cabra, aqui um animal cornudo
tem traseiro de cavalo. Em suma, mostra-se por toda parte uma tao
grande e tao estranha variedade de formas heterogéneas que se tem mais
gosto em ler tais marmores que os cOdices, em ocupar a inteira jornada
‘admirando tais imagens uma a uma que meditando nas leis de Deus.”SSeS
Também os monstros $80
fithos de Deus
Agostino (se. VV)
4 cidade de Deus, X18
Pergunts-se, além diss
dos filhos de Noe ou, melhor
mr exces também procedem, se hai
squem esses tambem P
‘cents rics de homens
intra dos
eto, que alguns
se € crivel que
de Adio, de
propa
Ironsirvosos de que ahi
Life, Ase
im of
Jos para ts, que Outros
nsuem ambos 08
d Ja de mulher, © que
de homer a esqverd de
servindose camalmente deles
im e dio 3 hz
alernativamente, geram ¢ d
jo tém boct
Também contam que alguns
ce vivem exclusivamente do af, respirado
pelo nariz. Mirmam que outros tem um
Civado de altura por isso 08 Breges Os
‘chamam de pigmeus € que em algumas
tenides as mulheres concebem aos cinco
de igual mado, exisiem homens de
velocidade expantosa e que, no verio,
Ueitados de costa, se defendem do sol
com a sombra dos proprios pés. (.) Deus,
ador de todkis as coisas, conbece onde
uando € 0 que € ou foi oportuno crar €
ixtemas, conhece a beleza do universo e a
semelhanga ou diversidade das partes que
Mas, de fato,o mundo cristo jé havia realizado uma verdadeira “redenc3o"
Griador equivocido no niimero de dedos
do homem. (..) Em Hipona-Diarrito ha un
hhomem que tem a planta dos pes em,
ras extremidades, e assim também as
mos. Se houvesse alguma nagio com
igual tara, acrescentar-se-ia Aquela curioss
e surpreendente historia. Negaremos, por
fss0, que tal homem se origina do pret
ioradores poderiam, glorando-se da
Fmpune vaidide tnlarse de nagbes de
eee tn de pinion
fou que, se homens, descendem de Ada
do monstro. Como ja vimos (no capitulo 2.1) a propdsito da visdo
pancalistica, Agostinho dizia que os monstros eram belos enquanto
criaturas de Deus.O proprio Agostinho (na Doutrina crista) tentou
regulamentar a interpretacao alegérica das Escrituras Sagradas, advertindo
que é preciso descobrir um sentido espiritual, além do literal, quando 0
livro sagrado parece se perder em descricoes aparentemente supérfiuas de
edras, plantas ou animais. Mas para entender qual € o sentido espiritual
de uma pedra preciosa ou de um animal, era preciso ter a mao uma
“enciclopédia® que dissesse qual o significado alegérico daquelas coisas.
Nasceram assim os bestiérios moralizados, nos quais cada criatura
mencionada (nao importa se real ou legendaria) era associada a um
ensinamento moral.
O primeiro texto a entrar no mundo cristéo com esse cardter foi 0
Fisiélogo, escrito em grego entre os séculos Ile Ill de nossa era e traduzido
€m seguida para o latim, além de varias linquas orientais, istando cerca dé
uarenta animais, pedras e arvores. Depois da descricdo de cada ser, 0
Fisiologo mostra como e por que cada um deles é 0 veiculo de um
Ensinamento ético e teol6gico, 0 ledo, por exemplo, que segundo a lenda
aPaga as proprias pegadas com o rabo para escapar dos cacadores,
\ansforma-se em simbolo de Cristo, que apaga os pecados dos homens
a
Licome,
tem vtes des proprétés
ddesonimau,
ts 3401, 1566, Pars,
Bibiotneque
Sainte-Genevieve
Do Fisislogo
Gee. 1D
(© unicémio € um pequeno anima
semelhante a0 cabrito, mas ferocissiny
cacador nao consegue se aproximar
dele por causa de sua extraordinaria forga
Tem um so ch meio da eabeca
Como fxzem para caciclo? Expoem uma
virgem imaculada, © animal pula em seu
regago € ela o amamenta € 0 condu? 20
palicio do rei, O unicOrio € uma imagem
fo Salvador: de fato (.) ele fez morada
no venire da verdadeira ¢ imaculada
Vingem Maria
clefante. Nele nao existe desejo de
ceonjungio eamal: quando quer ge
filhos, dirige-se para o Oriente, perto do
paraiso, onde se encontra. uma arvore
chamada mandrigora. A femea colhe
nrimeiro o fruto da drvore, oferece a0
nae fncita, para que ele também
prove. Depois de comer, 0 macho
nproximacse dla femea € unese a ela (.)
‘Quando chega a hora do parto, entra em
tum lago até que a agua chegue 2 alura
de suas mamas e depois dé A luz 0 seu
filho na Agua € este timo fica de joethos
€ suga seu seio (.,) A natureza de
tdlefante & assim: se cai, nao € capaz de
relhios. De que modo cai? Quando quer
dormir, apGia-se em uma dirvore € os
igadores, que conhecem a natureza do
ono da
clefante, serram parcialmente 0 {100%
irvore. © animal chega para se encosta,
‘ai junto com a drvore € comeca a langar
altos bramidos, Outro elefante 0 ouve €
2AGKO.00S MONSTROS
5, AMORALIZAGAO OC
nos a bramir«
ré-lo; poemse
re elefantes, mas nem assim
‘onseguem erguer 0 que esti cai;
eniao, pac xis rami e ches
tenfim, um pequeno elefante, poe sua
{romba embaixo daquele e 0 ergue ¢
O elefante ¢ sua feémea sto, portanto,
imagens de Adao ¢ Eva: quando estavam
nas delicias do paraiso antes da
transgressio, nao conheciam a uni
‘armal ¢ 0 acasalamento. Mas quando a
mulher comeu o fruto da arvore, isto €
‘da espiritual mandrigora, ¢ oferecet-o a0
hhomem também, entao Adio conheceu
1 mulher € gerou Caim sobre as aguas
maléficas (..) Veio entio o grande
elefante, isto & a Lei, € nao foi capa,
Ue ergué-lo; depois vieram doze elefante
{sto &, profetas, mas cles também nao
cconseguiram reerguer 0 homem caido:
depois de todos estes, veio o sunt
lcfante espiritual e, enfim, reergueu 0
omem. O Fisi6logo disse da vibora que
rosto de homem ¢ a femea,
‘macho ten
rosto de mulher: até o umbigo tem forma
jumana, enquante a cau € de crocodilc
A femea nio tem vagina, mas apenas uma
especie de buraco de agulha. Quando 0
‘em sua boca e ela, depois de engolir 0
Sémen, decepa os genitais do macho, que
norte instantaneamente, Quando os filhos
erescem, devoram ventre da mie (..)
As viboras Xio, portanto, parricidas
rmatricidas. Bem comparou Joo as viboras
nos fariseus: da mesma forma como a4. As mirabilia
Sequindo o modelo do Fisiélogo (devidamente ampliado e
reorganizado), nasceram desde a maior parte dos bestisrios, lapidérios,
herbarios e, de uma maneira geral, as varias “enciclopédias” concebidas
nos moldes da Histéria natural de Plinio, da Natureza das coisas de
Rabano Mauro (séc.Vil-1X), até as grandes compilagoes dos séculos Xil
€ Xill como, por exemplo,A imagem do mundo de Honorio de Autun,
Annatureza das coisas de Alexandre Neckham, As propriedades das coisas
de Bartolomeu Angélico,o Espelho natural de Vincent de Beauvais, até o
Trésor € 0 Tesoretto de Brunetto Latini. Assim também os animais do
fisiologo sdo procurados e as vezes descritos em relatos de viagens
imaginarias como As viagens de Mandeville ou A composicdo do mundo
de Ristoro d'Arezzo,
A lista é incompleta, mas testemunha a atracao do mundo antigo e
medieval pelas terras ainda inexploradas e a tensao atonita com que os
leitores daqueles livros fantasiavam todas aquelas maravilhas. Prova
disso € oimenso éxito de um embuste produzido no século XIl,a Carta
do Preste Jodo, que falava de um fabuloso reino cristao na Asia, além das
‘erras dos infigis, habitado por uma gente virtuosa e rica de ouro e
edras preciosas. 0 mito do Preste Joo conquistou muitos viajantes
{como Marco Folo, por exemplo), que tentavam identificé-Io e, no campo
a Politica, encorajou a expansao cristé para o Oriente (embora tenha se
Geslocado da Asia para a Africa no comeco da Idade Moderna, quando
tv feino fol identificado com a Etiépia crista). Mas um dos motivos da
atracdo gerada por este reino imagindrio, quase um inventario das
Monstrous aces
oftthopa,
ms 4611260,
C1860, Nova York
Prerpont Morgan Library
© reino do Preste Joao
Carta do Preste Jodo (se: XI
Jos senhores
Bu, Preste Joao, sou senhor d
¢, em cada riqueza que hi sob 0 céu, em
c todos 05 reis
Virude € em poxer, superc
Fm nossos dominios nascem e vivem
clefantes, dromedtisios, cameos,
ios, metagalinaceos,
hipopotamos, crocod
eves brancos ¢ mvos, Ursos &
brancos, eigarras muds, grifos, tigres,
chtacais, hienas (..) bois selvagens
nM! wheres da
chiffuds, faunos, satitos eu
cus, cinocétalos,
cules,
‘de quarenta cubitos, mon
quase que todo tip
sob a absbada celeste (.)
Em uma de nossas provincias corre um fio
aque se chara Indo, Ete i, gue bree
araiso, estencle seu curso por toda a
es yntram pedras naturais, esmeraldas,
if 0s, crisdlitas,
Sifts, earbinculos, topazi0s,
nis, t
muitas outras pedras precios
Nas re
Ses extremas da tears, (
al Deus
manda duas vezes por semana, durante
> ano inteiro, copiosas chuvas de mand
jue as populagdes recolhem e comem
imio se alimentando sendo disso, De fato,
fio lavram, nao semetam, nao colhem,
nem trabalham a terra de forma alguma
cextrair sett mais rico fo, C.)
jens, quue comem apenas
Pp
Toxlos estes li
> alimento celeste, viver quinhentes an
trv naquuela ila (..) Entre
> ninguxém mente (..) Nenhum vickeo I
Malignas eram as Serpentes de crista na cabeca, caminhando sobre pernas
‘empre com a goela aberta gotejando veneno, ¢ temibilissimo 0 Draggo,
tava no momento em que é derrotado por sao
que a pintura represen
Jorge, enquanto boa parte da literatura cavaleiresca 0 via em luta contra os
‘cavaleiros ~ que nos bosques podiam encontrar também o hirsuto Homem
Silvestre, como se vé no Morgante de Pulci, Mas nao se pode diz
mesmo de outras déceis criaturas, certamente extraordinarias por sua
forma e costumes e decerto distantes de qualquer ideal humano de graca
ou prestancia, mas inécuas, como os Acéfalos, com os olhos nas costas e
i dois buracos no peito & guisa de boca e nariz; os Andréginos, os Astomoros,
desprovides de boca e alimentando-se unicamente de cheiros; 0s Bicéfalos;
5 Péncios com as pernas retas sem joelhos, cascos de cavalo e 0 falo no
peito; 0s Fitos, com pescocos longuissimos e bracos semelhantes a serras; 8 A
0 Pigmeus, sempre em luta com os grous; os amaveis Cidpodes (providos f ara ee ree
de uma nica pera com a qual corriam e que esticavam para repousar " " "
a sombra de seu enorme e Unico pé);e, por fim, 0 Unicérnio, belissimo
garanhao branco com um unico chifre sobre a fronte, que sé poderia ser Sores 3 ie
capturado colocando-se uma virgem ao pé de uma arvore para que o y : icatrizada
animal, sensivel ao perfume da virgindade, pousasse a cabeca em seu colo,
océfalos, blémios, no que ten do gra <
a some . fl antas vive na Bhopia €
ee s ads. E pai mo ewelhas: dizem
eee wan 0 " nenhum, pera os quarenta
Hi n hs a sa
i Jeserto, Interrogado pe le De
acikmen pondido: "Sou um,
in q juc habitam as vizinhangas ¢
i tos, enganados por
Alguns monstros um conv
Isidoro de Sevitha (570-63 Sétiros” (. Dizem queina Ei
molegias, XI 1 Gidpodes, dotadtos de
ascidos da 1 am no chao de costas
pia © imensa massa (.) O proprios e enormes pés. Os Antipode
tal nom habitantes da Libia, ti ant dos pes
h i avalo. Dizem que, na India, vive um
A. mesma ind Ciclopes,assi povo chamado Makrobios, cuja estatura
: ita que tem um Joze pés. Vive na India também un
: sta (..) Agu rf 2 estatura € igual a um ctbitIN ONSTAOS EFORTENTOS
fs
Greditnesn
em face
de Buch derheligen
Drealtighet
5. 428, 148,
Vad StGallen
5. DESTINO 005 MONSTROS
5. Odestino dos monstros
A convivéncia com os monstros ~ e desde os primérdios — levou o mundo
cristo a usé-los também para definir a Divindade. Como explicava 0
pseudo-Dionisio Areopagita na Hierarquia celeste, visto que a natureza
de Deus ¢ inefavel e nenhuma metafora, por mais fulgurantemente poética
que seja, poderia descrevé-lo e qualquer discurso se mostraria impotente
capaz apenas de falar de Deus por negacao, nao dizendo o que é, mas
0 que ndo é, tanto vale nomeé-lo através de imagens altamente
dessemelhantes, como aquelas dos animais e dos seres monstruosos. Por
outro lado, era possivel encontrar um precedente na visao de Ezequiel,
nna qual criaturas celestes sao descritas sob forma animal, inspirando
© apéstolo Joao em sua visdo do trono divino (e isso explica também por
que, em seguida, a tradicao associaria trés dos evangelistas as figuras do
boi, do leao e da aguia)
Mesmo no periodo renascentista, os monstros assumem func6es
amigaveis e em virtude justamente de sua impressionante feiura. Desde
a Antiguidade, nas artes da meméria, por exemplo, aconselhava-se, para
conseguir lembrar de palavras e conceitos, a associé-los aos diversos
aposentos de um palacio ou aos diversos locais de uma cidade onde
apareciam estatuas horripilantes, dificeis de esquecer. E els que na Ars
‘memorandi de Petrus von Rosenheim (1502) aparecem figuras
mneménicas que certamente tém um parentesco com os monstros
apocalipticos e com as criaturas dos bestiarios.
Os monstros terdo, por fim, um enorme sucesso no universo heterodoxo
dos alquimistas, onde simbolizarao os varios processos para se obter a
Pedra Filosofal ou o Elixir de Longa Vida - é podemos supor que para os
adeptos das artes ocultas eles nao pareciam assustadores, mas
maravilhosamente sedutores
No entanto, como veremos no capitulo IX, num dado momento 0 gosto
pelo maravilhoso legendario dard lugar a curiosidade pelo interessante
ientifico e outros tipos de monstros encherao as Camaras das Maravilhas
e outras colegdes modernas. A partir dai, exploram-se lugares que para os
medievais ainda eram um territério de lendas e tais empreitadas nao
deixam mais qualquer espaco para monstros de bestiario.
© monstro continuard a habitar o imaginario moderno e contemporaneo,
mas sob outras formas.IN MONSTROS EPORTENTOS
Petrus von Rosenheim,
Ars memorand
1502 Pforzheim
Pseudo-Dionisio Areopagita (séc. V)
Hierarquia celeste, I, 5
Veremos que os intéxpretes da teologia
misteriost adaptam tais simbolo
santamente mio apenas as manifestagdes
dhs dispasigbes celestes, mas tambén, por
vez proprin manfesages da
Fearquia. Fs vezes celebram a Divindade
consideramos :
) Outras vezes, a0 coninisio, celebram
1a com os apelativos dos elemen
im 10 que ilumina sem danos,
‘gua dlstnbuidora de plenitude vital e
ara falar simbolicamente, com
entra no ventre ¢ faz bre
do
gua que
oar Fias que
ah irefreavelmente, Por fim, chamam.
na também com o nome das coisas mat
batras,(..)e ate the atrbuem ums
ferina adaptando-the as caracterist
leao € da pantera ¢ dizendo que
cas do
‘como um Jeopardo ou como um urso
cenfurecido,
Acrescent
wei também a mais vil de todas
as Comparacoes, que parece ser a mais
inconveniente: de fato, todos os doutos
fem coisas divinas nos transmitiram que
Deus atribuiu a si mesmo a forma de um
verme. Assim os tedsofos © os intéxpretes
da inspiragio oculta separam de maneira
nada © “Santo dos santos” das
‘coisis impetfeitas e profanas ¢ velam pelas
Santas figuragdes dessemelhantes para que
88 coisas divinas no se
05 profanos e para que os que
contemplam os santos simulacros nao se
Prendam as figuras como se fossem reais,
m negagdes verdadeiras €
‘com semelhangas dessemelhantes que
rovém de coisas que tem tracos divinos
€xtremamente diversos em suas
Propriedades
5. OESTINO 005 MONSTAOS
Caliban Monstruosas tetas
William Shakespeare Jonathan Swift
A rempestade, 1, 2 061) Viauens de Gulliver (1726)
(O que é isso? £ homem ou peixe? Esti Nada me repugnot tanto quanto a vista
vivo ou morto? E peixe! O cheiro € de Jo seu monstnioso seio, € nao sei a que
Bieter eu ciatee eee compari-lo a fim de dar ao leitor uma
de badejo nada novo, Que peixe esquisito! _idéit do seu tamanho, da sua forma ¢ da
Se eu estivesse na Ingliterr, agont, como sua cor. Mediria uns seis pés de altura e
tive, ¢ mandasse pintar esse peixe nao menos de dezesseis «le circunferencia,
Be eee caida aa eee ‘Um mamilo teria, no minimo, a metade do
{que mao me desse por ele uma moeda de tamanho da minha cabega, ¢ assim como
prata; hi qualquer monstro faz um homem 0 resto do seio ostentava tho grande
de qualquer um. Nao dio um vintém para variedade de manchas, erupgdes € sardas,
aliviar um mendigo, mas desperdicam dez que eu nao poderia imaginar nada de 0
para ver um indio momo. Tem perna feito nauseabundo (..)
homer! E as nadadeiras parecem bragos! Isso me fez pensar na linda pele dle
Palavra que esti quente! Agora vou rnossas danas inglesas, que’ s6 nos
libertar minha opintio, que eu no seg parecem tio belis por terem as mesmas
mais: isto nao € um peixe, @ um Uhéu que dimensdes que nds e porque as
acaba de set atingido por um rato imperfeigoes de suas epidermes s6 podem
ser vistas com lentes de aumento, que
demonstrim efetivamente que a citis mais
lisa e alva é, na realidade, aspera,
grosseira e muito feta de cor
Por influéncia das descobertas de navegadores que encontravam (mas de
verdade) populacdes de costumes selvagens, Shakespeare vai nos falar
do horrendo (e infeliz) Caliban e Swift das criaturas encontradas ao longo
de suas viagens. Em seguida, pouco a pouco, perde-se a intimidade com 0
monstro: ele vai parecer perturbador para Poe, horripilante para Arthur
Conan Doyle (que ja sabia alguma coisa sobre os animais pré-hist6ricos),
enquanto Baudelaire sonhara um éxtase erdtico sobre o corpo de uma
mulher gigantesca. Chegando aos nossos dias, passando através do
Dracula, da criatura do dr. Frankenstein, Mr. Hyde, de King Kong e, enfim,
cercados de mortos-vivos e alienigenas vindos do espaco, temos novos
monstros a nosso redor, mas por eles so experimentamos medo, nado os
vemos mais como mensageiros de Deus, nem pensamos em doma-los
colocando uma virgem ao pé de uma drvore.E talvez o primeiro aceno ao
ceticismo em relagao aos seres muitas vezes benevolentes dos bestidrios
ja pudesse ser encontrado no Milhao de Marco Polo, quando ele, que
vViajava de verdade e nao com a fantasia, encontra certos animais que para
nds sao evidentemente rinocerontes. Tratava-se, para ele, de animais nunca
dantes vistos, e como sua cultura ja Ihe oferecia a idéia do unicdrnio como
quadriipede com um tinico chifre sobre o focinho, decide que esta vendo
um unicérnio. Porém, como € um cronista honesto e aplicado, apressa-se a
explicar que estes s0 unicérnios muito estranhos, diferentes da imagem
tradicional: ndo séo brancos e esbeltos, mas tém “pélos de bufalo e patas
como leonfantes";o chifre é preto e desgracioso, a lingua espinhosa, a
cabeca semelhante a de um javali.£ conclui que nao somente o animal em
questao “é besta muito feia de se ver mas também “nao € que, como se
diz por aqui, se deixe prender por uma donzela, muito pelo contrario”
ee1. Priapo
Deo Aur AOE to TOE kL ae Lo)
Pe EO eee ce erty
DSS Run UME cet Mele ba ord
sérios e ponderados? Dizemos c SECU HUT La el ce
's6 aquilo deveria ser pronunciado a boca pequena?” De fato, o ser humano
De Meee eeu ere
Terre ero cae ay
io tcc tn
ERT tS eC ae gd
Cee tea a ee ruc near eR Td
Co CUCU e RCL Rn Cena hur ees
expressou-se através do pudor, ou seja,o instinto ou dever de abster-se de
exibir e de fazer referéncia a certas partes do corpo ea certas atividades.
Da OR ete CUR CS ee ena eo Lory
DU ich a coe ee oe Cl ca Rete ET)
BOSSI SU CS SEE Coc le eee ule er ose ira)
TE CU RUC Wee eR eur re oa)
Peet ec eter a here
CU ee uuu aed aE eed
SO CRE Slee ood ee RT eT)
Ce Ee Meee hss ae Me Elza ue
Pode-se exibir comportamentos obscenos por raiva ou por provocacio,
RS CEM ur ee aca need
simplesmente fazem rir — basta pensar na satisfacao com que as criancas
Pert eatsV oFti0,0 comico, .08sceno
Invocacb0 a Propo,
stcldc
Pompéia
Casa dei Vert
Desde a mais remota Antiguidade, o culto do falo uniu as caracteristicas da
obscenidade, de uma certa feiura e de uma inevitavel comicidade. Tipica
disso é uma divindade menor chamada Priapo (que aparece no mundo
grego e latino na época helenistica), dotada de um 6rgao genital enorme,
Filho de Afrodite, era protetor da fertilidade e imagens suas, geralmente
em madeira de figueira, eram colocadas nos campos € nas hortas, seja para
proteger as colheitas, seja como espantalho: acreditava-se também que
tinha 0 poder de afastar os ladroes ameagando sodomiza-los.
Era certamente obsceno, era considerado ridiculo justamente em razao
daquele membro exorbitante (nao é por acaso que ainda hoje o
priapismo é uma doenca) e nao era tido como belo: era, alids, definido
‘como amorphos, aischron (feio), pois desprovido da forma justa. Em um
baixo-relevo de Aquiléia da época de Trajano (que Freud também conhecia,
referindo-se a ele em uma carta de 1898), Priapo é representado no
momento em que Afrodite, desgostosa com a aparéncia daquele filho
malformado, o rejeita. Enfim, ndo era um deus feliz: era definido também
como “monolitico; por ser talhado em um Unico bloco de madeira e
colocado nos campos, impossibilitado de se mover e sem o poder da
metamorfose proprio de muitos outros personagens mitolégicos, oprimido
or sua solidao e pela incapacidade de seduzir uma ninfa, apesar de suas
hipertroficas possibilidades. Basta pensar no tom de compaixao com que
€ descrito por Horacio nas Satiras.
No entanto, era uma divindade substancialmente divertida e simpatica,
amiga dos viajantes e como tal é representada por varios poetas, desde
Teécrito e das Priapéias (uma coletanea andnima, provavelmente do
século | d.C, de tom burlesco e impudico) até a Antologia palatina,
Priapo simboliza, portanto, o estreito parentesco que sempre se
estabeleceu, desde os primérdios, entre feitira, inconveniéncia e comicidade
(como se pode ver nos trechos de Aristéfanes e do Romance de Esopo)
Lamento de Priapo
Horicio (sé. 13.€)
Satis, 1, 8
teram colocados em caixas miseriveis €
trazidos para ci pelos companheiros: este
era 0 cemitério comum dos desvalidos (..)
Ful outrora um tronco de figueta, madeira Agora no Esqu tivel
sem serventia, quando um marceneiro
indeciso se devia fazer dele um banco ou
um Priapo decidiu-se pe
ino recuperado hal:
J Se pode passear pelos bastioes
deus: € deus
eee ore tristeza o campo desolado branquejante
tho de de oss0s; €
908; € a. mim jé no causam tantc
irolo—_transtomo os ladrdes ¢ os animais que
Pissaros e ladeBes: 0s ladroes,
com minha dirt
direita © com pau vermelho
Pousem nos hortos recém-p s :
tantados,
Outrora os cadaveres dos escravos,
Fomados fora de suas celas acanhadas,
‘eralmente infestam tais lugares, mas
antes as mulheres que, com filtros e
agias,transtornam a mente humana
bem da verdade, nao sou capaz de acabat
com elas e impedir que recolham ossos
(OU ervas venenosas assim que a ha, em
Seu Vagar, aponta o rosto radiante
PRIAPO
Priapéia, 6, 10, 24
Mesmo sendo, podes ver, um lenhoso
Priapo,
que tem foice e até earalho de puro lenho,
Vou te pegar mesmo assim e te possuir
© esse trogo, quiio longo for, sem fraude
vou te enfiar, mais duro que um cetro
até tocar a tua sétima costela
De que fis, mocinha estapida?
Prasiteles nao me esculpiu, nem Scopa
em me poliu a mio do grande Fidias;
rude madeiro, talhou-me um campOnio
¢ exclamou: “Sim, tu seris Priapo!
E entio me olhas e te poes a rit?
adavel
Com certeza pensas que € 4
A mim, guardiio de um hono fecundo,
6 feitor
fenou que cuidasse do lugar que me foi
confiado.
Sejas punido, 6 ladrio, mesmo que
indignado
digas
Devo pagar tudo isso por tdo pouca
verdur”
Priapeum
Tebcrito (see. I-IV)
Epigramas, 4
Naquela vereda dos carvalhos, 6 pastor,
fazendo a curva, encontraris uma efig
feita de figueira, apenas esbocada, com
tres pernas, coniga, sem orelhas, mas com
um membro vital capaz de cumprir as
obras de Cipride, Um sac
¢-€, das rochas, um tio F
enfeita-se por toda parte de louros e de
esp
reeinto ali se
na e de perfumados ciprestes; ld se
oferecendo seus cachos em
espirais, uma videira, © primaveris, com
elros emitem
antos varialios. E rouxindis melodiosos
respondem com trinados, langando dos
bicos a vox de mel, Pira ali e, a0 gracioso
Priapo, pede que eu perca o desejo por
Datne, ¢ logo imolaret em sua honra um.
belo cabrito, Se recusar, porém, para
convencé-lo hei de cumprir um triplice
sacrificio: darei, de fato, uma novilha, um
bode peludo € um cordeito que tenho
‘guardado, Que o deus me ouga com
benevolenciaont pint mosquitos preocupes: no podetias, de fato, cagar
re a trseiro. (.) _julzo que nao tens
do estn Contra o rise.
ar a passar com forca diretamente —Regra do So Benedito ( 1
u lepois, stindo atravé fonunciar palavras vas ou ti
tado, faz 0 anu AF por causa 0 riso excessiv lesmed
des Eni
" Sio Basilio, Pequemas regras (
defecou 1 nana (..). Contudo, como atestan
alescas
Falamos aqui
te que exprimem a harmonia perdida (como 0
sublime e ot
am ansiedade e tensao), a harmonia possuida
como o belo eo induzem a serenidade) ou ainda a harmonia
perdida e ea temos 0 comico como perda e rebaixamento ou
ainda como mecanizacdo dos comportamentos normais. Desse modo,
pode-se rir daquela pess
cascade ba
’a empertigada e presuncosa que escorrega numa
ana, dos movimentos rigidos de uma marionete, mas pode-se
rir também com as varias formas de frustragdo das expectativas, com a
animalizacao dos
com muitos jogos d
acos humanos, com a inabilidade de um trapalhao
palavra. Estas e outras formas de comicidade jogam
eformacao, mas nao necessariament
coma
e com a obscenidade.
Comicidade e obscenidade casam-se, a0 contrario, quando nos divertimos
a custa de alguém que desprezamos (basta pensar nas piadinhas licenciosas
‘ou nas pilhérias sobre os cornos) ou num ato liberador voltado contra
algo ou alguém que nos oprime. Neste ultimo caso, o comico-obsceno,
ao nos fazer ri
do opressor, representa também uma espécie de revolta
compensatéria
Estas formas de revolta (mesmo que autorizadas e entendidas, portanto,
como motor de escape de tenses que sem elas seriam incontrolaveis
podem ser encontradas nas saturnais romanas, durante as quais era
permitido aos escravos assumir 0 lugar dos patroes,e nos triunfos, onde
se peimitia que os veteranos gritassem ao condo
salgadissimas, com alusoes até bastante pesadas.
tiero homenageado piadas
Quanto ao primeiro mundo cristao, ele nao foi nada ameno em relagdo ao
riso, considerado uma licen¢a quase diabdlica. Uma tradicao derivada de um
evangelho apécrifo, a Epistola de Lentulo, ensinava que Cristo nunca tinha
sido visto rindo e a disputa sobre o riso de Jesus acabou durando séculos,
Apesar desses documentos contra 0 riso, outros pais e doutores da Igreja
defenderam 0 direito a uma santa alegria e que, desde os primeiros séculos
medievais, circulavam textos jocosos como a
fantasmagorica que
‘ena Cypriani (uma parédia
e uma trajetoria de sucesso no universo monastico,
na qual personagens biblicos eram postos em cena de forma francamente
ieverente) ou os Joca monachorum. Havia, além disso, momentos
dedicados a licenga jocosa, como o riso pascal, que permitia gracejos
durante a celebracao da Ressurreicao, na igreja e durante os sermoesarido embaragan
escroto n XILXI
© peido do aldeao € isse ficaria curadh
A Idade Média era uma época cheia de contradicées, em que as
manifestac6es publicas de piedade e rigidez se faziam acompanhar
de generosas concessdes ao pecado, conforme se vé em grande parte da
novelistica da época, ¢ existiam locais onde a prostituigéo era tolerada
(e até aldeias-gineceus, frequentadas por feudatarios e chamadas de
columbaria). Nao devemos esquecer 0 erotismo da poesia cortés ou os
cantos dos goliardos, que eram clérigos também. Além disso, o senso do
pudor era certamente bem diferente daquele moderno, sobretudo entre os
pobres, onde as familias viviam promiscuamente, dormindo todos no
mesmo aposento ou até no mesmo leito, e as necessidades corporais eram
satisfeitas nos campos, sem grandes preocupac6es de privacidade.
A obscenidade (e a magnificacao do disforme e do grotesco) aparece nas
satiras contra 0 aldeao e nas festas carnavalescas em relacao a vida dos
humildes. Trata-se de dois fendmenos bastante diversos. Existem textos,
dos fabliaux franceses 8 novelistica italiana e aos Contos de Canterbury de
Chaucer, nos quais 0 aldeao ¢ apresentado como um tolo, sempre pronto a
ludibriar seu senhor, sujo, fedorento (em um conto, um pastor de asnos
passa na frente da loja de um perfumista e fica tao tonto com aqueles
aromas que desmaia e s6 volta a si quando o fazem cheirar imundicies) e,
a5 vezes, como um Priapo, desfigurado por repulsivos atributos genitais,
Isso nao era, contudo, um exemplo da comicidade popular; era antes a
expressao do desprezo e da desconfianga do mundo feudal e do mundo
eclesidstico em relacao aos camponeses. As deformidades do aldedo eram
apreciadas com sadismo e ria-se deles e nao com eles.¥.0F810.0coMIco,0o8sceN
os chara
44 as plebes citadinas eram, a0 contrario, ee ee
grotesca nos carnavais ¢ de outras manifestacdes de tipo a
como a Festa do Asno eos charvar procissbes Por Ocasao de novas
nupcias de um viivo,caracterizadas por gritos, gestos obscenios,
travestimentos e uma grande barulheira com a percussao de caldeirées,
panelas e outros utensli de cozinha. No carnaval prevaleciam as
representacées grotescas do corpo (como as mascaras), as parddias de
coisas sacras e uma licenca plena de linguagem, inclusive blasfematoria,
Triunfo de tudo aquilo que era considerado feio ou proibido no resto do
ano, estas festas representavam apenas um paréntese concedido ou
tolerado em algumas ocasides especificas; para 0 resto do ano, havia as
festas religiosas oficias, Nas festas religiosas reconfirmavam-se a ordem
tradicional e o respeito pelas hierarquias;nos carnavais permitia-se que
‘a ordem social e as hierarquias fossem derrubadas (elegiam-se até os
teis ou 0s bispos da festa) e que os tracos bufonescos e “vergonhosos’
da vida popular viessem a tona. A populacdo vingava-se alegremente do
poder feudal e eclesidstico e tentava reagir, através de parddias dos
diabos e do mundo infernal, ao medo da morte e do além-tumulo, a0
terror das pestes e das desgragas que imperavam no decorrer do ano.
‘Assim, poderiamos dizer que, paradoxalmente, seriedade e lugubridade
eram apanagio de quem praticava um sacto otimismo (ha que sofrer,
mas depois vird a gléria eterna), enquanto o riso era 0 remédio de quem
vivia com pessimismo uma vida sofrida e dificil
Entre estas manifestacdes havia também a Festa dos Loucos, e é dbvio
que a figura do doido (que pode ser portador de inesperada sabedoria)
fosse caracterizada por uma careta de loucura que logo se transformou
em mascara burlesca,
Nestas ocasides, até os excrementos assumiam funcao farsesca e eram
utilizados no lugar do incenso, nas igrejas, durante as eleicoes dos
falsos bispos, enquanto nos charivari eram lancados diretamente sobre
a multidao. E assim, o feio era, de alguma maneira, resgatado, talvez
também porque o protagonista do camaval, esfomeado e alquebrado
pelas doencas, nao fosse muito mais bonito do que a mascara que
rath um ato de desafio, o desgracioso era aceito e imposto como
modelo.
© Principe dos Tolos los determinados (.) tolas senhoras
Gingore ge SVAN fon wey ES Sethorinhas; ols vetha ¢ tos
os lunaticas,tolos aparvalhados, tolos joven, donzelis, todas as tolas amam ©
sbi lon cles ds ea, haces leone wei
do alc stash, os lindas; tlay gabolas, tolas meigas,
ta ca aa es amortos, eed: tols que queren ter
‘ is, ols sages; tolos Prehenda; tolas trotando nas trillas; tolas
Hottos moves ¢ tolos de todas asides; coradas, mags, paltdas © gordas: na
tls bir tos fortis, tls Tereacfeita Gorda, 0 Principe irk recedes
iveis,tolos perversos, nos tllles¥. OFEI0, 0. COMICO, 0. 085CENO
3. Aliberacao renascentista
Todos estes fendmenos sofrem uma espécie de reviravolta no ambiente
renascentista.A virada mais evidente acontece com Gargantua e
Pantagruel de Rabelais, que comeca a ser publicado em 1532. Aqui a
culture popular, em suas formas mais rudes, nao é somente revisitada e
saqueada com extraordinaria originalidade, mas o obsceno rabelaisiano
jé nao aparece (ou nao apenas) como caracteristica plebéia,
transformando-se antes em linguagem e comportamento de uma corte emenen
real, E nao para por ai. A ostentagao da impudéncia (com resultados see
ccémicos insuperados) nao ¢ mais praticada no gueto da festa
carnavalesca apenas tolerada: transfere-se para literatura culta, exibe-se
oficialmente, transforma-se em satira do mundo dos doutos e dos
costumes eclesidsticos, assume funcao filoséfica. Deixa de dizer respeito
apenas a uma parentética revolta anarquica popular, para tornar-se uma
verdadeira revolucao cultural
Em uma sociedade que vai sustentar doravante a prevaléncia do humano
e do terrestre sobre o divino, o obsceno transforma-se em orgulhosa
afirma¢ao dos direitos do Corpo - e como tal, Rabelais foi esplendidamente
analisado por Bakhtin. Os gigantes Gargantua e seu filho Pantagruel io,
segundo 0 critérios classics medievais, disformes, porque
desproporcionais, mas sua deformidade torna-se gloriosa.
peginassequintes
Como Paniirgio se €
Alguns bons habitos de Ps
Frangois Rabelais
Gustave Dore Francois Rabelais
Eles nao sao mais 0s apavorantes gigantes que se rebelam contra Jupiter, Pere Gargantua e Pantagruel, W, 67 (1532) Gargantua ¢ Pantagruel, Mt, 16 0532)
rangois Rabelais, os pobres mestres-cle-ceriménia
Frei Jean, ao aproximar-se, sentiv na 1os pobres mestres-de-ce
Inexoravelmente condenados pela mitologia classica, nem os monstruosos
habitantes da India das lendas medievais: em sua incontinente e ‘enorme’
Les Songes drolatiques
de Pantagrue
Pans Richard Breton,
ual odor diferente da polvora
i qual odor dife P
grandeza,transformam-se em herbis dos novos tempos, ie ren cau von Mteemanene aati eee
Dee ate beavis ihes pregaralguma pega, atirando uma
oa tuulherezinhias agachadas, como se vée tiseulb ehanado esfincer ( Sree ee eee ett
Gargdntua ¢ Pantagruel, NM, 27 5% em varios lugares, que ndo erescem send0 Jo cu) se dissolve ela veeméncia uma oretha de lebre, ou alguma coisa
Mas com c Sade Como 0 abo das vacas, para baixo, ou medo que ele tivera em suas semelhante, Certo dia, quando todos os
disformes; ¢ de uma ventosic _ Deus, eis uma bela penea de homens € sintomas ¢ acidentes do medo € galbano, assa-fétida, eas 0, bem
Sorbonne, de modo que nem o dial
guientaria fear akNo inicio do século XV
toldo de Giulio Cesare Croce (16
eiissimo € rude, o aldeao, que era parv
ersonagem, ainda
lenda de Esopo, que num corpo desgracioso n
essatio esperar pelo Be
de ‘ampé
nula, engana alguns estuipidos mercadores
mostrando que o anim
defecar dinheiro e consegue vende
um alto preco.Também 0 louco, de seem
imbolo filosofico:
Flogio que Ihe faz Erasmo de Rotterdam (1509)
EE
rvém para fustigar os costumes
A boca eo
BertoldoConte
poraneo de Rabelais era Pieter
mundo dos campone:
entra na grande
Bruegel repre
Bruegel, o Velho, gracas ao qual 0
Ses, com suas festas, sua rudeza e suas deformidades
Pintura. Como nas satiras dos aldedes, a pintura de
Ma 0 Povo, mas nao € destinada ao povo. Como bem
observou Amold Hause em sua Histéria social da arte, quem quer retratar@
Propria vida sao os grupos soci
aTUpos ainda opinions sea Satisfeitos com sua situagao e nao os
Bruegel era destinada a pe " Sejariam uma vida diversa. A arte de
deve se ners Beans cate © 840.20 campo. Nem por isso, porém
2 Bruegel uma atencao fiel aos costumes camponeses e Sua
Fepresentacao do aldes
#0 do aldedo nao é, certamente, feroz e escarnecedora como
acontecia nas satiras medievais
com pi a ios F Hone animalium, cle
essai h , afirma também que nada & mais feio «
i le fe a geragio dos animais e
kh nic : 10? E yem. Quem pudesse
te correto € li 1 Jet aquelas infectas misturas de sangues
vilania n todas a ” auseadh nior p
Nessa altura, a atencao ao feio esta para assumir contoros realistas, como
acontecerd na pintura do século XVIl:é de 1635 0 tratado Sobre a feitira, de
Antonio Rocco, que afirma polemicamente que vai falar de coisas feias, ja
que as coisas suaves e graciosas acabam por provocar nauseas. Logo de
inicio, Rocco diverte-se enunciando paradoxos moralistas e antifeministas,
demonstrando que nas mulheres a feidra é "garantia de honestidade,
remédio de luxiiria, ocasiao de equidade e de justica” e que, portanto,
somente as mulheres feias nao provocam desejo e anguistias nos amantes
€ nao sao lascivas, como as belas. Rocco faz também o elogio dos desastres
naturais, ocasido de nova geracao, e define como principio de todo bem as
coisas repulsivas, como os partos, as menstruagoes, o esperma, as purgas
Isso acontece porque, com o Renascimento, o obsceno entrou em uma
nova fase. Os atributos sexuais na representagao de corpos humanos
deixam nao somente de ser vistos como motivo de escandalo,
transformando-se em elemento de sua beleza, mas com autores como
Aretino a exaltacao de atos antes inominaveis (cuja insercao em uma
antologia a decéncia veta até hoje) penetra nas cortes, inclusive a
Pontificia, e nao se expde mais sob o signo do repulsivo, mas de um altivo
e despudorado convite ao gozo. A arte das classes cultas arroga-se
publicamente o mesmo direito que antes era concedido quase de ma
vontade a canalha plebéia ~ salvo que ela o exerce com graca e nao com
violéncia ~ e faz desaparecer a diferenca entre dizivel e indizivel.
Pretendendo representar ’belamente’ nao somente 0 feio inocente, mas
também aquele que era considerado tabu, ela separa o obsceno do feio.a a
\.0F10,0.comico.0 08sceNo
Pornocratas 1878
(0 Presidente de Curva
Marques de Sade .
(Os 120 das de Soxloma (ntsochu
4735)
singularmente
‘Com quase sessenta anos €
‘mais parecia um
devas
gasto pela devassi =
fesqueleto. Era alto, see
bilos fundos e bagos, uma boca livia ©
weixo elevado, 0 maniz
‘Coben de pelos como tum
sit ‘suas costas mais lembravar
r antas chicotadas podia
ple murs P
eens com on dedos sem suc ce
No meio dessas, sem que fosse presi
‘enorme, cheiro € cor
fgualment
> Presidente, que sso aecrescin gos.0s
cos quanto ela,
) Poucos homens for: ies e
devassos quanto o Presidente; no entant,
psolutamente
avaclhe apenas a
& horas de
‘completamente apitic
tembrutecido, re
ea eripul
texcesso, e dos mais infames, para lograr
Curval estava tao profundamente
mergullado no lamacal do vicio © da
ihertinagem que The era praticamente
impossivel falar em outa coisa, © sas
expressoes mais Sujas estavam sempre
fem sua bora e em seu coriclo,
Entremeava-as com as mais vigorosas
blasfémias © imprecacdes, insufladas pelo
verdadeiro horror que sentia, assim como
seus compadtes, por tudo que lembrasse
a religito, Exacerbada pela embriaguez
‘quixe continua em que se compra,
essa desordem de espirito conferia-Ihe
havia alguns anos, uma aparéncia de
imbeciidade e de embrutecimento, font,
segundo dizia, de suas mais caras
oenava-se um personagem cuja PreSenc
io fedonenta podia 0 agradar a todos delicias
‘A obscenidade torna-se oportunidade de elegante entretenimento na
literatura licenciosa seiscentista e setecentista, embora em um autor
“maldito” como Sade ela retome todas as suas caracteristicas mais
asquerosas, Mais uma vez, a decéncia impede que se coloque em uma
antologia toda a descricéo do Presidente de Curval que aparece em.
120 dias de Sodoma, Curval ¢ um depravado que atos de repugnante
libidinagem, descritos sem poupar nada ao leitor, tornam horrendo,
fétido e repulsivo. Sade, ao superar o limite entre dizivel e indizivel, vai
além do exercicio normal das fungdes corporais: querendo ser liberador,
‘© obsceno supera a medida, mira a enormidade, a insustentabilidade
‘Como tal, vai adquiri,enfim, um papel dominante em boa parte da
literatura do final do século XIX e nas vanguardas do século XX.
justamente para destruir os tabus bem-pensantes e, a0 mesmo tempo,
aceitar todos os aspectos da corporalidade
Mas, no século XIX, aquilo que antes era considerado obscenamente feio
fo tratado sem hesitagdes pela arte e pela literatura realista, interessada
em mostrar a vida cotidiana em todos os seus aspectos. Em todo caso,
como prova da relatividade do conceito de pudor, muitas obras que
hoje sao lidas até nas escolas, como Madame Bovary, de Flaubert, €
Ulisses, de Joyce, ou 0s romances de Lawrence ou de Miller, causaram
escandalo quando foram publicadas e tiveram, muitas vezes, a sua live
Circulagao proibida,4, Acaricatura
Uma das formas do comico é com certeza a caricatura.A idéia de
caricaturaré,afinal, moderna, embora alguns assinalem seu inicio em
certos retratos grotescos de Leonardo. Porém, mais do que escolher alvos
reconheciveis, Leonardo “inventava’ tipos, assim como eram representados,
no passado, os seres jé disformes por definic3o, como silenos, diabos ou
aldedes. A caricatura moderna, ao contrério, nasce como instrumento
polémico voltado contra uma pessoa real ou, no maximo, contra uma
categoria social reconhecivel,e consiste em exagerar um aspecto do corpo
(em geral, o rosto) para zombar ou denunciar, através de um defeito fisico,
um defeito moral. Neste sentido, a caricatura nunca tenta enfeitar 0
proprio objeto, mas sim enfeé-lo, enfatizando certos tracos até a
deformidade.
{Assim, moralistas como Hans SedImayr (em A perda do centro) falavam de
uma forma de amesquinhamento que tira do homem 0 seu equilibrio ea
sua dignidade. Existem certamente caricaturas voltadas para humilhar e
tornar odioso o proprio alvo (ver, no capitulo 7, as varias técnicas de
demonizacao do Inimigo politico, religioso ou racial). Contudo, no mais das
vezes a caricatura pretende também, ao enfatizar algumas caracteristicas
do sujeito, alcancar um conhecimento mais profundo de seu carater.
E também nao pretende sempre denunciar uma feitira “interior podendo
trazer a luz caracteristicas fisicas e intelectuais ou comportamentos que
tornam o caricaturado amével e simpatico. Assim, enquanto as caricaturas
ferozes de Daumier ou de Grosz denunciam a baixeza moral de certos
personagens ¢ tipos de seu tempo, as caricaturas de pensadores ¢ artistas
realizadas por Tullio Pericoli sio verdadeiros retratos de grande penetracae
psicol6gica que muitas vezes atingem a celebracao.
Por isso, Rosenkranz considerava a caricatura uma espécie de redencao
estética do feio,na medida em que nao se limita a evidenciar uma
desproporcao, nem enfatiza todos os elementos andmalos presentes (cas0
em que nao teriamos uma c
ae teriamos uma caricatura, mas, como nos gigantes e pigmeus
de Swift, a descricao de uma forma diversa):a boa caricatura insere 0
= Se10™omo um fatordinamico que envolve a sua totalidade”efaz.com
que o elem
nto de desorganizacao formal torne-se “organico’ Em outros
a "bela" representacao que faz um uso harménico da
deformacao. “ee
Oceontate de venda,
VL Berlin,Tullio Perio,
Albert Ester
George Grosz
1921 Belin
Staath
Contra a caricatura
Hans Sedimayr
eda do Cont
Caricaturas sempre existizim, mesmo em,
vais)
Epocas mais antigas. S40 conhecidlas desde
> imo periodo da civ slexandrina
Nelas acentua-se 0 que € fisicamente fei
No periodo barroco, existiam casicaturas
pessoais e caricaturas privadas como, por
exemplo, nos Carraci, em Mitelli e Ghezay
mesmo em Bernini, Como observer
amente Baudelaire, as chamadas
caricaturas de Leonardo da Vinci nio sio
asicaturas propriamente ditas, Na Idade
Média, existia © quadto politico infamante
que ena a execugio de uma pena capital
in effigie
E somente do Final do séeulo XVI
que aparece — antes de qualquer outro,
lugar, na Inglaterra ~ a caricatura ec
5 alo XIN,
com Daumier, ela se transforma em campo
Nao &, ponanto, o simples nascimento
e em clevada e significativa
ica, De 1830 em di
revista La caricature, com pre
transfor
ikicas; “Uma noite de Valbu
nécia
a horripilante
uubmundos clos quais
humans) no elemento humano,
A desfiguraglo pode seguir varias direcbes
m € desfiguradlo, por exemplo, em
(Em
mento inconseiente da desfigurago
prove
chamados de posiivo © negativo, Fst
Ultimo tira do homem o seu equitibric
sua forma © a sua dignidade: ele ¢
Apresentado feio, disforme, mesquinho &
‘idiculo, O homem, coroamento da eriaclo,
€wvltado e rebaixado, mas conserva seu
carter h
No inicio do século XX (..) a imagem d
homem dest I
igurado que subjuga 0 artista
de man
Anetra irresisivel vai se exibir sem
Tha, naquelas imagens que, para
ingémuos, parecem caricaturas ap
qUC, realmente, slo geradas nas escuras
fundidadkes
> abisino,
4. ACARICATURAPane
oe
coy
Museu Pichkin
Reece eed
Entre a Idade Média e 0 periodo barroco, o tema da DT Tet)
& mulher feia, cuja feidra manifestaria sua malicia interior CST ico)
pie Oi ee Ley cet tener
bee eT ame Oc eet cuit ete
CEC Suncor CON LR ese eg
ara 0 rosto feminino, mesmo dedicando-se & cosmética, advertia Tr
BMC d ar Tok eran ee es ey Cy
virtude.O problema da cosmética ¢ retomado no mundo cristo por
Tertuliano, com impiedoso rigor, recordando que “segundo as Escrituras,
‘0s adornos para a beleza sempre formam um todo com Beat Eyl
A oo eae eae et ae et ail
alicenciosidade do mundo pagao), fica evidente a SUE Tete Ke tr)
LU Perec teen art PMc ard
OCMC T ee earns PERL eel lo
CC
Tc ICEL a ae Cen EET)
co ue et cetit Pee Cee do tema da
CUE COR CONC Met eed Le ahs Nile od
da decadéncia fisica e moral, em es Eel ke Uo)
PT re eis eed SU CuL alae airy
SUL Cena ct oar burlesco, com 0 elogio
irénico de modelos que se afastam dos c&nones Cry ee
Se een ee eee ae
imperfeices femininas como elementos de cite teAntiBeatriz i
Velha danin
Na Idade Média, para Dante (Purgatorio, XIX, 7-9),a sereia é na verdade
uma mulher horrivel e balbuciante e 0 tema da “vituperacao da velha
aparece em muitos textos como A arte versificatoria de Mat
thieu de
1a Beroe
(de cabeca calva, rosto rugoso, olhos remelentos, nariz escorrendo e halito
Vendome, que traca um repulsivo retrato da velha e deprava
repelente), ou como Os segredos das mulheres do pseudo-Alberto, que
aceita um dito corrente segundo o q
mortifero em virtude da retencao do
al o olhar de uma velha (que se torna
ie menstr
al) envenena os
bebés no berco. Algumas vezes topos da invectiva antifeminina aparece
como reacao ao
logio stilnovista da mulher angelizada e, assim, a mulher
feia descrita por Rustico di Filippo ou por Cecco Angiolieri aparece
como uma anti-Beatriz.
0 pice da misoginia é alcancado, no alvorecer do Humanismo, pelo
rbaccio de Boccaccio. 0 narrador ama uma bela vidva sem ser
correspondido e seu evidente ressentimento é expresso pela alma do
marido, que surge do Purgatério para descrever a luxtiria e a perfidia da
mulher, revelando ao pretendente, ja velho (quarenta e dois anos!), que ela
esconde os seus cinquenta anos com cremes e outros preparados
repugnantes, estendendo-se em detalhes repulsivos de sua feitira fisica,‘VLA FOORA DA MULHERENTRE A ANTIGUIDADE E0 BARROCO
Belos cabelos de prata
Joaquim du Bellay (sée. XVD.
es regrets ,
bela argéntea crina com graca torcid,
6 fionte serena e crespa, 6 face dourada!
© belos olhios de cristal, boca adorada
que dus longas pregas mostram descaida!
Dentes de Ghana, 6 tesouro precioso,
‘que num s6 fiso faz a alma en:
© belos seios, dignos de forma entalhada,
© colo plissado de damasco suntuaso!
© maozinhas gordas de unhas amarelas!
coxa fina e magna e alentadas canelas,
E tudo que, por pudor, nao posso elencar
Belo corpo inefivel de membros gelados
prodligios divinos, perdoem-me os
pecados
ols, por ser mortal, nlio vos ousarei amar.
Cabeleira de prata
Prancesco Berni (sée. XVI)
Soneto a sua amada
Coma de prata hirta pousada a sorte
Sem arte um rosto auribelo eercando;
fronte erespa que empalideco olhando,
conde apontam setas de Amor e Mort:
colhos de
de tudo que nao thes patega igual
s pérolas distantes,
clos de neve onde ee en poral
Iibion de let, na boes eles
de Ano, as does, de modo incontete
sto de mina Benvamada 2 bet
‘No tempo em que fui bela
Pieme de Ronsard (sée. XV)
Sonetos a Helena
Quando fores bem velha, a noite, AIuz da
vel
Junto ao fogo do lar, dobando 0 fio €
fiando,
Diris a0 recitar meus versos e past
ando:
Ronsard me celebrou no tempo em q
fui bela,
Been
aquela
Que, ja sob 0 labor do dis dormitando,
Seo meu nome eseutar ndo va logo
scordando,
E abengoando o esplendor que o teu
ome revela
Sob a terra eu irc, famtasma silencioso,
Entre as sombras Sem fim procurande
repouso,
F em tua casa irs, velhinha combalida,
Chorando 0 meu 4
F&O teu cruel
desclém,
Vive sem esperar pelo dia que vem;
Goihe logo, desde ji, colhe as
vida,
osas dla
‘Teta horrorosa
Clement Marot
brasdo da feta teta (1535)
Teta sem nach mais que murcha pele
seea bandeira que flutua mole
grande tetucha, longs teticha,
feta bolacha, feta salsicha,
teta tetucha do bico pontudo,
igual a0 pontal do funil agudo,
bamboleando a cada mencio
© sem precisto de nenhum permeio,
Bem se pode gabar quem te amass
de ter metido a vera a mio na massa
teta torrada, teta que pende
teta pelanca, teta que rende
Jama peguenta, mas nao leite quente
Belzebu vai te botar na
Para Ii no inferno aleitar-the a filha
Tetinha que no pescoco se enrola
anilia (.)
unos ombros tal como antiga estola
muitos de nds a0 te ver despontar
sentem ganas de aus tabefes pegar
nao a ti, tetinha, mas a sibila
que te esconde amassada sob a axila
Senhora Aldonza
Diego Hurtado de Mendoza (sée. XVD
4 uma velba que se quer formosa
Tu tens, senhora Aldonza, trés trinta anos,
és cabelas, nao mais, € Um s6 dente,
nos peitos de cigarra, propriamente
‘moram teias de aranha, sem enganos,
Em tas sais, foucas e outros panos
‘io hi tanta rug como em tua fronte
1 boca € rasgada como uma ponte
e excede a largura de dois palmos.
Teu cantar & de mosquito ou ri
1 perna ¢ de formiga
Tu fedes como um pe
com teu lombo toto de cabra
© com a pele de um frango depenado,
As va feidra feminina
Onensio Lande
Que seja melhor se jue belo’
Paradoxos, 1. 1544)
Alguns duvidam que seja melhor ser feio
que belo ©.) Centissima coisa me parece
que se Helena, a grega, e Paris, o pastor
troiano, fossem to feios quanto foram
belos, nem os gregos teriam tide tanto
trabalho, nem Troia sustentaria 0 que fot
seu exterminio final (.,) Vejamos agora
que sio muitas vezes mais sibios os feios
Co. Bsopo de Frigia, fabulador
que os belos. E por Séc
excelentissimo, tinha feigdes quaise
nodo que qualquer um
dos Baroni, comparad
com ele, pareceria
‘um Narciso ou mesmo um Ganimedes;
nem por isso deixou de exceder em todas
e qualquer
grande
as virtudes ou de t
‘outro, um intelecto agudlissimo
feiura foi Zenon, o fildsofo, ¢ feio ena
Aristoteles, feio era Empédocles, feiissimo
cera Galba, mas em engenho e elogiieneia,
de todos sempre se mostrou
lustrissimo (..) E quantas das belas
mulheres que vém hoje em dia para a
‘gualmente pudicas? (..) Assim
sendo, 6 feidra santa, amiga de castidade,
Iealia sa
que afasta escindalos, que abriga dos
perigos, com ceneza conheces as
eonversacdes mais Ficeis, delas retiras toda
amargura, esmagas cada funesta suspeita
tu, apenas tu, és finalmente o remédio
Pant o citime maivoso, Gostaria de poder
encontrar as palavras justas para louvar-te
como 05 teus meéritos exigirian
faria logo € de muito bom grado, pois de ti
derivam infinitos bens e bem grande € 0
erro dos ignorantes que te deploram.
1. ATRADIGAO ANTIFEMININA
A feitira dos homens
Lucrezia Marinelli
A nobreza e a exceléncia das mulheres
591)
Se as mulheres si0, portanto, mais belas
que os homens, que na maioria se
mostram nudes © mal compostos, quem
negara jamais que elas sio mais singulares
que os homens? Ninguém, a meu ver.
Donde pode-se dizer que a beleza na
mulher € um maravilhoso espeticulo e um
re admirivel, que nunca foi
xddo © reverenciado pelos
adiante
€ que mostremos que os homens sio
homens. May quero que passemos
‘obrigados e forcados a amar as mulheres &
que as mulheres no So obrigadas a ami-
los de volta, sendo por simples cortesia (..)
© homem tem necessidade de amar as
coisas belas: mas que coisa mais bela que
as mulheres enfeita o mundo? Nenhuma
nna verdade, nenhuma, como bem dizem
todos esses nossos contririos, que afirm:
lampejar em seus formosos rostos a graca
0 explendor do Paraiso e por essa beleza
sto forcados a ami-las: jé elas nao sio
obrigadas a amar os homens, pois o
menos belo, ou mais feio, ni
€ por sua
natureza digno de ser amado, Pois texlos
homens sio feios, quero dizer, em
compuragio com as mulheres, nao sio
les, portanto, dignos de serem
cortespondidles por elas, senao gragas &
sua natureza cortés ¢ benigna (..) Cessem
(010s lamentos, os suspitos e as
‘exclamagoes «los homens que querem ser,
a despeito do mundo, amados pelas
mulheres, chamando-as crugis, ingratas €
impias: coisa de provocar riso, mas das
quais esto cheios todos os livros Poéticos,
No Renascimento, a mulher feia aparece antes como uma anti-Laura: em
divertimentos como os de Berni, de Doni ou de Aretino - e também em
textos andlogos franceses (Ronsard, du Bellay ou Marot) ~ manifesta-se,
de fato, um claro antipetrarquismo.
Nessas poesias ndo ha mais aversao: a visdo da deformidade ora é
jocosamente irénica, ora é afetuosa. O proprio deperecimento da mulher
que envelhece se transforma em melancélica reflexdo sobre a beleza em
declinio, E é justamente no periodo renascentista que surgem algumas
reflexes que questionam a condenagao do feio, Se Ortensio Lando, antes
mesmo do elogio da feidra de Rocco (citado no capitulo anterior), js
refletia satiricamente sobre as vantagens da feiira feminina, Lucrezia
Marinel
em um espirito que poderiamos considerar pré-feminista, vira a
tradicao de cabeca para baixo e exalta a beleza das mulheres em oposicao
4 feitira dos homens,oncepcao classica da arte, fundada
acao di ias da natureza, com o Maneirismo ha uma
reviravolta. A tendéncia hoje ¢ marcar 0 inicio do Maneirismo com uma
data certame ional, 1 Ja morte de Rafael. Se antes se
falava de lo de um determinado autor «
ira para indicar oe:
seguida, um modo repetitivo de remeter-se aos grandes modelos
Precedentes, agora se define o Maneirismo como a época em que o artista
dominado pela inquietacao e pela “melancolia’ nao se volta mais para o
belo como imitagao, mas para 0 expressivo. Os tedricos do Maneirismo
enunciam a teoria do engenho, sendo a /déia, desenho interior concebido
pela mente do artista, uma manifestacdo, dotada de forca demiuirgica, do
divino que o habita. A deformacao é, portanto, justificada como recuse
simples imitagao e das regras, que nao determinam o génio, mas dele
nascem. O maneirista tende a subjetivacao da visdo: enquanto a
Perspectiva monocular dos renascentistas visava a reconstrucao de uma
cena como se fo:
€ vista por um olho matematicamente objetivo, o artista
maneiris
lissolve a estrutura do espaco classico nas vi
Des saturadas e
desprovidas de um centro privilegiado de Bruegel, nas figuras distorcidas
e“astigmaticas” ¢
le El Greco, nas fisionomias inquietas e irrealisticamente
estilizadas do Parmigiano. Temos ent
0 uma escolha do expressive contra 0
belo, uma tendéncia ao bizarro, ao extravagante e ao disforme, como nas
figuras de fantasia de Arcimboldo.
Com maior propriedade, o gosto pelo extraordinario, pelo que pode
despertar assombro e maravil
ambiente cultural
a aprofunda-se no Barroco e neste
10 explorados os mundos da violéncia, da morte ou do
horror, como acontece na obra de Shakespeare e dos elisabetanos em
Yeral, ou nos Sonhos de Quevedo, chegando mesmo a reflexdo mérbida
Sobre o cadaver da amada, como acontece em Gryphius.
Dessa maneira, M
rismo e Barroco nao temem recorrer aquilo que,
Para a estética classica, era considerado irregular. Assim, o tema da mulher
2 também muda de perspectiva: as imperfeicdes da mulher sao d
scritas
ora como elementos de interesse, ora co
no estimulos voluptuosos
veremos mais tarde como tal comportamento é retomado tanto pelo
Romantismo qua
(0 pelo Decadentismo, por autores como Baudelaire,
Para citar apenas um nomeGioxsion
Ja a cavaleiro dos séculos XVI e XVII, encontramos dois textos significativos:
Montaigne elabora um afetuoso elogio das mulheres mancas e
Shakespeare, embora pareca depreciar a sua Dark Lady através de uma
série de negacdes das caracteristicas tradicionais da beleza, conclui com
um “porém”: apesar dos pesares, ele ama a sua musa.
A poesia barroca vai além disso: surge o elogio da ana, da gaga, da
corcunda, da vesga, da bexiguenta e, contra a tradicao medieval das faces
vermelhas ou rosadas, Marino exaita a palidez de sua amada. Se a primeira
beleza feminina exigia cabelos louros, agora se faz 0 elogio dos cabelos
Negros. Tasso, em suas Rimas, jd escrevia:“Morena és, mas bela - qual a
roma donzela’ e Marino elogia a beleza de uma escrava negra.
Tocante é 0 elogio da bela velha em Salomoni e, se o texto de Quevedo
ainda parece tradicionalmente adverso, ndo é o que acontece com o de
Burton, onde a transbordante descricdo de uma mulher horrenda reafirma
que 0 amor pode ir além da oposicao entre feio e belo,William Shak:
A tempestade, 1, 2 (1623
Prospero ~ Bscravo vil, que 0 diabo
ical cals Seer fn
Trou Je conv
harco com per Cm
sudeste —
8 cubea inteiros de bolhas.
Prospero = S6 por falar assim ta va
Does ay de perder 0 fo
Pior que a outra
Caliban = Bu quero 0 meu jantar
A ilha € minha, da mae Sycorax
Que vocé me tito. Logo «
Q BO que ve
afagava, mimaya, inda me
Maldito sca Tots os encanios Scag bareuns
meios Je expressos. Mas
Nestas pedras, guardando para Imas boa: ,
aia to N
Prosper avo mentiroso is ie :
A bonta de minha fia Spode p
paginas precedentes
{eas Cranach,
Aonte da juventude,
1586, 8erlim
Gemaldegalerie
Georges dela
Tocador de tara,
1628-1630,
Nantes,
Musée des Beau Arts
Bartolomeo Passerott
Comedar debra,
s,s XV
Mila,
‘colegio particular
Michelangelo vetho Meu corpo nada mais é wins, e pele
£0 cal Até as aneas pre Je muletas
1 Fe : duando esta hora ¢ z
radas, 5 E uma opressio que vem deliberada
A noite, na outra precise Ricardo I
tur mn arroso alent William Shakespeare
) Ricardo Mtl, 1, 1 (1597)
Que adiantou fa s criar Mas eu, qu
af tejar um ¢
Aa tanto val nidemente sou © marcado, © que nai
jutrora, aqui az tho. a majestade do amor para
pobre, velho ¢ it alheio pavonear-me diante de uma n a
ue, se nao morro 1e desfaze eu, que privado s
harmoniosa propor ro de formacac
Asi mesmo bra da natureza enganadora, disforme
Andreas Gryphius (sé acabado, langado antes do tempo para
Noite, lumeinosa noite, 1, 48 este mundo que respira, quando muit
Tenho horror de mim mesmo. meus feito, e de tal modo imperfeito © t
nembros trem fora de estagio que os cies ladram
Quando 0s labios, 0 nariz, o olhar quando passo, coxeando, perto deles,
encovad Pois ¢ fe mole e ocioso tempo de
Cego pela vigilia, € 0 alento pesad paz, nao tenho para passar o tempo outrc
Contemp -us cilios mortos ji nen Jeite sendo contemplar minha sombra
Com as palavras cai a lingua, negra d Je. E assim, ja que nao posso
secura set amante © gorar estes dias de priticas
Balbuci ue; a alma ex Wes, estou decidido a ser um vil
chama feroz ¢ odiar os prazeres destes dias
(O grande consolador, a carne cheira
ser
As d
Mas desde os primérdios do periodo maneirista ganha espaco também.
uma reflex melancdlica sobre a velhice masculina e uma dolente
piedade vibra nos versos em que Michelangelo ou Gryphius pintam a sua
prépria feidira senil. Tem inicio também uma reflexao piedosa sobre uma
feitira que produz dor e ao mesmo tempo maldade — outro tema que sera
retomado pelo Romantismo. Basta observar 0 modo amargamente piedoso
com que Shakespeare coloca em cena 0 sofrimento de Caliban ou de
Ricardo Ill, sugerindo que teria sido o olhar hostil com que 0s outros
consideravam a sua feiura que os tornou maus.
‘A mesma compreensao pelos defeitos humanos aparece igualmente em
varios pintores, cujos retratos de rostos desgraciosos nao pretendem.
zombar dos desventurados nem representar o mal, mas mostrar a doenca
0u 0 inelutavel labor do tempo.Heinvch Foss,
oe
Cena
Panett
eas
Ct
1. Do Satands rebelde ao pobre Mefistéfeles
eR Er eee RT CLOUT EE nT eye
TS elle heal w
oT eC Rem RC uS Cuneo ei
CTA eee Ke Rules ee eae ery
Cech eu Re UT RUE eu c)
See eee eres eee ee
RU RUS ee Re eso P ee aCe ke once)
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Cee ue eau URES kee Sr hg
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COO eet ea eect)
Ee eet ues hate tire ent
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Se OR CUC Mu Ue ic eects Murda a}
CEO SIU Ciera ie Rear ay
Dee CRORE une ue Recent:
eee en Ci uncon
eee od acu Ma ae cara kta
Do UE ee Rue Mu ee eet)
CSO Ce Ure Ter cr ented
Se UR ei yr ee Rete ey
€ recusa-se a pedir graca:“Melhor reinar no Inferno que servir nos céus!Vl. 0 BIABO NO MUNDO MODERNO
Wiliam Bake,
Satandsataca 16
«com as chagas,
llustragao do Lire
de J6,RA 2001 68,
1826, Nova Yor,
The Perpoint Morgan
brary
emface
Joseph Anton Koch
Ointerno,
1825-1829,
Roma,
Casino Massimo,
fe Dante
ifer
Dante Alighieri (1265-1321)
Inferno, XXXIV.
(0 imperador do re
linha, do gelo, sobrealgado o peito
austicante
mais posso comparar-me colum gigante
do que um gigante eom seu braco, a jeto
‘Com que inaudito espanto, de repente
dliviset-the a cabega desdobrada
twés faces: uma rubra, mais a frente
eas outras duas, cada uma plantada
ronco, ¢ juntas aflorando
10 dpice da
inte alcandorada
A da direita era oere, ao branco orgando,
2 cor possuia
que no alto Nilo 0s rostos vio mostrando.
De cada qual abaixo asas havia,
de modulo e tan
no mar vela maior
inho apropriados
ados,
ndo tinham pélos; Dite as agitavs,
E tais as dos vampiros en
produzindo tré ventos variados.
Dali todo 0 Cocito enregelava
dos seis olhos um pranto permanente
Em cada bd
tres queixos Ihe tombaya,
ca triturava a dente
‘com a espadela a0 linho, um
condenado;
Plutio
Torquato Tasso
Jerusalém libertada, WY, § 4-8 (1581)
Horrida majestade 0 aspecto feio
Lhe torna mais medonho e soberboso;
olhar sanguineo, de veneno cheio,
Cometa infausto, esplende pavoroso;
Acoberta-the 0 queixo « hirsuto seio
Longa barba, pélo dspero © asqueroso,
F, a semethanga de voragem funda,
Abre a boca de negro s:
Sataniss
Giovan Battista Marino
A matanga dlos inocentes (1632)
Nos olhos, onde migoa alberga e morte
fulgura uma luz turba e vermelha
© olhar obliquo de funesia sorte
neta que maldade espelha
Das ventas € da boca qual um corte
fedor e eva vomita em parelha
Iracundos, soberbos, consumidos,
rovOes seus Sopros, raios os gemidos
© fascinio do rebelde
John Milton
Paraiso perelido, 1, 62-155 (1674)
Nove vezes o dia e nove
Ele com sua multidao horren|
A cair estiveram derrotados
Apesar de imomtais, e confundidos
Rolaram nos eachoes de um mar
de fogo.
Sua condenagiio, porém, 0
Para mais fero horror: e ver
eda
Jo agora
Perdia a gloria, perenal a pena,
este duplo prospeeto na alma 0
punge
Langa em roda ele entito os tristes
olhos
Qu
mensa dor &
Sobetba empedernida, édio
constante
Fis quando de improviso ve
contempla,
Tao longe como os anjos ver
costumam,
Mterrivel mansio, tor s
va espantosa,
Prisio de horror que imensa se
aredonda,
Ardendo como amplissima fornalha.
Mas luz: nenhuma dessas flamas se
Vertem somente escuridio visivel
Que baste a por patente © horrido,
quadro
Destas regiées de dor, medonhas
trevas
Onde 0 repouso e a paz morar nao
podem
‘Onde a esperanga, que preside a
rude,
Nem sequer se lobriga: 08
lesgracados
smindvel afliglo lacera
fogo um dildvio alimentado
De enxofre abrasidor,
inconsumptivel
A justica eternal tinha disposto
Para aqueles rebeldes este sitio (.)
Ele impeliu-me a combater 0
Eterno,
E trouxe
Inimera aluviao de armados
Genios
yo as férvidas batalhas
Que dele o império aborrecer
E, a mim me preferindo, opor
quiseram,
Nas planicies do Céu, em prélio
dubio,
As forgas proprias as opostas foreas
Fave
Que tem perder-se da batalha
Jo-lhe tremer o empireo s6lio.
campo?
Tudo nao se perdeu; muito inda
Indémita vontade, ddio constante
De atris vinganeas decidido estudo,
Valor que nunea se submete ou se
rende
(Nobre incentivo para obter vitoria),
Honras silo que ha de extorquir-me
Do Eterno a ingente forga e inteira
Perdao de joethos suplica
humilde,
the
Acatar-Ihe © poder, eujo alto império
No ambito inteiro vacilou ha pouco
pelo impulso e terror de minhas
Fora abjeta baixeza, infmia fora
Muito piores que este infando
esirago!WAS REBELDE AO POBRE MEFSTOFELES
ee SI
Pia)
2 (2 inumerivels mf
Lens Morison Um pobre diabo Penetra ni :
Faust, Johann Wolfgang von Goethe sio eles) S i
«arta tear Fausto ( mais pe comer a em
Gd Mefistfeles ~ Quem sou eu? Parte da (
Fausto ~ i sei o que és, €
Gerad Philipp, fora ee oe
‘ema Beaute du diab, que, empenhada no mal, o bem X ae, al
dieqBo de René Chi ©) exnper
950 Sou o espirito que estorva sempre, €com —_tode
razao, pois tudo quanto nasceu merec poeste a tomar de sm ninhati
ser Mefistifeles ~ Con: 00, ¢
fi © oposto ao Nada, © Que Quer Que
aniquilado, portanto era melhor nilo te post f
E que existe, o mundo bronco, p
asc que
mi vulne vel
Meu elemento 0 que chamai mais que em
our fica-me sempre ile h
Destruigo, Pecado, 0 Mal, em su aerojo onddas, procelas,
alo verdade cha. Retro baz mar ficam serenos.
Cada homem (microcosmos de loucuras) ois a ralé nojosa, a corja humana,
imagina-se um todo, ¢ conte niio hi de meterthe dente! Ando, ha
ine da parte que era a que tempos, a matar entre eles, sem
parte da treva, mie da luz, sim, dess parar na faina, ¢ a espécie a medrar
nidosa luz, que a sua mie sempre em sangue
5 io Giente €4 ft, do Oma e &
Thos hi de usuppar, quem the de ean
mee Se mo pile of
Se no Dr. Fausto de Marlowe (1604), Mefistafeles ainda era feio e se, ainda O diabo de Cazote a um spaniel de pelo stoxo raz dos abel.) Vestose
no século XVIll, no Diabo enamorado de Cazotte, aparece sob a forma de debe onaade (172) asa Ghai sascariee
um camelo, no Fausto de Goethe ele se mostra como um cavalheiro Pronuncio a evocaglo em voz clara © diabo de Dostoievski
adequadamente vestido.€ verdade que se aproxima de Fausto nas vestes ested. depos aumento Roi Deis diab de Mann
de um cao negro que inicia, em sequida, uma inquietante transformacao, Sleeps racks Emumscnhor ow melhor oma, ovo Fausto 3947)
assumindo a forma de um hipopétame com olhos em brasa e garras Um eilafnio me percorre as veias e especie de gentirhomem muss £ um homem de corpo um pouco
horrendas, mas por fim se manifesta em vestes de clérigo errante, de um escaos seme eg na abe, “gu rat a cinguartain, como. mace namerte me
Fae eara oloune area ia ROR \ancwcuom hee Mea
| E diabolico apenas na medida em que ¢ dialeticamente insinuante e Pe beet stoners eratatwterudsgn | feyenypunily ees asta
| convincente e faz com Fausto “como o gato faz com 0 rato’ Por outro lado, fomente de vz mats ofuscante que ponta lado aparecia a
ele nao precisa de muito para seduzir Fausto, pronto para estabelecer ey altho us isccap aimee ia
comércio com 08 espiritos, quase como se fosse um desejo seu ir a0 tas dimensdes quay na forms, Glowanel Papen 2 cic o& clos. veawielienies
encontro do diabo e nao o contrario, parece as orelhas, © deménto me disse ssto, com a ponta do nariz
Mefistofeles prenuncia, portanto, uma terceira metamorfose do diabo. No Gi es Die ac cache Sllds abviay Steno cule ena ees
século XX, ele se tornara absolutamente “laico” (ver Dostoievski, Papini e Bapea avin samesiiia i, evasion tos auc ue ee pate eaten Gea
Mann): nem aterrorizante nem fascinante, infernal em sua mediocridade Purigo, respond. “Che twot jrentode que vireddermise que! Hodes eats Geraimeo cian da
© em sua aparente mesquinhez pequeno-burguesa, ele agora é mais Ce fetetbemeuwlice se |” eames aa ie
Perigoso e preocupante, pois jd nao inocentemente feio como se fem, disse eu, sob a fogna de Sete de partoular a Bos out bemoan nice susie
costumava pinta-lo FROMM Gio. chats EL pacidy einmaigas De auoe ue minke eine oeen
. Gabel ao centro dasa e ' Sofwancenas ese pene quse na mange os ma eae
LL LCCC nnn nnn eewO << «
do Anticristo
Jos primeiro:
Montier-en-Der
pestiferos,
Hi m de ca
bai tados pela
. yar
c © 0 rosto
4s como Daniel
r Adso de
Hildegarda de Bingen, insist feitra
4 F aica
Miguel Psellos nfinitament
Liutprando de Cremona
oe i 30 horrorizada dos habite
c \e tui, para muito:
empre foram também amente, 05 inimigo:
ate 0 horror em relagao aos leproscVl. 0.D1A80 No MUNDO MODE
pastor da rela
luterana (no centro)
selaum pacto com
um menestelouum
louco ecomo dabe,
de Thomas Mumer,
Von der Grossen
Lutherschen Marten,
1522
No mundo moderno, que sempre representou o inimigo religioso ou
Nacional com feicdes grotescas ou malignas, nasce a caricatura politica
Foram ferozes, na época da Reforma, as caricaturas com as quais
Protestantes e catdlicos representavam o papa e Lutero, Durante a
Revolucao Francesa circularam caricaturas legitimistas que
Tepresentavam os sans-culottes como canibais sedentos de sangue.
Entre os séculos XIX e XX temos a caricatura anticlerical, Os patriotas
italianos oitocentistas caricaturavam ferozmente o opressor austriaco
(embora um texto delicioso como o de Giusti, apesar de descrever
inicialmente a feitira dos ocupantes, depois se enternece com aqueles
Soldados distantes de casa, devotados a rezar para um Deus comum).
Mas em toda guerra o adversério é representado como monstruoso.
Um certo Berillon escreveu, durante a Primeira Guerra Mundial,
La Polychésie de la race allemande, onde demonstrava que o alemao
medio produz uma quantidade maior de matéria fecal que um francés,
€ de cheiro mais desagradavel,
Erica a seara de caricaturas antinazistas e antifascistas, mas 6 igualmente
feroz, sobretudo durante a Guerra Fria, a caricatura anticomunista
Ce
Os exercitosaliados
contra o Kaiser,
emLe petit)
23 de setembro de 1914
James Gila,
Uma familia de
sans-culottes recupera-se
depois da fabura
dajomade, .
publicado por
Hannah Humphrey
em 1792
eae TaD Bt Lat. —f 193 ie ae
OPES la Farictane ag A Famaly of Sans (idole refesSing efor Uefigues of the dayA excravaa de Fu Manchu (1933)
ma grande pedr
coral. Estava ali me
das amplas mangas da
doutor Fu Manc
Encyclopaedia Britannica
Vrias feigbes de seus
zigomas altos, fi
ada, natiz cut, la
Anatomia da raga
Cesare Lombroso
Sobre a ongem ea variedade das
tans, LI S71)
estupenda harmonia das formas: n:
longo demais, nem redondo demais, nem
Jemasiado pontudo ou piramidal. Em sua
fonte, plana, vasta, ereta sobre o rasto,
ou magas do rosto, nao sto distantes
demais e 0 maxilar nao se mostra muito Alex Raymond,
roeminente; por isso é denominado, Mina
régnato. O crinio do mongc fem Fash Gordon
contririo, é redondo ou piramidal, com es
Syndicat, In
as magis do fosto muito distantes entre s
sendo chamado eurignato, a esses
‘eabelos, a obliqiidade d
livacea. (...) Mas o hotentote Tran
retine as formas mais disparatadas das
totalmente proprias, as quais companitha
pmo dele. Ao focinho saliente di
mistura 0 focinho alargado d
1 forja
na. O cabito, que & um oss
ets de uma escovinha de roupa, de
Como sustentaculo para a missdo civilizadora do homem branco,
a representacao do africano sempre foi impiedosa, nao somente na
narrativa e na pintura, mas também em textos de carster cientifico como
aqueles de Lombroso. Mas a ideologia do “fardo do homem branco’
levou muitas narrativas a criar caracteres repulsivos referentes a qualquer
etnia nao-européia, do érabe desleal aos thugs indianos estranguladores,
para nao falar dos incontaveis chineses de rosto sinistro, mestres de todo
tipo de crueldade. E isso aconteceu também nos quadrinhos: basta
lembrar de Ming, de Alex Raymond, na saga Flash Gordon, cuja perfidia se
mostra evidente em seus trasos asiaticos, ou nos inimigos de James Bond,
nos romances de lan Fleming, que, muito mais do que nos filmes, 40
quase sempre mesticos ou agentes comunistas, e sao verdadeiros
monstros que parecem construidos no laboratério de algum mad scientist.lan Flemin;
007, Missa
A primeira jonou
Bond foi a falta de proporcio de
a figura. Era baixo, talvez um
nsco e peside
impressao de ter sido construido
‘com pedagos tirados de outras
pessoas,
Lésbica ¢ sov
Jan Fleming
007, Du Rissa com amor (195;
Tatiana abriu a porta e, enquanto
permanecia de pé sustentando
‘ olhar da mulher sentada atras de
de repente de onde conhec
quele cheiro. Era o cheito
metr6 de Moscow numa noite
quente, um perfume barato
lissimulava eflavios anim
Na Rassia, as p
literalmente de per
importa se tenbam.
io © tinham feito (..)
A porta do quarto de dormir se
abtiu e "Klebb” apareceu
lum sutia formado por duas ross
le seda anificial e calgoes 4 moda
elistieos acima dos joel
De uma abertura da ca
destacava-se um joelhe
Parecido com um coco bem
ido para a frente na
Pose classica de manequim. (..)
Rosa Klebb tinha tirado os éculos
€ coberto 0 rosto com uma pesada
camada de base, po-de-arroz ¢
mais feia e velha
is do mundo.
Levantou um braco e acendew uma
Himpada vermelha sustentada por
ma estatueta de vidro
representando uma mulher nua.
Em seguida, batew levemente no.
sofi, a seu lado. “Apague a luz
central, minha querida, O
interruptor fica bem ai, perto da
porta. E venha ci, sente-se aqui
1. meu lado, Precisamos nos
conhecer melhor
Dr. No
fan Fleming
007, Licenca para matar (1958)
Era pelo menos quinze centimetros.
mais alto que Bond, mas seu porte
1 parecer ainda
mpletamente calve
até 0 queixo Sutil, dando assim
de chuva
de cabega para baixo, ou melhor,
pois a pele tinha um
vel dizer a idade de
‘do tinha
profundamente cavadas sob 0
zigomas altos e pronunciados,
ram lisas como marfim, As
sobrancelhas, que recordavam
pequena
complet
expresso
sobre uma:
sutil e que
Permanente, denotava apenas
crueldade © autoritarisme,
© queixo, fugidio, como Bond
ligeiramente deslocado de lado,
que dava a impressio de que as
vértebras do. pescoc
rigidas
Aquela estranha figura gigantesc
parecia uma ¢
surpreso se
se soltar para desliza
© doutor N metros
deles ¢ m-me py
mio aper disse com
voz inexpre ue nao
posso", Ergueu lentamente as
mangas. *Nio tenho mios.
Mr. Big
fan Fleming
007, Viva e detxe morrer (19
bola de futebol, tinha duas
‘© timanho normal ¢ era quase
absolutamente esférica
Ac
Ja pele ostentava um negro
a era inchada ¢
ado uma semana
dentro de um rio. Nao tinha
cabelos, a excegio de um tufo
Também era desprovido de cilios ¢
sobrancelhas ¢ os olhos eram
re alguma coisa, parecia que
devoravam 0 objeto de sua
ateneao, Eram levemente saltados
ilatadas,
Eram 0s olhos dk
© agora os tinha
ilargado completamente pondo
A mostra os dentes e as gengivas
MRS. PRUNEFACE
2. ADEMONIZACAO DO INMIGO
SHAKEY
THE BROWNossa viagem pela feitira do inimigo nao pode se concluir senao com a
primeira aparicdo daquele que serd o Inimigo Galéctico, The Thing, a Coisa,
: . " 0 Inconcebivel. Em Lovecraft, este ser amorfo ou pegajosamente
‘ polimorfo é ainda deste mundo e representa nossos terrores
inconscientes, mas na ficcdo cientifica (romances e filmes) ele sera
apresentado como o invasor “alienigena’ o Bug-eyed-monster,o monstro
de olhos de inseto que vem do espaco, barbaro no sentido mais ancestral
‘ A do termo, ameacador e inassimilavel, pois totalmente desumano. Ele é a
personificagao de cada inimigo e vem confirmar a ten
ncia dos seres
humanos a representar aquele a quem se deve odiar como desprovido de
qualquer forma, fazendo dele, sempre, a Ultima encarnacao do Diabo.ai
o
satanismo, Sa smo
Pe cc
Seres diabélicos capazes de feiticarias, filtros magicos e outros
eT eae
Le La ee et et ee ato)
Cree toe eet ee ee Le ated
EER CCR trek uaa’
Sr ree Ket Mu ene ecm tay
Ce ae uci ary
Cee Me et tet el cere eine
De te eee er rt)
Fee Ue Cen cre heath ttre
(as feiticeiras), gracas a uma espécie de radicada misoginia o ser maligno
Ce eS mun eee eee
Dr et ee ue brs Rom ict Rone tol
Por uma mulher. De fato, na Idade Média ja se falava do sabé como uma
NE ou Wu Our eee
mas também a verdadeiras orgias, mantendo relacées sexuais com 0
Du ei Reet ere a Te
ur ee ee aiken ai ied
RO oe ee eae et ine
ROOM eter tei
BOE UC Ura Oe runes ieee eat ete
CT eau eer ee ee et eee
eu io Rk kerlee ta eae eet ete
Eee ret eet aed
UC an Cuan eri ad eet atTransformado em asno
Existem, na Idade Média, documentos de condenacao das bruxas, como
uma bula de Alexandre IV, de 1258; também os tedlogos falavam de
feiticeiros e necromantes, como é 0 caso, por exemplo, de Sao Boaventura
que adverte:"Em razao de sua sutileza ou espiritualidade, os deménios.
em virtude de sua sutilidade e de sua poténcia, podem se introduzir no
i Corpo do homem e atormenta-lo, a menos que sejam impedidos por um
ae Poder superior” (Comentario as sentencas, Il, 8). As bruxas, contudo, ndo
Constituiam uma obsessao para o mundo eclesidstico
rf Contrariamente a opiniao corrente, a idade Média nao foi a época em que
‘ ae 98 processos contra as bruxas se difundiram. Foi antes a Idade Moderna,
As parcas como prova o fato de que a mais rica iconografia sobre as bruxas comeca
; No século XV. A Inquisicao nasceu no século XIll, mas se ocupava
eet Principalmente dos hereges. No entanto, em 1484 aparece uma bula de
Inocéncio Vill contra a feiticaria, Summis desiderantes affectibus, e 0 papa
s encarrega dois inquisidores, Heinrich Kramer c Jakob Sprenger, de atuar
Feiticeiras de Horacio 4 le com severidade contra as feiticeiras.
7 Foram eles que, alguns anos depois, publicaram 0 Malleus Maleficarum
(Omartelo das feiticeiras) tratado maximo contra a feitigaria, no qual se
i ensinava como reconhecer tais infelizes, como interrogé-las, como
submeté-las a tortura para fazé-las confessar seu pacto com o deménio.
ll eetrade Meri 2 € realmente bru Hist de Meri Assim, 0s processos e a condenacao das bruxas & fogueira ou ao
ooseeny Es Se ear: Nae ere Beet ese enforcamento explodem entre 05 séculos XVI e XVill,ndo somente no mundo
wocafam Satands e foram desviadas por Ch Pence oe can ‘atdlico, mas também e sobretudo no mundo protestante (visto que Lutero
ogre shi ma bara Ho ~ que en as definia como “prostitutas do diabo acusando-as de roubar leite, suscitar
ene tempestades, cavalgar bodes e atormentar criancas no berco) endo apenas
na alvacio e desparrando-se catélic na Europa, mas também e com particular viruléncia na Nova Inglaterra, onde
Os sacerd n exomtar io ficaram tristemente célebres os processos de Salém, em 1692, que mandaram
Ee ae Para a forca dezenove mulheres. As feiticeiras apareceram muito na literatura
Pell ura es esta (2 ath basta pensar nas bruxas de Shakespeare e naquelas da Noite de Valpurga,
mtos, male 3, €8¢ no Fausto de Goethe. Mas a literatura mais rica nesse aspecto refere-se a
Ee Ee GEE ae polémica sobre a feiticaria. Enquanto Cardano sustentava que as bruxas nao
tines (.) que o flagelo ek: Passavam de mulherezinhas supersticiosas (antecipando a interpretacao
Psiquiatrica moderna), acreditam na bruxaria autores como lan Wier
lecretan ue lode (De praestigiis daemonum, 1564), Jean Bodin (La Démonomanie des sorciers
nencionados inquisidores Spre 1580), Martinho del Rio (Disquisitionum magicarum libri sex, 1599), Francesco
* i Maria Guazzo (Compendium maleficarum, 1608), Joseph Glanvil (Saducismus
; triumphatus, 1681) e Cotton Mather, que teve um papel (embora controverso)
i sciulis (pessoas Nos processos de Salém, Tentativas de desmitificagao tiveram lugar apenas no
s. século XVIII, com autores como Tartarotti (Del congresso notturno delle lamie)Mas mesmo com o fim das perseguicdes, a imagem da bruxa nao
desapareceu, Ela sobrevive na literatura fabulistica e retorna também na
literatura de terror, com escritores como Lovecraft.
Porém, 0 que interessa a nossa histéria € que na maior parte dos casos as
vitimas de tantas foguelras foram acusadas de feiticaria porque eram feias
Ea respeito de sua feitra, inventou-se que nos sabas infernais elas
poderiam se transformar em criaturas de formas atraentes, mas sempre
marcadas por tracos ambiguos que revelariam sua feiura interior.
Sahator Rox, A Noite de Valpura fen
Aone Wolfgang Goethe Gra ai vem jt decerto chegando 0
160-1649, Faust rebuligo
Te eter Noite de Santa Valpurga (887) que vem povoar este montés deserto,
steey Ui Fogo-fatuo, Fausto Mepis mas horas do feiigo
{Ui que algaravia! Bufidos € pios De Brocken ao rochedo corre, comer
am levantados gaios, papa verde
(.) serio salamandras? E aquelas , unido bando seja. Posto de alto
AIMEE sl bragos, qual polo tao! Por cna da flha, mais do pedrewulho,
Mera alzadas, toca emproadas feaanga ragada com todo 0 banlho
Pgindo scrpenes rio se apanh
ralé variegada, mntanhva. :
azoinado redemoinho. ( Fica melhor a n6s outros esta andadura
Je ver tudo a rodopiar Se tudo vai ao pago do Grio-Perro, n°
de ver tanto, horrendo esgar oa
uns penedos desalmadk
leve
Meftetes 1 dante,
arvoredo? h P
As corujas pelo at esvoagam de med ( ’
© Sei bemdotada
tudo em medonho caos n precipita, rodilha a
trovejando silvando até o fundo abi
mo faz uma vela com que a amantilha. (
das vLV, BRUXARA, SATANISO,
A aldeia das bruxas
Howard Phillips Lovecta
das bruxas, dos adoradores de
fe das estranhas presengas na floresta, er
mpreensivel que se evitasse aquele
habitantes da localidade:atingiram
repelentes (..) Forinam atualmente
quase repe
ne, com estigmas bem
uma raga a parte, com esti
definidos de regressao fisica e mental
Ame
dol
\ém, nem mesmo quem tem
‘conhecimento dos horrores. mais recentes,
sabe em que pé as coisas estio em
Dunwich, n
da sombra das grandes colinas circulares
foram invocadas, ¢ elevaram-se selvaigens
pre
rgidsticas, respondidas por
strondos dos subterrined
Fm 1747, o reverendo Abiiah Hoadley
smasiado universal para
serem negados, ¢ que as Vozes malditas
de Auizel e Buzrael, de Belzebu € de
Belial vindas do Subsolo foram. ouvida
por indimeras Testemunhas dignas de F
ainda vivas. Eu mesmo, nio mais de
quinze dias atris, eaptei um Discurso de
Forgas Malignas na Colina atris da minha
asa, durante ¢
jocalhar € Ribs
um tal de
© Assoviar que Coisa alguma nesta ‘Terra
Wem daquelas Cavernas que 5
Magia negra pode revelar © s6 0 Diabe
pole abr
Sonhar as bruxas
Patrick McGrath
Kitchener Street, que fica lado do
canal, mais leste (..) No alto da pona de
trada havia ma Iuneta suja em forma
bem um deposit
fe sol poente, havia ta
de carvio acessivel através de uma porta
nue se abria para o corredor de baixo e
diva para um lance ingreme de escads
Todas as pegas da casa eram pequenas,
desordenadas e com pé-direito bap
warede's dos quartos tinham sido forradas
nuitos anos antes © o papel,
stava descolando ¢ desbotava em
pontos; as grandes manchas que s
ilastravam com seu cheiro de argamassa
formavam estranhas figuras sobre
Mais tarde, subia para o meu quartc
Ficava na parte de tris da casa, soby
cescaclas, e da janela se via 0 patio e, mais
: ° ido da casa
provavelmente o mais tin
havia uma grande mancha na parede em
ente A minha cama, onde © papel tinha
ransformayam-se em P te
ua jazia acordado €, 2
Wwa no quanto, observava aqueles
inirava no quanto, obse 1
A
ele, um espirito danado por
cus pecados conira os homens, que
maligna de uma velha parede de periferia
As vezes, a bruxa deixava a parede ¢
eu eta cheio de pesidelos) ¢ ent
quando despenava atertorizado, poi
fea guinchar malévola no canto di
quarto, com a cabeca envolta as
€ os olhos cintilantes no m a
horrivel pele pustulenta, enquanto o Fedo
Je seu hilito empestava o ar; entio,
pulava sentado na cama, gritando, € sO
quando minha mae vinha e acendia a
inha que deixar 0 abajur aceso 0 rest
Francesco Sahat
Astrs parcas
1550
Florenca
Galleria Palatina
Wat Disney,
Branca de Neve
dinegso de David Hand,
1937 6 Disney2. Satanismo, sadismo e prazer da crueldade
‘As bruxas eram acusadas de realizar ceriménias blasfemas de adoracao ao
diabo, mas a liturgia de Satanas nao faz parte apenas da lenda, embora a
adoracdo ao diabo sempre tenha sido atribuida a seitas heréticas e tenha
sido invocada para condenar 0s cavaleiros Templarios. Inumeras formas de
satanismo existem ainda em nossos dias ~ emergindo de quando em
quando nos anais da crénica policial gracas aos comportamentos
delituosos (reais) de que seus membros sao acusados.
Os estudiosos subdividem as seitas satanicas hodiernas em quatro
correntes: os racionalistas e ateus, que consideram Satands um simbolo da
razao e da busca do prazer, fora de qualquer vinculo moral e religioso; os
ocultistas, que viram do avesso crencas € ritos religiosos; 0s satanistas
cidos’ onde os ritos assumem sempre um carater orgiastico, com uso de
drogas (tendéncia teatralizada por muitos grupos de rock);e, enfim, os
luciferianos, de antigas ascendéncias maniquéias e gnésticas, entre os
quais o deménio aparece como principio positive.
As razdes da adoracao ao diabo, quando nao nascem de sindromes
psiquidtricas ou nao servem simplesmente para justificar comportamentos
jdsticos e sexualmente excessivos, so as mesmas pelas quais muitas
pessoas aderem a crencas magicas. Na vida real,a distancia entre aquilo
que se deseja e aquilo que se obtém é, geralmente, mesmo com a
intervengao da ciéncia, bastante grande, enquanto a magia garante
sucesso através de uma espécie de curto-circuito instantaneo (pode-se
causar danos ao adversario espetando um alfinete em uma estatueta de
cera, pode-se evitar um mal por meio de um amuleto, pode-se conquistar 0
amor de quem nao nos ama através de um filtro). Em tais casos, 0
satanismo é uma forma de pacto com o diabo
O ritual fundamental dos adoradores de Satands é, em geral, a missa negra
que, segundo as varias crénicas, era celebrada nao sobre uma pedra de
altar, mas sobre o corpo desnudo de uma mulher, enquanto um sacerdote,
apéstata mas regularmente ordenado, consagrava as héstias de modo que
pudessem ser profanadas
Como muito se fantasiou sobre tais ceriménias e, na maioria dos casos as
testemunhas sempre foram muito arredias a falar no assunto, 0 texto que
melhor descreve estes ritos ¢ aquele de Huysman (em La bas), que
provavelmente chegou a freqientar ambientes satanistas.© fascinio do horrendo
No entanto, um caso de pseudo-satanismo que nos leva a outras reflexoes
foi aquele de Gilles de Rais. Companheiro de batalha de Joana d’Arc,
marechal da Franga ainda muito jovem, acabou enforcado aos trinta e seis
anos, depois de um processo no qual (gracas a numerosos testemunhos)
foi considerado culpado de atos de sodomia e outras violéncias contra
jovenzinhos que ele primeiro atraia a seu castelo, depois massacrava e
cujos cadaveres desmembrados enterrava, Como acontecia geralmente
nesses casos, foi dito que Gilles mantinha relacdes com o diabo, mas é
dificil reconduzir seus crimes a um fendmeno de satanismo. Tratava-se
simplesmente de um doente, que as experiéncias da guerra acostumaram
ao gosto do sangue. Exatamente esta sua propensao a tortura nos induz
a refletir se € 0 demonio quem empurra os seres humanos em direcao
a crueldade ou se nao é uma tendéncia natural a crueldade que os
leva a imaginar, como justificativa e motivo de excitagao, uma relacao
com 0 diabo.
Os seres humanos amam os espetaculos cruéis, desde os tempos dos
anfiteatros romanos, e uma das primeiras descricoes de um suplicio
horripilante pode ser encontrada em Ovidio, quando conta como Apolo
mandou esfolar vivo o sileno Marsias, que venceu em um concurso com
musical,
Schiller definiu muito bem esta “disposicao natural’ ao horrendo e nao
Podemos esquecer que em todas as épocas 0 povo acorreu cheio de
excitacao para assistir as execucdes capitais. Se hoje temos a impressao de
sermos ‘civilizados; talvez seja apenas porque o cinema coloca a nossa
disposicao inumeras cenas splatter, que nao perturbam a consciéncia do arava do século XI s
espectador, pois Ihe sao apresentadas como ficticias
Ce
Dai, tomou © nome de Marsias um curs
dagua que rapido escome entre mangen:Jacques Call,
ola de As misérias
da guera, 1633
A balada dos enforcados de Villon é inspirada pela piedade para com os
supliciados, mas nos recorda como a visao dos corpos humilhados pelo
suplicio era habitual nos tempos antigos; analogamente, as 4guas-fortes de
allot nos mostram cachos de enforcados que constituiam um espetaculo
cotidiano durante as guerras do século XVII, Viad Dracula, voivoda da
Valaquia, tornou-se célebre no século XV por se entregar ao habito de fincar
criaturas humanas em estacas pontiagudas ~ embora sua representacao
ceando alegremente em meio a uma selva de empalados talvez seja devida
a uma lenda. A familiaridade com a morte levava a elaborar sindromes de
crueldade até mesmo em relacao aos santos. Atualmente, na catedral de
‘Sao Vito em Praga, ha as urnas com os cranios de sao Adalberto e sao
Venceslau, um dente de Santa Margarida, um fragmento da tibia de Sao
Vital, uma costela de santa Sofia, o queixo de santo Eubano; no tesouro de
Viena, um dente de sao Joao Batista e um osso do braco de sant’Ana; no
tesouro do Domo de Milao, a laringe de sao Carlos Borromeu. Sao reliquias
que parecem obra de um artista contemporaneo e sua historia 6, ademais,
cheia de falsificagoes, obras de sofisticado artesanato. Mas mesmo quando
eram auténticas, essas cartilagens amareladas misticamente repugnantes,
Patéticas e misteriosas, esses farrapos de matérias muitas vezes em
migalhas, cuja origem e natureza ¢ dificil precisa, nasciam de um
esquartejamento dos venerados corpos, de fervuras das carnes para obter
esqueletos passiveis de desmembramento, de verdadeiras profanacées de
cadaveres devidas a um excesso de piedade popular. A piedade popular era
to-somente vitima de um comércio que nascia por motivos turisticos, para
atrair multiddes de fiéis a uma cidade ou a um santudrio. A crueldade pode
Rascer nao apenas do ddio ou do gosto perverso pela violentagao, mas
também do amor e da veneracao vividos de modo despropositado.
Vlad i Ordcula
‘manda empalar
‘suas vitimas,
1476-1477
Balada
Francois Villon
4 balada dos enfe
Nao olheis com duro coragio.
Pols se aos pobres de nés absolveis
Também a vés Deus vos dari perdio,
Aqui nos vedes presos, cinco, seis,
Foi devorado © em pouco apodrecia
Ficamos, cinza © p6, as ossos,
Que de nossa afliclo ninguém se ria
Mas suplicai a Deus por todos nos!
Se dizemos irmaos, vos nao deveis
Sentir desprezo, embora condenados
Tenhamos sido em vida, Bem sabeis:
Nem todos tém os sentidos sentados
Desculpaicnos, que jé estamos gelados
Perante 0 filho da Virgem Ma
NISMO, SADISMO E PRAZER DA CRUELDADE
Que seu fav nos falte um s6 dia
Para livrarni
Mas suplicai a Deus por todos nds!
A chuva nos lavou e
fez negros e ressecados
eis-nos de pélos e cilios despojados
Paraliticos, nunca mais parados
Para cf, part Ii, como o vento varia
Ao seu talante, Sem cesar, levados
Mais bicados que um dedial. A vés
Nao ofertamos nossa confraria
Mas suplicai a Deus por todos nds!
Meu principe Jesus que a tudo ves
Nao nos entregue a soberania
Do Inferno, que s6 ouvimos tua voz
Homens, aqui no cabe zombariaMorte de And:
Niceta Coniat
Narragdo cromoligica X, 8, 5: : ‘seca
paretdo dese mod
etre ciado, ara aa en cs aves va cli :
pata furam seus denies, despelam goeks alguns, de estipe latina, com pouco daquela dev a
ver car machado, fol jogado de experinentando qual sera a mais :
Depols deal fora Os caval pusand
Hee etna Mae = eM tip ie Deets te oe
trunfo (de desonra) pe dare fe mado que as pessous pensaram minutos, mesma cerimoni e, enfim,
follas, exbia rn erinio mal se ectaagarsangue que dele depois de numetoxis tentatvas, 0
Peladoque umovo.etoaimente _jorava, ainda quente de um come 0 fazerite cavalos paver! i
om ipo (.) Alguns golpeavam a 2 aber ai
rar 09 bragos mas junta
Teg sf Bone a th de 1757 Ee ee aneace repct are
humanos, Outros invectivavam- P lg tenis ea seta gsn | acipenhiar Le Breton:que nls fa Hieronymus Bosch, Mas dois testemunhos de suplicios reais nos falam de desmembramentos de
Te ea neta eam Te augers que pergoniase aoe ee corpos ainda vivos, o do imperador Andrénico (narrado por Niceta Coniate) e
transpassavam fan com vessain C..) Garante-se que Senhores se nao queriam que direito com o Inferno, 0 esquartejamento de Damiens (que tentou assassinar Luis XV,em 1757),0
pelos. Cn) Uma menera dssoluta« eine x Sanein pee ea. 1 aa an primeiro por obra da propria multidao, o segundo seguido pela multidao com
{gua quente © esaiou-o em a pa eaten as denon gue novos esforgos Fosse Museo del Prado excitado interesse. O gosto pela crueldade nunca poupou os animais: Poe nos
ea, No hala quer Jones excessvas 96 0 fam langar feitos, o que aconteceu; mas os conta ficcionalmente o suplicio infligido a um gato, mas Eco nos fala de um
Sena ONS ee ee ee oko oi ee projeto real, inspirado em um experimento, proposto no século XVI para
Sulina feat sree sic apit thes yeast Ea) es a encontrar um modo seguro de estabelecer a longitude a bordo de um navio.
clo tain, colocad Sage Tee i g mianejavaas trae testa A respeito desses e de outros epis6dios,falamos hoje de sadisrmo, mas foi para
ae eure of pk peut Bhat co: be toe demonstrar como o gosto pela crueldade esta enraizado na natureza humana
ah desabot ao! peti ail ont 0,08 quaizo cavalos, aca que Sade celebrou o desprezo pelo corpo alheio. E se Sade propugnava a
yelos pés, aman 7 ajudante di ‘many ados, extrairam as duas coxa, pratica da violéncia também como provocacao filosdfica, a literatura
Se ee en paneeeae eae ne Poeanern tae romantica e decadente (como Maturin) recorreu a ela com freqliéncia como
Ait ped epictess JND a bam Seepoctlmente, Be Ger Paes suprema maquinacao da sensualidade, Nao menos horripilantes s80 muitas
lobae uma hiena de bronze com © meio de comprimento, pingou _e anil; fi preciso comtar as canes outras paginas narrativas, algumas devidas ao puro gosto pelo sensacional,
ase ered arior rte in cae nie bocetie como em Fleming; outras voltadas para a condenagao da crueldade do
metido'a infin parted eorcnia boecortin ec taaso ae pee mundo, como em Conrad (que inspirou os horrores do filme Apocalypse Now),
fetmanioe de Coder 4h n seguka, os manos te ee : em Orwell, que nos lembra que a tortura ainda tem diteito de cidadania sob
Meal, coupalniaran LAL EE HHA ea eet HETERO (etteacies cence ee BITE regimes ditatoriais, ou ainda em Kafka, que fala de uma violéncia metafisica
Bepgeipie Drasnceess ase 4 egg oranees Ges stanley Gotuscoraae sempre presente, como acontece ainda hoje, alias, no curso de conflitos em
gamers, ms i pm as ez dso sue ea + verdad que os beligerantes perdem qualquer sentido de humanidade. Nestas
despedacar uma cana ji rota’, New eae Te Une Ou yciiar inleriox cere park praticas, 0 diabo jd ndo tem mais nenhuma funcao e nem se tenta evoca-lo
momo depois develo pendrad pi chaga do tamtanss cana © para balxo a titulo de justificagio. O gosto pela crueldade apresenta tracos humanos.
eo EE ee a ee ee
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